Saúde

Transplante de fezes é testado contra a obesidade

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Mesmo sem muitas certezas relacionadas ao transplante, já há bancos de fezes no mundo, como o da UFMG, inaugurado em dezembro e que atualmente conta com material de somente três doadores  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 21/01/2018, às 22h59   Folhapress


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Talvez essa seja a primeira vez que você ouça falar em transplantar fezes, mas cientistas estão usando esse aparentemente estranho recurso cada vez mais.

Hoje, as possibilidades relacionadas à técnica vão de alívio de sintomas de doenças intestinais até a ajuda no combate à obesidade.

Batizado oficialmente de transplante de microbiota fecal, o procedimento tem a intenção de repovoar o intestino de pessoas doentes com os micro-organismos presentes no organismo de pessoas saudáveis. As fezes são diluídas e então transplantadas.

A técnica é relativamente recente, com o primeiro estudo mais completo publicado em 2013. Desde então, o transplante se tornou uma forma de terapia reconhecida para casos persistentes de infecção por Clostridium difficile.

A bactéria, segundo o Serviço Nacional de Saúde britânico, é encontrada em 1 a cada 30 adultos, e, na maior parte das vezes, é inofensiva e integra normalmente a microbiota das pessoas.

Em alguns casos –normalmente em pessoas mais velhas que tomam antibióticos–, a C. difficile causa infecção, com sintomas como diarreia, dores abdominais e pode até requerer cirurgia para retirada de partes feridas do intestino.

Com o sucesso do transplante para esse tipo de infecção, os cientistas começaram a estudar o impacto da microbiota fecal em outras doenças.

"Somos mais bactérias do que humanos", resume Henrique Fillmann, presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), ao falar sobre a quantidade de micro-organismos no nosso corpo e sua importância no funcionamento equilibrado do corpo.

A doença de Crohn é um das enfermidades que está no horizonte do transplante de fezes como potencial alvo.

Gisele Martins, 31, conta que perdeu toda a vida social e teve que parar de trabalhar por conta da doença. Foi somente após o transplante de fezes, em 2015, que seus sintomas começaram a melhorar. "Não adianta a pessoa fazer um transplante fecal se ela não tem uma alimentação saudável, só coloca porcaria para dentro", diz.

Mas médicos ouvidos pela Folha ressaltam que os estudos sobre doença de Crohn apresentam resultados diversos e que, para essa patologia, o transplante de fezes não pode ser considerado, pelo menos por enquanto, como uma terapia efetiva.

"O grande negócio que estão estudando e que realmente pode fazer muita diferença é no tratamento da obesidade", diz Fillmann.

Estudos apontam que uma dieta irregular seleciona "bactérias ruins", que ajudam o intestino a aproveitar melhor as calorias e, dessa forma, a perpetuar a obesidade.

É aí que o transplante de fezes poderia entrar, repovoando o intestino de pessoas obesas com a microbiota de pessoas saudáveis. "Não é que o transplante vá emagrecer a pessoa. Ele tornaria mais eficiente o tratamento da obesidade", diz Fillmann.

Mikaell Faria, cientista da Kaiser Clínica, em São José do Rio Preto, e membro da SBCP, é um dos responsáveis por uma pesquisa, iniciada em 2017, para entender a relação entre a microbiota e o emagrecimento de pacientes pós-cirurgia bariátrica.

"A ideia é ver se, ao mudar a microbiota [com o transplante], o paciente perderia mais peso", diz Faria.

Para evitar riscos e não interferir no resultado da bariátrica, além dos cuidados habituais da técnica –como análises de possíveis infecções e do estado de saúde do doador– o coloproctologista afirma que, antes de realizarem o transplante, esperam a recuperação total da cirurgia.

Em estágio inicial, a pesquisa tem dez pacientes.

CUIDADOS

André Zonetti, gastroenterologista do Hospital das Clínicas (HC) da faculdade de medicina da USP, afirma que, mesmo com os novos estudos, os cuidados na seleção dos doadores de fezes e as relações que estão se estabelecendo, é necessário muito cuidado com o transplante.

"Conhecemos muito pouco disso", diz Zonetti. "Estamos mais ou menos como estávamos, na década de 50, em relação à transfusão sanguínea. Mais tarde foi observada uma série de complicações relacionadas a ela de que não se tinha conhecimento, como a hepatite C."

Segundo o especialista do HC, é necessário também alertar que não se têm informações a longo prazo sobre os efeitos das bactérias, fungos, protozoários e vírus transplantados. "Não sabemos exatamente o que estamos transplantando."

Nos EUA, há, por exemplo, o OpenBiome, banco de fezes que afirma ter auxiliado 10.997 transplantes para tratamento de infecção por C. difficile em 2016. A organização, como forma de compensação, dá US$ 40 por doação. 

Classificação Indicativa: Livre

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