Polícia

Estupro: machismo dificulta resolução dos crimes, dizem especialistas

Publicado em 31/05/2016, às 11h12   Tony Silva (twitter: @Tony_SilvaBNews)


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Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

O estupro coletivo da adolescente de 16 anos, no Rio de Janeiro no último sábado (21) levantou inúmeras manifestações e discussões sobre a violência sexual contra mulheres no Brasil. Os desdobramentos também causam polêmica, a exemplo do questionamento do delegado Alessandro Thiers, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI). Durante depoimento da jovem ele perguntou se ela “já havia feito sexo em grupo”. O caso tomou espaço nas redes sociais que foram palco de manifestações pelo combate ao estupro, em um grito contra o que foi classificado como “Cultura do Estupro”.

A reportagem do Bocão News buscou a análise de especialistas baianos e uma vítima, não somente sobre o caso, mas também, sobre a violência sexual na Bahia, que segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), em 2015 foram registrados 2.549 caso, com 531 em Salvador. Por dia foram cerca 1,4 denúncias.

O problema não está no Código Penal

Apesar dos números, o promotor de Justiça, que atua no Tribunal do Júri do Ministério Público do Estado da Bahia (MPE-BA), Davi Gallo, afirma que a quantidade de vítimas é bem maior. “O índice de estupro na Bahia ainda são maiores, as mulheres não procuram a delegacia por vergonha ou pelo tratamento recebido nos locais onde vão. Nem 10% dos estupros são registrados. Eu fiz um trabalho em muitas cidades do interior, e através de confiança soube que muitas mulheres são estupradas e não denunciam. A maioria dos estupros acontecem dentro de casa”, comenta.

Para o promotor de Justiça, o problema não está nos artigos 213 e 217-A, que enquadram o crime de estupro no Código Penal, e sim no que ele classifica como uma sociedade machista. Para Davi Gallo, o machismo influencia as autoridades. “Tantos as autoridades, quanto os servidores, querem atribuir a culpa a mulher. A lei não tem como funcionar bem se a apuração falha junto com a complacência dos juízes, dos promotores e delegados. No caso da jovem do Rio de Janeiro, está bem claro que é um estupro de vulnerável, pois a vítima está desacordada na hora da conjunção carnal, o que caracteriza o crime”, afirma.

Gallo destaca que o estupro em países nórdicos, “que não tenham cultura latina”, ele é altamente reprovável e altamente punível. “Aqui a apuração é leniente e complacente, por causa da cultura machista. Essa ‘tal cultura do estupro’ é decorrente desse machismo. Existe também a cultura da impunidade, que já é uma cultura geral no nosso país, sobre todo tipo de crime. A distinção que está sendo feita no Rio está fugindo do que diz a Lei. Sexo sem consentimento é estupro, e pode ter como vítima tanto o homem, quanto a mulher, isso é bem claro”, avalia.

Sensação de impunidade e danos do crime

Em março deste ano o Bocão News noticiou o estupro de uma jovem nas dunas do bairro de Stella Maris, em Salvador. Nesta segunda-feira (30), o pai da vítima de 18 anos desabafou com a reportagem do site. A sensação de impunidade está fazendo o operador industrial, que preferiu ser identificado pelo prenome de Delfino, a planejar ir embora do Brasil com a família. “Estou pensando em levar minha filha para outro país, porque não me sinto seguro no Brasil. Uma grande quantidade de pessoas com alto nível de perversão. A legislação favorece os delinquentes, não só que cometem o estupro como outros crimes. A impunidade encoraja mais os bandidos. Quando precisamos das autoridades é um descaso total. É outro sofrimento. Uma frieza com o trato do problema da situação, as vezes a vítima é tratada como culpada. Ficamos aqui sempre na espera da notícia de que esse delinquente foi preso, para que ele não venha ferir outras famílias. As autoridades precisam entender isso também”, desabafa.

Delfino também descreveu a sensação mesmo após o crime cometido contra sua filha. Para ele os danos afetam toda família, que está fazendo terapia com psicólogos. “É danoso, uma enorme dor que não cessa, falta até palavras para mensurar a dor de toda família e de minha filha, que foi a vítima direta. Eu não desejo a ninguém que passe pelo o que a gente passou. A gente procura reforço espiritual, porque das autoridades esperamos uma resposta. Não somos a primeira família a sofrer com esse mal e nem seremos as últimas”, disse.

O industriário também comentou o estupro coletivo do Rio de Janeiro e afirmou que a vítima de 16 anos, estuprada por 30 homens cairá no esquecimento. “A sociedade está paralisada. Quem tem condição, está indo embora ou morando enclausurado em condomínios. Eu me mudei depois do ocorrido. Não sinto nenhum movimento das autoridades para dar uma virada. Infelizmente o caso dessa adolescente de 16 anos, tenho que dizer com muita tristeza, que este será mais um caso esquecido e ficará por isso mesmo”, afirma.

O que diz a psicologia?

Em entrevista ao Bocão News, o psicólogo clínico e social, Diego Maia, destacou que o comportamento da mulher não justifica o estupro. “O problema está na mente dos homens. O que tem que ficar bem claro é que o fato de vestir roupas curtas, dançar sensualmente e outros comportamentos condizentes a feminilidade, não querem dizer que elas estão predispostas a praticar sexo com quem quer seja, muito menos sem consentimento, ou seja elas não estão pedindo para ser estupradas, nada justifica o estupro”, afirma Maia.

O psicólogo explicou que os autores de tal delito estão enquadrados em dois perfis: os que possuem doenças psíquicas e os que agem no patamar da perversão, com ações decorrentes de contingências ou situação que colaboram para que cometam o crime, porém pela sua escolha. Para Diego Maia no caso do estupro coletivo do Rio de Janeiro, ali podem ser encontrado os dois perfis. O especialista também avaliou que alguns fatores exacerbam a atuação dos criminosos. “A banalização da sexualidade da mulher feita pela mídia coopera. Vivemos dois extremos na sociedade. Um lado machista demais e outro lado feminista demais. Porém o problema está no agente que comete o estupro”, analisa.

A mulher deve compreender o ambiente que ela vive para se proteger. Para Diego Maia, a mulher que muito se expõe está se colocando no campo da vulnerabilidade, mesmo sem ter a noção da dimensão do comportamento que tem. Sobre os números alarmantes da Bahia, ele ressalta que o estuprador, seja com doença psíquica ou pervertidos, eles não têm nenhuma noção que são doentes e precisam de tratamento. “O aumento existe pela falta de combate a este crime no país. Mais um mau silencioso que precisa ser acompanhado com campanhas fortes e consistentes, a exemplo da campanha contra o câncer de mama. Além disso é preciso coibir com alterações no Código Penal, uma vez que na cadeia, nem os próprios presos toleram. Se nem eles toleram, a Lei está muito branda”, afirma. 

Publicada no dia 30 de maio de 2016, às 23h34

Classificação Indicativa: Livre

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