Política

Ex-ministro acusa Geddel de pressioná-lo para liberar obras do La Vue na Barra

Publicado em 19/11/2016, às 07h19   Redação Bocão News


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No último dia 13, a reportagem do Bocão News publicou que a Procuradoria Geral da República na Bahia indicou a paralisação da construção do edifício La Vue, na Ladeira da Barra. A indicação foi feita pelo procurador Pablo Barreto. Em dezembro de 2015, a obra do residencial de luxo com 30 andares motivou uma ação civil pública que pedia a suspensão da construção. De autoria do Instituto dos Arquitetos do Brasil - Departamento Bahia (IAB-BA), a ação apontou a falta de adequado estudo prévio de impacto de vizinhança para a obra, que tem vista para o Porto da Barra, Baía de Todos-os-Santos, em uma região com patrimônios tombados e com monumentos históricos.
Mais uma polêmica surge sobre o caso. De saída do governo, o ministro da Cultura, Marcelo Calero, acusa o ministro Geddel Vieira Lima (Governo) de tê-lo pressionado a produzir um parecer técnico para favorecer seus interesses pessoais. Em entrevista à Folha, Calero afirmou que o articulador político do governo Temer o procurou pelo menos cinco vezes —por telefone e pessoalmente— para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão subordinado à Cultura, aprovasse o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, nos arredores de uma área tombada em Salvador, base de Geddel.
“Quando eu cheguei no governo, a presidente do Iphan, Jurema Machado, me alertou que existia um empreendimento na Bahia que despertava interesses imobiliários. E me recomendou especial atenção a mobilizações políticas que pudessem ocorrer. A partir disso, eu de fato recebi ligação do ministro Geddel dizendo que aquele empreendimento empregava muitas pessoas e que o Iphan da Bahia havia dado uma licença de construção que fora cassada pelo Iphan nacional. Ele disse que essa decisão era absurda porque não levou em conta pareceres técnicos do Iphan da Bahia e não havia dado oportunidade ao empreendedor de ampla defesa”, conta.
Questionado se o empreendedor é a Cosbat ele respondeu: “isso está no processo. O que acontece é que eu então recebi ligações bastante insistentes a partir de outros interlocutores e pedi que a [nova] presidente do Iphan, Kátia Bogéa, visse se o que era relatado pelo ministro procedia. Pedi que ela recebesse os advogados, como Geddel havia solicitado. Depois de receber os advogados, ela falou: ‘Do ponto de vista técnico, não há razões ao empreendedor, mas houve um erro processual porque a cassação da licença ocorreu sem abrir prazo de defesa’. A doutora Kátia então cancela os atos administrativos e abre prazo de defesa. Até aí, me pareceu uma gestão bastante regular. Mas me surpreendeu um pouco um ministro de Estado ligar para outro ministro de Estado para falar deste caso. Mas não fui mais perturbado em relação a isso”.
O ex-ministro ainda revelou quando começou: “foi logo que tomei posse, não demorou mais do que um mês. Depois desse recurso não tomei mais conhecimento. Até que, no dia 28 de outubro, uma sexta-feira, por volta de 20h30, recebo uma ligação do ministro Geddel dizendo que o Iphan estava demorando muito a homologar a decisão do Iphan da Bahia. Ele pede minha interferência para que isso acontecesse, não só por conta da segurança jurídica, mas também porque ele tem um apartamento naquele empreendimento. Ele disse: "E aí, como é que eu fico nessa história?".
Ainda na oportunidade, revelou como reagiu. “Eu fiquei surpreendido, porque me pareceu —não sei se estou sendo muito ingênuo— tão absurdo o ministro me ligar determinando que eu liberasse um empreendimento no qual ele tinha um imóvel. Você fica atônito. Veio à minha cabeça: ‘Gente, esse cara é louco, pode estar grampeado e vai me envolver em rolo, pelo amor de Deus’. O ministro Geddel tem uma forma de contato muito truculenta e assertiva, para dizer o mínimo. Então, na ocasião, eu tergiversei, disse que tinha uma agenda com ele para falar de outros assuntos e que poderíamos falar daquele”.
Calero detalha também que na segunda-feira de manhã, ele chamou a Kátia e falou o que estava acontecendo. “Mas disse que, ao contrário do que ele pediu, eu queria uma solução técnica. Uma preocupação que eu tive foi a seguinte: eu sou um cidadão de classe média, servidor público, diplomata de carreira. O único bem relevante que eu tenho na minha vida é a minha reputação, a minha honra. Fiquei extremamente preocupado de eu estar sendo gravado e, no final das contas, eu poder estar enrolado —imagina!— com interesse imobiliário de Geddel Vieira Lima na Bahia. Pelo amor de Deus! Fiquei preocupado de estar diante de uma prevaricação minha, podia estar diante de uma advocacia administrativa, para dizer o mínimo. Pensei em procurar o Ministério Público, a PF. Depois de conversar com Kátia, fui ao ministro Geddel, com quem eu tinha um despacho, e ele falou que o pleito dele era plausível e eu dizia: "Vamos ver" e que a decisão seria técnica”.
E continua: “depois disso, eu disse para a Kátia: ‘Tome a decisão que tiver de tomar. Se eu perder o meu cargo por isso, não há problema. Eu saio. Eu só não quero meu nome envolvido em lama, em suspeita, qualquer que seja, de que qualquer agente público possa ser supostamente beneficiado pelo fato de que ele exerce pressão sobre mim’. No domingo seguinte, recebi outra ligação do ministro Geddel”.
Calero lembra afirma durante a entrevista que “as coisas já haviam passado do limite”: “Kátia é uma pessoa corretíssima. Avisei que se ela saísse eu saía também. E disse: ‘Mas sairemos com a cabeça erguida’. Em novembro, já havia sinal de que o parecer do Iphan seria contrário [à obra]? Já. Na semana do dia 7 de novembro comecei a sofrer pressão para suscitar um conflito ou mandar o caso para a AGU [Advocacia-Geral da União]. E aí pessoas do governo”.
Ele revela quais são as pessoas do governo. “Pessoas que estavam tão pressionadas quanto eu. Eu comecei a sofrer pressões para enviar o caso para a AGU. A informação que eu tive foi que a AGU construiria um argumento de que não poderia haver decisão administrativa [do Iphan]. Isso significa que o empreendimento seguiria com o parecer do Iphan da Bahia, que liberava a obra”. Quando questionado quem comanda o Iphan da Bahia ele responde: “a indicação surgiu de uma comunicação –que eu possuo– do ministro Geddel”.
E desabafa: “não estou aqui para fazer maracutaia. Nós precisamos ter a coragem de dizer: ‘daqui eu não passo’. Vou voltar a ser um diplomata de carreira que passou em quinto lugar num concurso, estudando e trabalhando ao mesmo tempo. Se for para fazer errado, vou embora. Ele só me disse que tinha apartamento no prédio em 28 de outubro. No dia 31: ‘já me disseram que o Iphan vai determinar a diminuição dos andares”.
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