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Médico baiano que atuou na vacina contra Covid diz que teve "metralhadora na cabeça" em abordagem policial; veja relato

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Roberto Badaró escreveu carta para o Comando-geral da PM pedindo providências; PM afirma ter agido de forma "técnica"  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 08/04/2022, às 18h39 - Atualizado às 22h21   Eduardo Dias e Eliezer Santos



Revoltado com a abordagem de policiais militares durante uma blitz em Salvador, o médico infectologista, Roberto Badaró, enviou uma carta ao comandante-geral da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), coronel Paulo Coutinho, relatando uma situação ocorrida com ele e sua família e cobrando providências da entidade em relação ao caso. 

De acordo com o relato de Badaró, ele e sua família foram parados uma blitz da PM, no último dia 5, na região do Canela, em Salvador. Na ocasião, segundo ele, os policiais agiram com "desrespeito à dignidade das pessoas e à integridade física e moral" dele e dos acompanhantes do veículos.

No documento, o infectologista acusa ainda os militares de agirem de forma violenta e "ameaçando a todo tempo a prática de atos de agressão física e ameaças contra nossas vidas", inclusive com arma de fogo apontada para ele. Badaró diz também que os PM's não solicitaram documentos pessoais, os fizeram descer do veículo, e partiram para uma "revista agressiva e violadora dos direitos básicos de um cidadão de bem".

"Tenho absoluta certeza de que esta não deve ser a orientação do comando da Polícia Militar da Bahia, que, infelizmente, revela despreparo nas abordagens de rotina ou mesmo extraordinárias. O Estado não concede permissão a policiais militares para cometerem crimes contra os cidadãos de bem, sem qualquer motivo ou justificativa, apenas por terem o poder de portar armas de guerra", diz um trecho da carta.

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"Peço que determine a imediata apuração dos fatos aqui relatados, aplicando as normas disciplinares cabíveis que regem essa digna e respeitada Corporação, punindo, se for o caso, ou pelo menos que se retrate com as devidas desculpas, pelo evidente excesso e desrespeito, contra mim e contra minha família", diz Badaró em outro trecho da carta.

O BNews entrou em contato com a PM, que afirmou que toda a ação decorria de forma técnica, apesar de um passageiro do veículo se exaltar com a abordagem de praxe. "(... )Foi dada voz de parada, com os policiais empunhando seus armamentos em postura relativa, de fato, voltada na direção do automóvel, como preconiza a técnica, tendo sido determinado que fosse desligado o veículo, a fim de serem apresentadas as documentações. Neste momento, um dos ocupantes, que se encontrava no banco do carona, passou a proferir gritos em desfavor dos policiais para que não apontassem arma em sua direção, saindo do veículo de rompante, desrespeitando os militares em serviço, esbravejando por diversas vezes não se tratar de bandido, motivo pelo qual não deveria ser abordado, apontando dedos em riste para os policiais, inclusive para o major PM, batendo a porta do veículo de maneira agressiva, utilizando palavras de calão quando e deu ordem para o motorista não apresentar os documentos."

Apoio de políticos

Ao BNews, Badaró afirmou que após o episódio recebeu apoio de poíticos baianos, a exemplo dos senadores Otto Alencar, Angelo Coronel e Jaques Wagner e do ex-senador Roberto Muniz.

"Tive o apoio dos três senadores da Bahia, Otto Alencar, Angelo Coronel e Jaques Wagner, e do ex-senador Roberto Muniz. Todos foram solidários. Houve uma mobilização social entendendo que aquilo foi fora do limite, um absurdo que não condiz com a orientação da PM", disse.

Roberto Badaró diz ainda que a ênfase do seu protesto é para que as forças de segurança "adotem protocolos para que isso não se repita" "O pano de fundo dessa minha denúncia é para que haja a construção de protocolo".

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Passados três dias do ocorrido, Badaró diz ter superado o susto inicial que a abordagem provocou. "Digeri bem, sou superior a essas coisas. Na hora fiquei chocado...fiquei chateado uns dois dias, mas depois refleti".

"A repercussão do que aconteceu traz uma reflexão muito grande", pontua, ao lembrar ainda da solidariedade que diz ter recebido de desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia e também da deputada federal Alice Portugal (PCdoB).

Dentre as reflexões que fez, Badaró contou a reportagem que levou em conta a boa relação que tem com a PM-BA, da qual já recebeu condecorações importantes, além do fato de ter assistido a mais de 200 policiais e bombeiros vítimas da Covid-19 durante a pandemia "sem nenhum honorário".

"Ainda não tive nenhum retorno do comando da PM", detalha sobre a carta enviada na última quarta (6), com pedido de apuração e providencias.

Leia a íntegra da carta:

lmo. Sr. Comandante da Polícia Militar do Estado da Bahia

Coronel Paulo José Reis Coutinho

CC Coronel Xavier                       

“O direito e o respeito ao cidadão é um dever de todas as autoridades públicas e sua recíproca é verdadeira.”

