Justiça

Caso Davi Fiúza: mãe do garoto desaparecido, testemunhas e advogado sofrem ameaças desde 2016

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Em conversa com o BNews, o advogado Paulo Kleber Filho relatou as intimidações recebidas por telefone  |   Bnews - Divulgação Adenilson Nunes/BNews

Publicado em 08/08/2018, às 15h54   Diego Vieira


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Era uma manhã de 24 de outubro de 2014. Naquela data, o adolescente Davi Fiúza, que à época tinha 16 anos, saiu de casa, como de costume para comprar pão, na localidade de Vila Verde, no bairro de São Cristóvão, em Salvador. Acompanhado de uma vizinha, uma idosa, que não imaginava que aquela seria a última vez que veria o garoto na rua onde morava. 

Davi desapareceu após ser abordado por policiais que realizavam uma operação no local. A família denunciou que ele foi encapuzado com a própria roupa, por policiais. Ele teve mãos e pés amarrados e foi colocado no porta-malas de um dos carros que não tinha identificação.

Quase quatro anos se passaram e, nesta terça-feira (7), dezessete policiais militares que participaram da ação foram indiciados em inquérito da Polícia Civil pelo desaparecimento do adolescente.

Ao BNews, o advogado da família da vítima, Paulo Kleber Filho, afirmou que entre os indiciados estão dois tenentes, dois sargentos, ambos com muito tempo de carreira na polícia, e 13 homens que à época do ocorrido eram alunos da PM. No entanto, inicialmente, 23 militares tinham sido indiciados, mas o MP pediu novas investigações à polícia, que, após revisão do inquérito, percebeu que seis policiais não tiveram envolvimento com o crime. Os suspeitos devem responder por sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. O inquérito da investigação foi concluído pela Polícia Civil e entregue ao Ministério Público do estado (MP-BA) no dia 2 de agosto.

De acordo com o advogado, após a investigação da localização do GPS dos policiais, foi constatado que seis deles não participaram da ação criminosa. "Analisamos a localização exata do GPS dos celulares de cada policial envolvido e também o GPS das viaturas. Após isso, foi verificado que seis policiais estavam do lado oeste da Vila Verde e o Davi foi abordado do lado leste. Então, não podemos imputar a eles esse tipo de crime. Não poderíamos de jeito nenhum culpar e indiciar pessoas que nada tem a ver com aquilo e que não poderiam ocupar o mesmo espaço no mesmo período de tempo, ou seja, eles não fizeram parte da abordagem", explicou.

Ainda segundo o advogado, a Justiça só liberou a investigação da localização dos envolvidos durante o período da operação policial, não sendo possível saber para onde eles foram após saírem da Vila Verde. "Como temos que seguir a ordem judicial, ficamos presos ao que foi determinado em juízo, ou seja, de tal horário a tal horário. Então a gente não pode invadir a intimidade dos policiais e averiguar para onde foram depois que saíram do local", afirmou.

Kléber Filho ainda relatou as ameaças que ele, a família e testemunhas veem recebendo desde 2016. "A vizinha que estava com Davi no momento que ele foi abordado pelos policiais está sendo coberta pelo programa de proteção à testemunhas. Além dela, a família de Davi e eu estamos sendo ameaçados a todo momento através de telefonemas, para que o caso não seja exposto na mídia", disse.

Um processo para quebra do sigilo telefônico dos ameaçados será aberto ainda nesta semana. “Precisamos identificar de onde estão partindo essas ligações. Ligam pra mim, para o meu escritório, para dona Rute [mãe de Davi], nos ameaçando o tempo todo", relatou.

Agora, a família da vítima espera que a denúncia seja encaminhada para a Justiça. A conclusão do inquérito era para acontecer em janeiro de 2017, mas após solicitação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) o MP-BA concedeu mais 90 dias para a conclusão. O novo prazo terminaria em abril e acabou tendo o prazo excedido novamente.

"O MP agora pode denunciar os 23 indiciados inicialmente ou os 17, que necessariamente não podem ser os mesmos que a polícia indiciou, ou até mesmo arquivar o processo por falta de provas", finalizou.

O que diz o Ministério Público da Bahia (MP-BA)
O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) informou que deve concluir até o final deste mês a análise do inquérito da Polícia Civil sobre a morte de Davi Fiúza. Em nota, o MP informou que recebeu o inquérito e que "a promotora de Justiça Ana Rita Nascimento já está analisando os três volumes juntados pela Polícia Civil ao procedimento, que possui agora 12 volumes".

Pedido de proteção

Na manhã desta terça (7), a mãe de Davi Fiúza, Rute Fiúza, esteve com a Anistia Internacional para pedir proteção. A Anistia acompanha o desaparecimento do adolescente desde outubro de 2014, quando lançou uma Ação Urgente de mobilização internacional pedindo a investigação imediata do caso e também denunciou o caso para o Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários.

Ao longo destes quase quatro anos, a organização também denunciou a morosidade do sistema de justiça na investigação do caso, o risco de interferência nas investigações para proteger os policiais envolvidos e as ameaças à família de Davi. 

"Apesar da lentidão nas investigações, é muito importante que o inquérito sobre o desaparecimento de Davi Fiuza tenha sido finalmente concluído e identificado os policiais responsáveis por este crime. É urgente que o Ministério Público denuncie os policiais responsáveis pelo desaparecimento de Davi e que eles sejam levados a julgamento. A Anistia Internacional permanecerá mobilizada junto à família de Davi para que o caso seja levado à justiça", afirma Renata Neder, coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional Brasil.

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