Polícia

Negros morrem mais que brancos em ações policiais; mais um resultado das disparidades raciais no Brasil

Kelly Hosana/ SSP
Na Bahia, uma pessoa negra morre a cada 24 horas em ações policiais  |   Bnews - Divulgação Kelly Hosana/ SSP
Letícia Rastelly

por Letícia Rastelly

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Publicado em 20/11/2022, às 06h00



Há exatos 127 anos Zumbi dos Palmares morria por lutar pelo povo negro escravizado no Brasil, sem saber que 23 anos depois uma assinatura daria liberdade aos seus. Porém, o que nem Zumbi nem os negros daquela época podiam prever é a que a Lei Áurea não iria garantir igualdade. As disparidades entre pretos e brancos prosseguem no país mesmo depois de mais de um século, sendo a violência um dos destaques.

De acordo com o relatório “Pele alvo: a cor que a polícia apaga”, pelo menos cinco pessoas negras foram mortas por dia em ações policiais em 2021, nos estados monitorados pela Rede de Observatórios em Segurança Pública. O material, elaborado a partir de dados das Secretarias de Segurança, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), colocam a Bahia à frente, sendo uma pessoa negra morta em ações policiais a cada 24 horas.

O relatório indica que 3.290 pessoas foram mortas em ações policiais na Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas, 2.154 vítimas (65%) eram negras - utilizando como referência o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que considera negros a soma de pardos e pretos.

Luciene Santana, cientista social, pesquisadora da Rede de Observatórios de Segurança e articuladora da Iniciativa Negra, conversou com o BNews sobre o relatório e explicou que a representação de pessoas negras nessas estatísticas é diferente em relação a porcentagem daqueles que estão vivendo no Estado.

“Quando nós procuramos pessoas negras em estatísticas de ocupação de espaço de poder, de renda, de trabalho, existe e uma sub-representação, mas quando falamos de dados da segurança pública essas pessoas ocupam, infelizmente, quase que 100% em relação a essas mortes”, detalhou Luciene.

Para ela, esse tipo de dado, produzido pelo terceiro ano consecutivo pela Rede de Observatórios “chama a atenção para essa política de Segurança Pública. Infelizmente as operações policiais, que deviam ser para promover vida e proteção para as pessoas, conta com um índice de letalidade muito alto.  E preocupa, sobretudo, quando essa letalidade é direcionada a uma pele alvo”, comentou a cientista.

Questionada sobre os altos índices na Bahia, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “as operações policiais são realizadas observando critérios como mancha criminal (número de ocorrências policiais), ações de inteligência que identificam possíveis grupos criminosos e também denúncias. Não existe qualquer tipo de direcionamento relacionado à raça ou condição social”.

Ainda segundo a pasta, “os policiais são treinados para preservar vidas e que todos os casos de confrontos, principalmente aqueles com resultado morte, são rigorosamente apurados pelas Corregedorias”.

As desigualdades

A disparidade entre brancos e pretos pós Lei Áurea também coloca os negros na mira das ações policias, afinal elas costumam acontecer em áreas onde há uma maior quantidade de negros, com pouco renda e baixa escolaridade, uma realidade ainda difícil de mudar, sem a inserção de políticas públicas.

 “Esses mesmos territórios, que são majoritariamente negros, são territórios majoritariamente pobres, com pessoas que sofrem além dessa questão em relação à política de segurança pública com dificuldade do acesso a outras políticas, como emprego e renda”, exemplificou a cientista.

Entretanto, uma outra questão relacionada ao dado do Observatório, apontada por Luciene, se relaciona com a história: a criação da polícia na Bahia, que acontece em detrimento da Revolta dos Búzios- um movimento de caráter emancipacionista que ocorre entre 1798 e 1799.

Luciene ressalta que esse é o terceiro ano que o Observatório traz esse relatório, com o intuito de modificar a realidade nessa perspectiva, mas as autoridades ainda não conseguiram mudar essa realidade. “Não há uma mudança de postura a essa atuação da polícia e o alto índice de letalidade”, lamentou a cientista.

Classificação Indicativa: Livre

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