Senhor Comandante,

Lamentavelmente, relato e peço providências, a adoção de providências enérgicas, cabíveis e oportunas em face da situação por mim vivenciada e por minha família, com absoluto desrespeito à dignidade das pessoas e à integridade física e moral.

No dia 5 de abril do ano em curso, quando trafegava, em veículo de propriedade de meu filho, Felipe Badaró e o motorista profissional que nos presta serviço, exatamente na descida do viaduto do bairro Canela, nesta capital, seguindo em direção à Avenida Contorno, fomos abordados por uma blitz da Polícia Militar, cujo prepostos atuantes na referida operação, de forma violenta e ameaçando a todo tempo a prática de atos de agressão física e ameaças contra nossas vidas, inclusive com o apontamento de arma de fogo pesada (metralhadora) apontada para minha cabeça e a do meu filho, e sem qualquer solicitação prévia de documentos pessoais, nos fizeram descer do veículo, para uma revista agressiva e violadora dos direitos básicos de um cidadão de bem.

Na oportunidade, a patrulha era comandada pelo Capitão Uldinei (não disponho do sobrenome), e se suspeitava que o carro poderia estar sendo dirigido por bandidos. Estávamos no veículo de marca Volkswagen Polo ano 2021, de cor branca, placa policial xxxxx, dirigido por meu filho Filipe Miranda Badaró, Engenheiro Civil e piloto de avião profissional da Abaeté, CPF nº xxxxxxxx, portador da CNH nº xxxxx, com validade 21/08/2023.

Ao lado do condutor estava sentado eu, que me encontrava, portando carteira de identidade médica CRM:6047 e de ex-Subsecretário de Saúde do Estado da Bahia. No banco de traz, estava sentado o Sr. Diego Jesus dos Santos, portador da CNH nº xxxxxxxx, com validade até 27/07/2025.

O veículo foi abordado pelos policiais portando armamento pesado, que foram, de pronto, apontados para as cabeças dos ocupantes, fazendo-o parar. Dois policiais, um em cada lado da viatura se dirigiram a mim e ao meu filho com palavras rústicas, vociferando: “saiam do carro, mãos para cima, e encostem na parede sem virar o rosto”.

Imediatamente, retirei a minha identificação da carteira e pedi ao policial que apontava metralhadora para a minha cabeça, que retirasse a metralhadora da minha cabeça e olhasse os documentos do carro e nossos documentos pessoais. Na oportunidade, fui enfático e afirmei: “...Eu não sou Bandido, não posso ser ameaçado de morte com uma metralhadora na minha cabeça e, pior, ver o meu filho e meu motorista sendo humilhados, tendo suas partes genitais apalpadas pelos policiais, sem qualquer resistência, pois não poderíamos reagir diante daquela violenta abordagem.”

Pensei estar numa praça de guerra, sofrendo violências desmedidas e injustificáveis, por prepostos do Estado, com armas em punho e prontos para atirar e matar. Confesso que, na minha cabeça, só passava a imagem do extermínio que está acontecendo na Ucrânia.

Como um cidadão que conhece seus direitos e seus deveres, diante da violência avassaladora, num ato de reação a tanta ameaça, recusei-me a ser vistoriado e, irritado, afirmei a eles: “podem atirar em mim, mas não sofrerei essa violência de ser tocado por vocês sem se quer, terem verificado meus documentos, para saberem quem sou eu.”

Acreditei realmente que poderia vir a ser massacrado por um policial que portava um metralhadora, com autorização do Estado para matar, em meio a transeuntes indefesos, como aconteceu, recentemente, quando se deu o assassinato de um pobre homem, por coincidência outro policial, no Farol da Barra, nesta capital, sem motivo algum aparente.

Ao final sem se quer, em momento algum, terem verificado a documentação do nosso veículo e de seus ocupantes, mantive a minha a honra e dignidade afirmando insistentemente: “eu não sou bandido!”

Dirigi-me ao comandante Uldinei, irritado e com dedo em riste, a ele dizendo: “Senhor, eu não sou bandido, sou homem de bem, médico, amigo e pessoa conhecida da Corporação, onde tive honra de estudar”. E ainda completei: “Farei uma comunicação aos seus superiores”, quando o Oficial então me respondeu sorrindo: “Pode fazer, fique à vontade eu não tenho medo deles”. 

Vasculharam o carro inteiro, e, após nada terem encontrado, liberaram o veículo e as pessoas sem qualquer pedido de desculpas ou agradecimento.

Tenho absoluta certeza de que esta não deve ser a orientação do comando da Polícia Militar da Bahia, que, infelizmente, revela despreparo nas abordagens de rotina ou mesmo extraordinárias. O Estado não concede permissão a policiais militares para cometerem crimes contra os cidadãos de bem, sem qualquer motivo ou justificativa, apenas por terem o poder de portar armas de guerra.

