Política

Após mudanças no modelo de financiamento, fazer campanhas mais baratas será desafio para candidatos em 2018

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A Câmara aprovou a criação de um fundo especial que prevê R$ 1,7 bilhão para financiar a campanha eleitoral  |   Bnews - Divulgação Folhapress

Publicado em 16/10/2017, às 11h00   Guilherme Reis


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No início do mês, a Câmara dos Deputados aprovou a criação de um fundo especial que prevê R$ 1,7 bilhão para financiar campanha eleitoral, já valendo para 2018. O montante será composto por 30% das emendas impositivas das bancadas de deputados e senadores e pela compensação fiscal paga às emissoras de rádio e de TV por propaganda partidária, que será extinta. A medida tenta contornar a crise desencadeada após a Justiça proibir que empresas doassem recursos para campanhas políticas e contempla discursos em prol do financiamento público defendidos por partidos como PT e PCdoB.

O projeto dividiu opiniões tanto na Câmara quanto no Senado e causou divergências até mesmo entre correligionários. O próprio relator da reforma política na Casa, deputado Vicente Cândido (PT-SP), disse que o fundo pode não ser suficiente para arcar com os gastos das próximas eleições, mas que representa um alto custo para “quem vai pagar, que é o povo brasileiro”. Em 2014, as campanhas gastaram – oficialmente – R$ 5 bilhões. No próximo ano, os candidatos também poderão contar com o fundo partidário e com doações de pessoas físicas. Em meio à falta de consenso, é certo que tentar encontrar meios para fazer campanhas mais baratas será um dos principais desafios dos políticos em 2018.

Para a deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), que em 2016 disputou a Prefeitura de Salvador, o valor ideal para bancar uma candidatura à Câmara dos Deputados é de R$ 1 milhão. “Se todo mundo seguisse a mesma cartilha, poderia até ser menos”, acredita. A comunista, que apoia o financiamento público, defende que “o Brasil tem de aprender a fazer campanhas mais baratas” e menos sofisticadas, abrindo mão de grandes recursos tecnológicos. “O candidato que tem o que dizer precisa olhar no olho do eleitor”, acrescentou. Questionada sobre a possibilidade de um aumento na incidência de doações via caixa 2, a parlamentar aposta em “uma fiscalização mútua”. “Quando se vir uma campanha fora do padrão, o concorrente apontará os erros”.

O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), nome cotado para disputar o governo da Bahia em 2018 em oposição ao governador Rui Costa (PT), acredita que haverá uma das campanhas "mais sujas” da história no próximo pleito. “A proposta que defendi lá atrás ninguém deu muita importância. Defendi que se realizasse um plebiscito no Brasil para se definir se o financiamento seria público ou privado. Acabou, portanto, que não avançou. A essa altura, não vejo outro caminho a não ser um financiamento público que seja transparente, controlado e com regras”, disse, e também defendeu que as campanhas precisam passar por um barateamento.

Déficit

Em reportagem publicada no último dia 7, o jornal O Estado de S.Paulo apontou que o fundo eleitoral provocará um rombo de R$ 300 milhões no Orçamento de 2018. O discurso da maioria dos parlamentares é de que o montante não vai retirar recursos de áreas prioritárias como saúde e educação, mas a publicação mostra que o governo não conseguirá chegar ao total de R$ 1,77 bilhão previsto. Diante disso, a lacuna precisará ser preenchida com recursos do Tesouro.

A questão foi pontuada pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) ao votar contra o projeto, quando este passou pelo Senado.  “Ninguém sabe o valor que será retirado do Orçamento. Temos 27 estados, todos recebem emendas de bancadas. É tirar dinheiro do Orçamento para financiar campanha. Se não tem dinheiro não vai ter campanha. Por que não pensaram nisso nas eleições para prefeito?”, questionou.  

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) também criticou duramente o projeto, chamando-o de “fundo zumbi”. "Estamos desenterrando um fundo público que a Câmara enterrou pela pressão popular. Estamos fazendo um fundo zumbi. Pior que zumbi, é um zumbi Frankenstein. Com o monstrinho que estamos criando aqui, não sabemos de quanto vai ser o recurso. Vamos tirar dinheiro público, estamos cometendo um suicídio moral”, disse.

Durante a sessão no Senado, o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), defendeu que a classe política deverá “cortar na própria carne”. “Venho dizendo há bastante tempo que temos que encontrar uma solução sem mexer na saúde, na educação e sem buscar dinheiro novo. E, sim, dinheiro que já é gasto com a política. Chegou a hora de os políticos e a política cortarem na própria carne”, disse.

Após o ‘fundão’ passar na Câmara, no início do mês, o deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA) garantiu que recursos para saúde e educação não serão comprometidos. E, para Paulo Magalhães (PSD-BA), o novo modelo de financiamento será uma forma de “moralizar a política”. “O financiamento privado foi o responsável por esses mal feitos que estão aí. A Câmara deu uma prova de maturidade ao se alinhar com a vontade da população, que não aguenta mais tanta corrupção”, ponderou.

Já o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) acredita que o valor do fundo é muito alto e que não busca mudar o sistema das campanhas, e sim financiar com dinheiro público o mesmo sistema. “A gente quer denunciar aqui este 'fundão' por impróprio, criado por quem sempre viveu de dinheiro de empreiteira e de grandes financiadores. Defendemos o Fundo Partidário já existente, que pode ser ampliado em época de campanha, mas de maneira austera”, pontuou.

Questionado sobre o assunto, o presidente municipal do Democratas, Heraldo Rocha, mostrou-se preocupado e disse que não tem ideia de como a próxima campanha poderá ser viabilizada. O ex-deputado defendeu que é necessário ter “horário de TV, transporte para o interior” e que as mudanças na forma de financiamento beneficiarão candidatos mais ricos e mais conhecidos.

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Na avaliação do cientista político Joviniano Neto, a reforma acarretará um barateamento das campanhas, impactando no uso de recursos publicitários e favorecendo candidatos mais conhecidos, como aqueles que pleiteiam a reeleição ou que sejam celebridades da TV. “O fim do financiamento empresarial foi um avanço par a democracia. O financiamento público é a melhor solução. [...] Será uma campanha mais pobre. Mas vai favorecer quem é mais conhecido ou quem é político, ou celebridade”, acredita. “As campanhas serão mais baratas, diminuindo as técnicas de uso de marketing. As campanhas como os marqueteiros fazem vão diminuir”, acrescentou. 

Ainda segundo Joviniano, evitar o caixa 2 durante o próximo pleito será “muito difícil”. “O maior fiscalizador serão os adversários, não a Justiça. Vai haver caixa 2, sub faturamento, dizer que alugou uma casa por R$ 1 mil, quando na verdade ela custa 10 mil... Existem várias formas de se fazer caixa 2”, pontuou. O especialista disse ainda que o fundo não comprometerá investimentos básicos em educação e saúde, por exemplo. “Esse é o argumento de quem quer o financiamento privado”, assinalou.

Custos

Um levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrou que a campanha de 2014 custou R$ 5,1 bilhões. Como já era esperado, o PT e o PSDB foram os dois partidos que declararam gastos mais vultosos, R$ 1,121 bilhão e R$ 1,038 bilhão, respectivamente. O estudo apontou ainda que todos os 28 partidos que elegeram pelo menos um deputado federal gastaram mais de R$ 10 milhões. A sigla que declarou menor gasto foi o PSOL: R$ 12 milhões.

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