Justiça

Novembro Negro: Advogados buscam concluir censo na OAB; último estudo aponta apenas 2% de negros na advocacia

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Na advocacia, ainda não existe um censo racial, embora haja determinação do Conselho Federal da OAB  |   Bnews - Divulgação Divulgação/Arquivo pessoal

Publicado em 24/11/2022, às 05h50   Camila Vieira


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A presença de negros e negras no espaço da advocacia e do Direito, na Bahia e no Brasil, é desproporcional, se comparada ao quantitativo populacional. Na advocacia, ainda não existe um censo racial, embora haja determinação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para implementação do instrumento. Uma pesquisa realizada pela ONG Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial e a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, ouviu 3.624 profissionais de nove dos maiores escritórios brasileiros, em 2018. Desse universo, apenas 2% se declararam negros ou negras.

O advogado, mestre em Direito, especialista em Ciências Criminais e atual presidente da Comissão da Advocacia Negra da OAB-Ba, Jonata Wiliam da Silva, 27 anos, afirma que o Direito tem a marca do racismo como constituinte de suas bases. “A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que inspira a Constituição Federal no Brasil, foi promulgada na França enquanto sufocava a Revolução Haitiana, buscando manter o regime de opressão colonial e negando à população negra a condição de homem e cidadão”, historia ele.

Presidente da Comissão da OAB-Ba

Embora a presença ainda seja tímida, o especialista chama atenção para ações de fortalecimento do grupo étnico na advocacia baiana. Atualmente, a OAB-BA conta com seis comissões que tratam diretamente da questão racial, incluindo a criação da Comissão da Advocacia Negra, efetivada em fevereiro de 2022, sendo a primeira desta pauta em todo o país. “Assim, a presença da advocacia negra no sistema OAB e também nas organizações da sociedade civil, em diversos coletivos, mostram que há indubitavelmente um fortalecimento e que vem gerando frutos muito positivos”, salienta.

Mudanças na lei, censo e políticas públicas 

Em 2021, o Conselho Federal da OAB alterou através da Resolução 003/2020, o Provimento 199/2020 tornando obrigatória entre outros dados cadastrais, a auto declaração étnico-racial para os novos integrantes dos quadros do Órgão. No mesmo ano, a OAB-Ba, lançou a Campanha “Autodeclara-se”, uma pesquisa para mais de 50 mil advogados, justamente visando conhecer o perfil da advocacia, para pensar políticas de desenvolvimento para classe e estratégias para o enfrentamento e combate aos desafios encontrados. “Estamos caminhando para o recenseamento completo, mas já temos avanços significativos”, frisou o presidente da Comissão.

Advogada Camila Carneiro

Para a advogada administrativista e familiarista com perspectiva de gênero e raça, especialista em Direito do Estado, com extensão em direitos humanos, diversidade e inclusão pela USP, Camila Carneiro, 37 anos, a representatividade e presença de pessoas negras em espaços de poder e/ou destaques ainda não reflete a proporção do quantitativo populacional. “Todas essas iniciativas têm como objetivo ter um panorama de quem somos, quanto somos e onde estamos. A construção do Censo e do recenseamento é um dos pilares dessa nova gestão e nos possibilitará implementar políticas para o melhor desenvolvimento da advocacia respeitando toda sua pluralidade e diversidade”, destaca.

Carneiro assinala que nos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, assim como nas grandes bancas e escritórios de advocacia, negros (as) são minoria. “O que não significa que não estejamos avançando, pois com o advento das políticas e ações afirmativas de democratização e acesso à educação, oportunidades, estamos ocupando cada vez mais os espaços que outrora nos foram negados”, assinala.

OAB- BA sai na frente

Hoje, é possível verificar o crescimento exponencial da atuação da advocacia negra da Bahia. Atualmente, são seis comissões diretamente ligadas as questões raciais. A Comissão de Promoção da Igualdade, que em agosto deste ano, completou 18 anos de atividades. Pela primeira vez na história das seccionais foi criada a Comissão da Advocacia Negra o que demonstra que a Bahia é vanguarda quando se trata de promoção de ações afirmativas.

“A realidade do trabalho que vem sendo feito pela advocacia negra baiana organizada, através de associações, institutos e coletivos, demonstrando a força e união desse segmento na busca pela representatividade, inclusão e ocupação dos espaços através da coletividade, é um movimento extremamente positivo e propositivo”, frisa.

Mulher negra para lista do Quinto

A organização da advocacia negra, o trabalho coletivo para implementação pela primeira vez na história da instituição de implementar o Quinto Constitucional com paridade de gênero e equidade racial, por si só demonstra os frutos da conquista dos advogados (as) negros e negras. “Sabemos que o Sistema de Justiça é majoritariamente composto por homens brancos, segundos dados do próprio CNJ em 2018, revelando uma fotografia já conhecida: é um sistema excludente, heteronormativo e segregador”, considera a advogada.

Carneiro chama atenção para eleição da advogada negra, Germana Pinheiro, como a mulher mais votada e a segunda pessoa com maior número de votos na história do Quinto. “Esse cenário demonstra o anseio da classe, a força, a importância e urgência da pauta. É o aceno da advocacia para mudança desse paradigma com a lista do Quinto Constitucional é um indicativo de que há o desejo de avanço e superação desse sistema hegemônico que enxergamos hoje”, diz a advogada.

Na opinião dela, “é preciso mudar o curso dessa engrenagem e fazer refletir na sociedade um sistema jurídico, onde não sejamos apenas jurisdicionados, mas que exerçamos jurisdição e para isso ocorrer, o Sistema de Justiça precisa estar comprometido com a pluralidade e inclusão e tenha a sensibilidade para a verdadeira promoção da justiça social”, finaliza a advogada.

Classificação Indicativa: Livre

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