Senhor Comandante, sou cidadão de bem, negro, Médico há 50 anos atuando nesta cidade do Salvador, Professor universitário no Brasil e em universidades americanas de renome, como Cornell University, Medical College, Harvard School of Public Health e Universidade da Califórnia de San Diego. Sou Professor titular aposentado de doenças infecciosas e parasitárias da Universidade Federal da Bahia e não temo a morte quando enfrento pragas e epidemias que vitimam milhões de pessoas como assistimos nesses dois últimos anos com a pandemia da Covid-19; não tive medo morrer da Covid-19, assisti e cuidei de mais de 17 mil baianos, inclusive policiais, desembargadores, pessoas do alto escalão do governo, chefes de corporações militares, entendendo ser esse o meu dever. Reafirmo, não tive medo de morrer da Covid-19, pois usei armas medicamentosas e cuidados intensivos disponíveis para curar-me e aos meus pacientes. Mas ontem, infelizmente, tive medo de indefeso, tombar com tiros de metralhadora na minha cabeça.

Meu abalo e constrangimento se agravaram ainda mais, ao assistir meu filho humilhado, com as mãos sobre a cabeça, sendo apalpado por policiais, com metralhadoras apontadas contra ele, sem motivo algum e sem sequer ter seus documentos vistoriados.

Peço a Vossa Excelência que, em respeito aos meus direitos de cidadão de bem, cumpridor dos seus deveres, cumpridor das leis, e mais grave ainda a sem ter tido o policial o cuidado de procurar saber de quem se tratava , antes  de agredi-lo tratando-o como bandido deveria tomar cuidado de procurar saber se estaria agredindo a se próprio, pois o Professor Dr Roberto Badaró e tão ligado e reconhecido Pela Policia Militar que foi condecorado com duas das mais significativas medalhas da corporação: A Medalha de Mérito da Policia Militar ,  a Medalha Visconde de Itaparica Marechal Argolo , Medalha da Associação de ex-alunos do COM-Ba Coronel Fernando Antônio Neves da Rocha e a homenagem do diretor Geral do COM/Dendezeiros Coronel Nilton César Machado Espínola  de Ex- aluno destaque na sociedade Bahiana.

 Por isso peço que determine a imediata apuração dos fatos aqui relatados, aplicando as normas disciplinares cabíveis que regem essa digna e respeitada Corporação, punindo, se for o caso, ou pelo menos que se retrate com as devidas desculpas, pelo evidente excesso e desrespeito, contra mim e contra minha família.

Para concluir, por se tratar, infelizmente, de mais uma abordagem criminosa da Polícia Militar contra pessoas negras e indefesas, com violação notória aos direitos fundamentais da pessoa, invoco, pela coincidência da data do ocorrido e tendo em vista que levarei o fato ao conhecimento às entidades de defesa aos direitos humanos e da mídia falada, impressa e televisiva, o grito de Martin Luther King:       

"A antiga lei de olho por olho dente por dente, deixa todo mundo cego. A violência cria mais problemas sociais do que aqueles que resolve. A verdadeira medida de um homem, não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como se mantem em momentos de controvérsias e desafios. Não se esqueça que tudo que Hitler fez na Alemanha, era legal.”

Martin Luther King!

Confira também a resposta completa da Polícia Militar sobre o assunto:

Diante do relato da suposta agressão que o cidadão em questão menciona, o comandando da 11ª CIPM esclarece que na terça-feira (5), policiais militares, com a presença do comandante Unidade realizavam abordagens preventivas na descida do Viaduto da Gabriela, Graça, quando foi selecionado um veículo modelo Polo, branco, que trafegava naquela via.

Em seguida foi dada voz de parada, com os policiais empunhando seus armamentos em postura relativa, de fato, voltada na direção do automóvel, como preconiza a técnica, tendo sido determinado que fosse desligado o veículo, a fim de serem apresentadas as documentações. Neste momento, um dos ocupantes, que se encontrava no banco do carona, passou a proferir gritos em desfavor dos policiais para que não apontassem arma em sua direção, saindo do veículo de rompante, desrespeitando os militares em serviço, esbravejando por diversas vezes não se tratar de bandido, motivo pelo qual não deveria ser abordado, apontando dedos em riste para os policiais, inclusive para o major PM, batendo a porta do veículo de maneira agressiva, utilizando palavras de calão quando e deu ordem para o motorista não apresentar os documentos.

Os policiais então determinaram que todos se retirassem do veículo por uma questão de segurança.
É importante ressaltar que durante toda a exaltação do abordado, os militares, sobretudo o comandante da Unidade, mantiveram sua posição técnica na abordagem, sem sequer fazer uso da força, nem mesmo se exasperar verbalmente, pelo contrário, mantiveram-se calmos, a fim de não acirrar aquela crise unilateralmente instalada pelo abordado.

Findada a abordagem, após enfim se conseguir consultar os documentos dos presentes, o veículo foi liberado sem os ocupantes terem sequer sido submetidos à busca pessoal, haja vista não ter sido julgado necessário naquele momento.

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