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Justiça manda USP matricular jovem que se diz pardo e teve autodeclaração negada

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Só neste ano, a USP recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram a autodeclaração racial negada ao concorrer às 2.067 vagas  |   Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 11/03/2024, às 22h32   Bruno Lucca/ FolhaPress


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O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar pela matrícula de um vestibulando cotista não considerado pardo pela USP (Universidade de São Paulo). A decisão provisória foi proferida na tarde desta segunda-feira (11).

Caique Passos Fonseca, 19, foi aprovado no curso de engenharia de produção no último vestibular da Fuvest, mas sua matrícula como PPI (preto, pardo ou indígena) foi indeferida pela banca avaliadora da instituição.

Os advogados acionaram a Justiça para garantir a aprovação do estudante com o argumento de que, na certidão de nascimento, Evandro é registrado como pardo, assim como seus pais. Na liminar, o juiz Marcio Feraz Nunes cita o fato como suficiente para acatar o pedido.

Em nota, a USP diz cumprir decisões judiciais e que planeja apresentar em juízo "todas as informações que explicam e fundamentam o procedimento de heteroidentificação". No caso dos candidatos que pleiteiam a cota de vagas via Fuvest, a análise racial é feita presencialmente pela comissão.

Só neste ano, a universidade recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram a autodeclaração racial negada ao concorrer às 2.067 vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas que estudaram em escolas da rede pública.

A reportagem teve acesso a um documento da universidade com a lista dos candidatos que recorreram ao ter a autodeclaração negada. Segundo a reitoria da USP, dos 204 recursos, apenas 51 foram deferidos, ou seja, os alunos tiveram a sua pertença racial aprovada.

Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, estudantes processaram a universidade por perderem as vagas nas quais foram aprovados após uma comissão decidir que eles não são considerados pardos.

No último dia 4, outro estudante já havia conseguido na Justiça decisão que obriga a USP a garantir a matrícula na Faculdade de Direito. Glauco Dalalio do Livramento, 17, foi aprovado em primeira chamada pelo Provão Paulista, vestibular exclusivo para alunos da rede pública. Ele se identificou como pardo, mas a banca discordou da autodeclaração depois de avaliar uma fotografia e fazer um encontro virtual de cerca de um minuto com o candidato.

Nesse caso, a defesa do jovem questionou a falta de isonomia no processo, já que não foi garantido a Glauco o direito de ser analisado presencialmente -como acontece com os candidatos da Fuvest.

Um grupo formado por quase cem estudantes que perderam a vaga por terem a autodeclaração negada também se mobiliza para entrar com uma ação coletiva contra a universidade.

Em nota, a USP defendeu o modelo que adota para a política de cotas e para a avaliação dos candidatos. "O desenho da política revela a sua eficácia, respondido às metas e mostrado que os critérios acordados não se confundem com um tribunal racial, mas com a efetividade de uma política pública fundamental para o Brasil."

As bancas de heteroidentificação são uma demanda do movimento negro e recomendadas pelos órgãos de controle, como o Ministério Público, para coibir fraudes na política de cotas. Das três universidades paulistas, a USP foi a última formar uma comissão desse tipo -e só fez após a Defensoria Pública ingressar com uma ação judicial.

A Unesp e a Unicamp informaram que as comissões fizeram com que os casos de fraude diminuíssem nos processos seletivos. Nas duas instituições, cerca de 90% dos candidatos avaliados têm a autodeclaração validada na banca.

Em posicionamentos anteriores, a USP afirmou que não fazia a avaliação presencial para todos os candidatos porque "isso demandaria um calendário de bancas de heteroidentificação incompatível com o calendário dos vestibulares do Enem, das universidades paulistas e do Provão Paulista."

Também argumentou que a averiguação online ocorre para evitar prejuízos a candidatos de fora de São Paulo. "Teríamos muitos candidatos viajando para São Paulo sem matrícula efetivada e sem uma resposta definitiva das bancas de heteroidentificação, o que acarretaria prejuízo para os candidatos", disse em nota.

Após a repercussão dos casos, porém, o reitor da USP, Carlos Carlotti Junior, prometeu "corrigir e aprimorar" o processo de avaliação dos candidatos que concorrem a vagas reservadas e realizar a oitiva presencial para todos os cotistas aprovados. A mudança depende ainda de aprovação em dois conselhos da universidade.

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