Polícia

Família de acusado de atirar em transexual nega versão e atribui crime a PM

Publicado em 22/07/2017, às 08h00   Vinícius Ribeiro


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Uma transexual tetraplégica e dois acusados presos pelo mesmo crime. Este é o saldo de um atentado praticado na cidade de Presidente Dutra, no Centro Norte da Bahia, no dia 2 de abril deste ano. Naquela noite de domingo, a transexual Bárbara Trindade, a Babi, de 22 anos, foi atingida na coluna vertebral e no maxilar.
De acordo com o inquérito policial, ela foi atraída para um encontro com um homem em uma rua pouco iluminada nas imediações da Câmara de Vereadores e, por volta das 23h, foi alvejada. Dois homens teriam chegado ao local em uma motocicleta e um deles efetuou os disparos. 
Enquanto Babi era socorrida para o Hospital Regional de Irecê, pessoas próximas a ela teriam visualizado as últimas mensagens no celular da vítima. O perfil suspeito continha foto e nome do frentista Domingos Mendes, de 20 anos. A identificação foi o bastante para que o jovem fosse preso acusado de autoria do crime. A versão, no entanto, é negada pelo acusado e seus familiares.
Em conversa com o BNews, o pai e uma prima de Domingos afirmam que o jovem é vítima de uma ‘armação’ planejada por um policial militar, de prenome Paulo Roberto. De acordo com a versão dos parentes do jovem, que está preso há quatro meses na delegacia local, o PM teve um caso com a transexual há cerca de cinco anos. 
Segundo conta a família, uma foto em que os dois aparecem deitados em uma cama teria sido compartilhada exaustivamente entre os moradores da cidade, tornando o caso público, o que provocou a ira do policial. Após o vazamento da foto, Bárbara teria deixado a cidade por conta de ameaças do policial. Segundo afirmado pelos parentes de Domingos, o atentado contra Babi ocorreu na mesma semana em que a transexual havia retornado à cidade de Presidente Dutra. 
PERFIL FALSO
Ainda conforme a versão dos parentes do jovem preso, o soldado teria cadastrado um chip de celular com CPF de outro Estado. Em seguida, criou uma conta no aplicativo WhatsApp com a foto e o nome de Domingos. "Ele pegou a foto na internet, no perfil do Facebook do meu filho, que é um rapaz simpático, e colocou no WhatsApp para atrair Bárbara", conta o pai de Domingos, Miguel Mendes, de 54 anos. "A foto que ele usou é diferente da usada por Domingos no WhatsApp", completa a prima, que prefere o anonimato. Com o suposto perfil falso, o policial militar conseguiu convencer Babi para o encontro, quando praticou o crime com ajuda de um cúmplice.  Ainda de acordo com a família, o cúmplice do PM teria fugido para uma cidade no Paraná.
A prima de Domingos relata que no primeiro inquérito consta que Babi não conhecia Domingos. Segundo contou, a resposta da transexual no início das mensagens comprova a versão. "Quem é? Não te conheço!", teria escrito Babi no aplicativo, resistente, inicialmente, em ir ao encontro. 
Os familiares de Domingos também apontam outros indícios de tentativa de incriminar o jovem. Entre eles, o álibi utilizado por Paulo Roberto para o dia do crime, em que afirmava estar com a namorada em Irecê, cidade vizinha a Presidente Dutra. Segundo Miguel Mendes, a própria namorada do policial teria recuado e negado a versão do PM, que, segundo os relatos, possui histórico violento na região. "Tudo que estão encontrando é contra o soldado", ressalta a parente.
No horário do crime contra a transexual, Miguel diz que estava em casa com Domingos e outros dois filhos. À reportagem, ele apresentou uma selfie feita por Domingos em que todos são vistos na sala. "Sei que família talvez não seja álibi, mas ele estava pedindo uma pizza pra gente. O pedido na pizzaria com horário e tudo está registrado em mensagens", afirma, mostrando prints do pedido via smartphone.
Para a família, a mobilização do movimento LGBT, onde Babi é militante, teria influenciado para a prisão de Domingos Mendes.  
"Na delegacia, eu perguntei a meu filho se ele conhecia ou tinha algum coisa com essa Bárbara e ele negou", conta Miguel, relembrando a conversa com o filho, que divide a cela com mais três presos. À época do suposto caso da transexual e o PM, Domingos tinha entre 14 e 15 anos.  
SEGUNDO INQUÉRITO
A família de Domingos Mendes reclama da atuação da delegada Ezerlina Rocha, por conta da demora na conclusão do segundo inquérito policial. "Ela (a delegada) não concluiu o segundo inquérito e está prejudicando meu primo, que está há três meses preso", lamenta a prima. Pai e prima do jovem afirmam, ainda, que o esforço dos advogados da família e da comunidade motivou o Ministério Público (MP) a intervir no caso. 
"A pressão de nosso advogado e da comunidade levou o MP a pedir que a delegada abrisse outro inquérito policial, onde meu filho já depõe como testemunha e culmina com a prisão do policial. E meu filho continua preso. Dois acusados pelo mesmo crime presos. Estamos vivendo um drama", diz, emocionado, o pai Miguel. 
QUEBRA DE SIGILO
Procurada pelo BNews, a delegada Ezerlina Rocha afirmou que Domingos continua preso por decisão judicial. "O caso está no segundo inquérito, onde estamos apurando a participação do policial militar, que também está preso. O que mais pesa no momento é que estamos esperando a quebra do sigilo telefônico dos envolvidos, que estou esperando a operadora enviar", explica. Sobre a prisão do jovem, Ezerlina diz que o fato de duas pessoas participarem do crime pesa contra Domingos. "Em depoimento este policial disse que o aparelho celular utilizado para atrair a vítima ele vendeu a Domingos, querendo tirar a participação dele e colocar só no Domingos", declara.
A delegada conta ter encontrado Bárbara na quarta-feira (19). Ela segue internada em um hospital no bairro de Nazaré, em Salvador. De acordo com a delegada, Babi, que já apresentou no quadro clínico infecção generalizada, mantém a versão contra Domingos. "Ela continua dizendo que quem atirou nela foi o Domingos", diz ao site.
A reportagem do BNews tentou contato com a defesa da transexual, mas as ligações não foram atendidas. O site ainda buscou através de e-mail um posicionamento da assessoria da Polícia Militar, mas até o fechamento desta publicação não tivemos retorno.  
O prints que integram a matéria foram integrados ao processo. Segundo a família, Domingos teria registrado a selfie enquanto pedia a entrega de uma pizza. A tentativa de homicídio ocorreu minutos depois. 

Publicada originalmente dia 21, às 13h

Classificação Indicativa: Livre

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