Saúde

Humanização do parto e a luta contra a violência obstétrica na Bahia

Roberto Viana/BNews
O parto humanizado é o respeito e o acolhimento as gestantes   |   Bnews - Divulgação Roberto Viana/BNews

Publicado em 26/11/2017, às 07h00   Shizue Miyazono



“Lá eu fui abraçada, fui acolhida por pessoas que nunca me viram, de uma forma tão amigável, tão simpática, que eu estava desconhecendo aquele ambiente. Geralmente, quando a gente chega a qualquer hospital público o tratamento é muito ruim e quando você é tratado dessa forma em um hospital público, por pessoas que nunca te viram, que não sabem da sua história, não sabem da sua vida, você fica surpresa porque não é acostumada com isso”, afirma Kamila Pontes, de 24 anos, que teve seu segundo filho no Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira, na Mansão do Caminho, no bairro de Pau da Lima, em Salvador.

Ao BNews, Kamila contou que não tinha pensado em ter o bebê no CPN, mas dias antes do parto foi ao Hospital Roberto Santos, após sentir dores, e ficou mais de cinco horas esperando ser atendida. Durante o tempo de espera, duas enfermeiras conversaram com ela, perguntaram como estava sua gestação e a aconselharam a procurar a Mansão do Caminho. Dias depois, quando começaram as contrações, ela resolveu ir ao CPN. 

"Eu quis ir pela conversa que tive com as enfermeiras e pelo tratamento que tive no Roberto Santos, foi muito ruim, ao ponto de implorar para ser atendida. Eu fiquei imaginando se chegasse lá em trabalho de parto, eu teria tido a minha filha na sala de espera", contou Kamila.

O CPN é um centro de assistência ao parto humanizado e totalmente gratuito. Existem apenas alguns critérios para internação na unidade como gestação de baixo risco; ter realizado no mínimo quatro consultas de pré-natal (em qualquer clínica ou unidade de saúde); está em fase ativa do trabalho de parto; ausência de intercorrências clínicas pregressas ou atuais, entre outros.

Kamila contou que ao chegar à unidade, foi levada para a triagem e de lá para o quarto. Após tomar banho, foi perguntada pela obstetra como gostaria que fosse o parto: em pé, deitada, no chuveiro, na banheira, na bola. 

“Eu escolhi voltar para o chuveiro e, em poucos minutos, minha filha nasceu. Foi tudo sem intervenção mesmo, sem corte, nem ponto. Ei tive laceração mínima e ela falou que não era necessário fazer ponto, que era só um arranhão e futuramente ia sarar, e sarou em questões de dias", revelou a mulher.

Ela lembrou, ainda, que o marido e o filho de dois anos puderam acompanhar todo o parto e o companheiro, inclusive, cortou o cordão umbilical. Assim que a menina nasceu, ela foi colocada no colo da mãe e começou a mamar. “Eles me colocaram na maca e eu fiquei lá quietinha com ela, aquele momento foi só nosso, foi único. Depois de meia hora vieram pegar ela para limpar, pesar, medir, esses procedimentos”.

Kamila revelou que o parto humanizado foi muito diferente de quando teve o primeiro filho, em um hospital público de Camaçari, em que não pode ter acompanhante na sala de parto e ainda levou um tapa da enfermeira ao se assustar e levantar o braço ao tomar uma injeção. 

E a ideia da humanização do parto é justamente essa, a de dar um acolhimento maior a gestante, em que ela tenha o direito ao planejamento reprodutivo, e a criança tenha o direito ao nascimento segura e desenvolvimento saudável.


Foto: Reprodução/Kuara Fotografia

Co-fundadora do Grupo Coaracy, que apoia o parto humanizado em Salvador, Carol Lube explica que qualquer tipo de parto pode ser humanizado. Ela desmistifica a ideia de que parto humanizado é feito na banheira, dentro de cada. Carol explica que a gestante pode ter um parto de respeito em uma unidade hospitalar. "Não necessariamente um parto natural vai ser humanizado e não necessariamente um parto humanizado vai ser natural. O que define o parto humanizado não é o fato de não ter intervenção, não ter o uso de medicamento. É ter somente quando for necessário, de não ser utilizado simplesmente por protocolo, para adiantar ou sem necessidade". 

Para Carol, o parto humanizado é muito mais que a tentativa de diminuir a violência obstétrica, a humanização do parto é um nascimento digno, com respeito e amor para uma família. "O nascimento é muito mais do que um momento que não deve ter violência, mas que deve ser vivido e celebrado com todas suas dores e delícias. O parto vai muito além da dor, quando se abre mão de viver um parto por medo da dor, se abre mão de viver muitas outras emoções também".


Foto: Reprodução/Kuara Fotografia

A ginecologista e obstetra Nádia Castro afirma que todo parto precisa ser humanizado. Para ela, algumas estratégias tidas como "humanização", na verdade são obrigações dos obstetras, e eles são treinados para isso. "Acho o termo desnecessário e acaba sendo distorcido por alguns segmentos profissionais que querem instituir formas retrógradas de parto". Nádia explica que já teve paciente que pediu parto domiciliar, mas ela não aceitou. 

"Existem profissionais trabalhando nesta linha, porém não é recomendado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), então eu não faço e me sinto bastante confortável em dizer isso a minha gestante: não faço porque acho desnecessário se submeter a este retrocesso", afirmou. A obstetra ainda acrescentou que o parto é um evento totalmente imprevisível: "Se você me perguntar, vou lhe dizer: 98% dos partos normais são totalmente tranquilos, mas eu não gostaria de estar exposta a esses 2% de complicação. Resumindo: eu sigo a linha que aprendi, tudo pode dar certo, na maioria das vezes dará, mas esteja preparado para a complicação e na complicação, não dá tempo de pegar ambulância e trânsito".

A coordenadora da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Cremeb, Tatiana Magalhães Aguiar, também concorda com Nádia em relação ao parto domiciliar. "Nós não somos favoráveis pela falta de estrutura. Qualquer situação em medicina, qualquer procedimento pode ter intercorrência. O obstetra está com duas vidas nas mãos, em uma estrutura domiciliar em que caso tenha qualquer intercorrência, ele não tem o que fazer. Tem situações em obstetrícia que é questão de minutos, que salva a vida da mãe ou do filho. Se o médico é a favor da vida como a gente vai poder dizer que é uma situação segura da paciente? Não é seguro".

Para Tatiana, a humanização do parto é um respeito ao princípio bioética da autonomia do paciente. "Tem mulheres que entendem que não querem sentir dor no parto e, no entendimento delas, a cesariana é o que elas entendem como humanizado. A gente pega uma paciente que não teria nenhuma indicação de fazer uma cesariana, teria tudo para ter um parto natural e ela escolhe fazer uma cesariana, por opção dela. O médico tem que explicar: a senhora está escolhendo um parto que é uma cirurgia, a perda sanguínea é o dobro de um parto normal, também vai ser submetida à anestesia, o seu pós-operatório será de uma cirurgia, você não vai conseguir carregar o bebê no outro dia. O parto natural é mais fisiológico. Algumas mulheres entendem que isso sim seria uma agressão a elas, então é encontrar um meio termo porque a paciente tem que fazer parte da escolha", concluiu.

Rede Cegonha

Em 2011, o Ministério da Saúde lançou a Rede Cegonha com a estratégia de oferecer às gestantes usuárias do SUS atendimento cada vez mais qualificado e humanizado, desde o planejamento reprodutivo até o segundo ano de vida da criança. A ideia era evitar a cesariana desnecessária, e incentivar o parto normal, que é mais seguro e mais saudável para a mãe e o bebê.

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