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Raízes do problema tributário brasileiro: quem está ganhando e quem está perdendo?

Imagem Raízes do problema tributário brasileiro: quem está ganhando e quem está perdendo?
Bnews - Divulgação

Publicado em 15/08/2018, às 08h06   Priscila Santana e Silas Genário*


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Quem nunca se deparou nas mais diversas situações, principalmente no contexto atual de crise econômica, com o comentário de que o maior problema econômico do Brasil é o tamanho da carga tributária? Talvez até mesmo você que começou a ler esse breve artigo compartilhe de tal opinião sobre o assunto. Mas será mesmo que o problema tributário brasileiro reside no tamanho da carga tributária? Em comparação aos outros países, qual o tamanho da carga tributária do Brasil? Qual é a raiz do problema tributário brasileiro? 

De fato, no Brasil, existe um problema tributário que há décadas tem corroído a renda das classes baixas e médias, o que tem gerado um descontentamento gritante entre esses setores da população. Além disso, tanto a precariedade dos serviços públicos disponibilizados pelo Estado, quanto a redução da oferta desses serviços – fenômenos que são consequências diretas dos modelos neoliberais de gestão pública – têm jogado mais peso sobre esse sentimento de indignação. Entretanto, é importante frisar que alguns setores da população estão ganhando, ou como diz o ditado popular “tem gente levando a melhor” com este modelo tributário, por isso, caras leitoras e caros leitores, não se iludam com supostas soluções simplistas para o problema, tampouco com o discurso de que o problema tributário no país tem origem num suposto “inchaço” do Estado. Neste breve artigo, mostraremos qual é a raiz do problema tributário brasileiro.

Em primeiro lugar, para entender o problema tributário brasileiro é necessário ir além da questão do tamanho da carga tributária do país. Na verdade, segundo os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a carga tributária brasileira não difere muito da carga tributária de países com estrutura econômica semelhante à estrutura do Brasil.  Por exemplo, para o ano de 2016 a média da OCDE era de 34,3% do PIB; para o mesmo ano, a carga tributária brasileira estava em 32,3%. do PIB. 

O principal diferencial do sistema tributário brasileiro se encontra na sua composição. A maior parte da arrecadação feita pelo governo é proveniente de tributos sobre bens e serviços, ou seja, aquela parcela que incide sobre o consumo e a produção. Segundo um estudo publicado em 2015 por Sérgio W. Gobetti e Rodrigo Octávio Orair, dois dos principais especialistas em tributação e distribuição de renda no Brasil, a tributação sobre bens e serviços no Brasil ultrapassa o nível de 18,8% do PIB, quando a média de qualquer país integrante da OCDE é de 11,6% do PIB, o que de cara já revela uma anomalia do sistema tributário brasileiro.

Os impostos sobre o consumo, que também são denominados de impostos indiretos, são regressivos por natureza. Dado que o imposto é cobrado igualmente para todas as faixas de renda, as classes mais afetadas por tais tributos são aquelas que utilizam, proporcionalmente, mais a sua renda para o consumo. Assim, as classes baixas e médias são as mais afetadas por um sistema tributário regressivo. Isso por si só causa efeitos perversos na sociedade, como o aumento da desigualdade de renda.

Como se não bastasse a predominância dos impostos indiretos no sistema tributário brasileiro, o Estado faz vista grossa à urgente necessidade de tributar o patrimônio e grandes fortunas, algo que já é uma realidade em qualquer país que busca atender ao objetivo de melhorar a distribuição de renda. Atualmente a alíquota máxima do imposto de renda para pessoas físicas é de 27,5% para rendimentos acima de R$ 4.664,68.

Em virtude da ausência de mais faixas de tributação, isso significa que a renda é tributada igualmente tanto para uma que ganha R$ 5.000,00, quanto para alguém que receba super-salários (como juízes, desembargadores, presidentes de grandes empresas e bancos, etc.). Isso é nitidamente um sistema tributário que funciona ao contrário, promovendo o aumento da desigualdade de renda ao invés de possibilitar uma distribuição de renda mais equitativa.

Para agravar mais ainda a situação, o Brasil também é um dos únicos países do mundo que concede isenção para os lucros e os dividendos que são distribuídos aos acionistas das empresas. O outro país do mundo que adota este modelo de isenção total é a Estônia, país que, diga-se de passagem, é tido como um dos mais pró-mercado e desiguais da União Europeia. 

No estudo desenvolvido por Gobetti e Orair (2015), o Brasil é considerado um dos países que menos tributa renda, lucro e ganho de capital; somente 5,9% do PIB, contra 11,6% da média dos 34 países que fazem parte da OCDE. Ainda segundo esses especialistas, além das distorções sociais, essas anomalias do sistema tributário brasileiro custam às finanças públicas cerca de R$ 50 bilhões ao ano.

Gobetti e Orair (2015) mostram que nem sempre o sistema de tributação brasileiro foi assim tão péssimo, ao longo dos últimos 50 anos várias reformas foram moldando esse sistema tributário que vem causando indignação. Para se ter uma noção desse processo, no governo de José Sarney, a alíquota máxima foi reduzida de 50% para 25%, e as faixas do imposto de renda foram diminuídas de onze para três.

Quanto ao processo de isenção de lucros e dividendos para as pessoas físicas, a mudança ocorreu no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, a partir da Lei nº 9.249/1995. A justificativa estava numa suposta bitributação: a primeira tributação na pessoa jurídica e a segunda na pessoa física.

Essas mudanças regressivas levaram algumas classes sociais a obterem ganhos às custas de outras. Esse processo vem de uma grande tendência nos anos 1980, que teve início com a onda neoliberal de Ronald Reagan nos EUA. A partir de então difundiu-se a ideia de que tributar os mais ricos representaria um desincentivo para quem é “empreendedor” ou “investidor”.

Desse modo, a mensagem que começou a se generalizar na sociedade foi a de que os impostos deveriam ser mais leves para a parcela mais rica da sociedade, pois os super-ricos canalizariam essa sobra de recursos para novos investimentos. Na realidade, porém, nada garante que os ricos façam investimentos com essa sobra de recursos. 

Com a crise econômica e as dificuldades do governo brasileiro em controlar as contas públicas, admira-se que não entre no debate político a discussão sobre o sistema tributário brasileiro que, ao privilegiar os mais ricos, livra essa parcela da população dos ajustes enfrentados nos últimos anos e diminui a base de arrecadação tributária.

Uma reforma tributária progressiva não deve nunca ser retirada da agenda da sociedade. Deve-se garantir que ela seja uma reforma que alivie os impostos indiretos, aliviando os ombros das classes baixas e médias do país. Da mesma forma, a reforma deve combater as históricas desigualdades enfrentadas pela sociedade brasileira e deve seguir os princípios sociais já garantidos pela Constituição Federal de 1988. 

*Priscila Santana - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA -  Mestra  em Economia pela Universidade Federal da Bahia.  D Integrante do Comitê Internacional pela Investigação e Anulação das Dívidas Ilegítimas (CADTM) 

Silas Genário - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA e graduando em Economia Pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

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