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Emenda Constitucional n.º 125/2022 e as mudanças no regramento do recurso especial

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Publicado em 27/07/2022, às 16h08   Carlos Magnavita



No dia 15/07/2022, foi publicado no Diário Oficial da União o texto da Emenda Constitucional n.º 125, decorrente da PEC n.º 39/2021, que altera o regramento dado ao Recurso Especial, incluindo, como um de seus requisitos gerais, a necessidade de demonstração da “relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso”.

Regulamentado no inciso III, do art. 105, da Constituição Federal, o referido recurso, cuja competência para apreciação é do Superior Tribunal de Justiça, se destina ao julgamento de causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; ou c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

No âmbito da legislação infraconstitucional, o Recurso Especial tem alguns de seus requisitos intrínsecos e extrínsecos previstos no art. 1.029, do Novo CPC. São eles: a) a interposição por petição, contendo a exposição do fato e do direito; b) a demonstração de seu cabimento; e c) a indicação das razões do pedido de reforma ou invalidação da decisão recorrida. Somam-se a esses requisitos aqueles de natureza geral previstos para a maior parte das espécies recursais, a exemplo do preparo, da tempestividade e da regularidade formal.

É no que tange ao seu “cabimento”, portanto, que a espécie recursal será doravante afetada por esse novo requisito cumulativo, que imporá ao recorrente, em termos gerais, a necessidade de demonstrar que a tese defendida em sua petição não está adstrita aos interesses subjetivos das partes processuais, mas os transcende.

Quanto aos Recursos Extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal, e de Revista, de competência do Tribunal Superior do Trabalho, o legislador já previu requisitos intrínsecos semelhantes ao agora previsto para o Recurso Especial, sendo eles, respectivamente, a repercussão geral (art. 102, § 3º, da CF/88 e art. 1.035, do CPC) e a transcendência (art. 896-A, da CLT).

Todos esses institutos jurídicos (repercussão geral, transcendência e relevância) buscam conferir maior agilidade no julgamento dos processos judiciais, evitando que os Tribunais Superiores, que deveriam ser instâncias recursais extraordinárias, continuem sendo tratados como terceiras ou quartas instâncias recursais ordinárias.

A título exemplificativo, durante a tramitação da PEC n.º 39/2021, foram levantados dados do Relatório de Gestão do STJ, do ano de 2020, constatando-se que, naquele ano, foram ali distribuídos um total 354.398 (trezentos e cinquenta e quatro mil e trezentos e noventa e oito) processos, com uma média de 10.739 (dez mil e setecentos e trinta e nove) processos por Ministro.

No ano de 2021, de acordo com o respectivo Relatório de Gestão, foram distribuídos no STJ 412.590 (quatrocentos e doze mil e quinhentos e noventa) processos, tendo sido julgados 560.405 (quinhentos e sessenta mil e quatrocentos e cinco) processos, incluídos agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração.

A expectativa do Legislativo com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 125/2022 é que haja uma redução de 50% (cinquenta por cento) no volume de recursos que chega ao STJ.

Apesar desse nobre intuito, é importante que se tenha em mente a necessidade de compatibilização de princípios como o da duração razoável do processo e da economia processual, com direitos e garantias individuais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

O sistema processual brasileiro deve buscar se pautar na harmonia entre os mecanismos de agilização e desburocratização processual, que são de relevante importância para a o acesso à Justiça e a credibilidade do Poder Judiciário na sua missão de pacificar os conflitos sociais, e os direitos e garantias processuais atinentes ao contraditório e à ampla defesa, que devem ser amplos e abrangentes.

Os direitos aos recursos e às revisões das decisões judiciais, como corolários do devido processo legal, são decorrentes, inclusive, do reconhecimento da falibilidade do ser humano e não devem ser limitados apenas em razão da necessidade de se conferir julgamentos céleres aos processos judiciais.

O problema da demora na prestação jurisdicional não decorre, única e exclusivamente, da quantidade de recursos que são previstos na legislação, mas de uma série de fatores interligados, a exemplo da excessiva judicialização de questões interpessoais, em um país em que a distribuição da Justiça é deficitária e o cumprimento espontâneo da lei é minoritário.

Atento a algumas dessas questões, o próprio Legislador Constituinte Derivado previu que o requisito da relevância estará sempre presente nas causas que envolvam: a) ações penais; b) ações de improbidade administrativa; c) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; d) ações que possam gerar inelegibilidade; e) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; e f) outras hipóteses doravante previstas em lei.

Naquelas situações, portanto, o recorrente estará “dispensado” de demonstrar a presença do requisito da relevância, pois a própria lei o considera automaticamente presente, tanto em razão da natureza da matéria discutida, como das possíveis consequências do julgamento.

Por fim, há que se considerar que, para avaliação efetiva dos impactos da introdução desse novo requisito no sistema recursal brasileiro – precipuamente no que tange à segurança jurídica e à harmonia do ordenamento – será necessário árduo esforço tanto por parte do legislador infraconstitucional, na regulamentação desse novo instituto, bem como por parte da comunidade jurídica, no exercício da atividade interpretativa.

Somente com essa conjunção de esforços será possível a compatibilização dos ideais de uma Justiça célere, efetiva e “justa”.  

Carlos Magnavita

OAB-BA 25.773

Classificação Indicativa: Livre

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