Justiça

Audiência de custódia: entre prisões e concessões de liberdade, o crime pontua

Publicado em 31/07/2017, às 14h45   Tony Silva


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Agilidade nos julgamentos e na preservação dos direitos do acusado, a audiência de custódia consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

Prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, as audiências de custódia funcionam na Bahia desde agosto de 2015 e, segundo dados divulgados no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre a implantação e abril deste ano, as audiências baianas concederam no total de casos julgados 61% de liberdades provisórias nos casos avaliados.

O dado intrigou autoridades e especialistas em segurança pública, e também juristas, a exemplo do promotor de Justiça Davi Gallo Barouh, do Ministério Público da Bahia, mas também foi defendido pelo Procurador de Justiça da Bahia e professor de Direito Processual Penal, Rômulo Moreira. Entre fazer cumprir a lei e tratados internacionais e endurecer o tratamento ao criminoso, foram muitas análises dos especialistas entrevistados pelo BNews na série de reportagens “Audiência de Custódia”.

Nesta última edição da série, a reportagem traz um balanço dos principais crimes registrados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) e o Observatório de Segurança Pública da Bahia (OSPBa) com um possível paralelo com a reincidência de presos acusados de diversos delitos além do tratamento penal dado a criminalidade.

Mais de mil mortes violentas em Salvador e o crescente ataque a transportes coletivos

Salvador e municípios da Região Metropolitana registraram entre 1º de janeiro e 10 julho deste ano, 1.126 mortes causadas por Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), em que se enquadram: homicídios, latrocínios (roubo seguido de morte) e lesão corporal dolosa seguida de morte. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). Ainda conforme dados do órgão, entre janeiro e abril de 2017, foram registradas 6.344 prisões em flagrante em todo estado, o que demonstra um trabalho contínuo das polícias.

Outros dados da SSP-BA ainda revelam o quantitativo de crimes que também atingem a população diariamente, a exemplo de roubos de veículos e assaltos em transportes coletivos. De acordo com o órgão de segurança pública do Estado, entre janeiro e 16 de julho deste ano, 3.140 veículos foram roubados em Salvador, marcando uma diminuição de 7,9% em comparação ao mesmo período de 2016, quando registrou 3.410 roubos.

Já os assaltos em transportes coletivos tiveram um aumento de 20,3% no mesmo período. Foram 282 a mais. Entre janeiro e 16 de julho de 2017 foram registrados 1.669 roubos a coletivos. No mesmo período em 2016 foram registrados 1.387. Segundo a SSP-BA, entre os assaltantes de ônibus presos, 70% são reincidentes e uma parte desse percentual foi pega no crime após serem liberados em audiências de custódia.

“A sociedade que não comete crime cria seu próprio cárcere”

Observatório de Segurança Pública da Bahia (OSPBa) avalia relação de penalidade e segurança pública. A entidade defende que a pena deve ser aplicada independentemente do quadro da segurança e também aponta uma disfunção da audiência de custódia, quando se tem como finalidade a “descarcerização” nos sistemas prisionais.

Segundo o coordenador do OSPBa e especialista em segurança pública, João Apolinário da Silva, o observatório entende que não se pode confundir a aplicação da pena diante de um crime cometido, com a Segurança Pública. “A pena é uma valoração objetiva que busca reparar o dano causado à vítima. A segurança pública é um conjunto de condições sociais, decorrente de condutas humanas, que estabelece uma precariedade do exercício da liberdade plena e da garantia da vida”, avalia.

O especialista sugere que a pena não acompanhe a necessidade da unidade de encarceramento penal e que os responsáveis pela precariedade das instituições penais sejam também responsabilizados. “Não se pode aplicar ou deixar de aplicar a pena a despeito da segurança pública. Por outro lado, é incompreensível quando não se aplica a pena a despeito de má administração do estabelecimento penal ao invés de condenar também o administrador público por sua má conduta. A lógica seria a responsabilização direta desses gestores para que garantam o direito da população que não comete crime, a exercer o pleno direito à vida e a liberdade”, afirma.

O coordenador do OSPBa taxa o tratamento dado a criminalidade de “uma ação garantista” do exercício pleno, do que ele chamou de “direito de delinquir”. João Apolinário apresentou um dado estatístico digno de resultado pós-guerra.  

“Para que tenhamos um breve sumário do ‘direito de delinquir’ é importante ressaltar que nos últimos dezesseis anos ocorreram 60.522 assassinatos na Bahia. Até julho deste ano (2017), tem-se presos 14.410 pessoas, das quais estima-se as seguintes proporções segundo os crimes cometidos: maiores categorias de crimes - roubo à mão armada (38%), tráfico de drogas (37%), estupro (11%) e homicídio (14%)”, relata.

Outro dado apresentado pelo especialista ilustra um desequilíbrio descomunal entre a criminalidade e as penalidades, que segundo ele, tem uma enorme inversão de valores dentro da própria sociedade (ele engloba na sociedade autoridades e civis, exceto os criminosos) como pano de fundo. “Tem-se apenas 2.017 cumprindo pena provisoriamente ou preso por ter cometido crime de homicídio. Nota-se que a sociedade que julga e prende não tem nenhum compromisso com a vítima. Depois do crime cometido, o importe é ressocializar o criminoso ou acusar a ‘sociedade’ de estimular a ação criminosa”, comenta.

Voltando a apontar uma possível concessão ao “direito de delinquir” dada pela Justiça ao infrator com as liberdades provisórias, Apolinário reserva uma alternativa irônica para “cidadão de bem”. “Não sobra muita alternativa para a sociedade que não comete crime, senão criar seu próprio cárcere, como casas com grades e muros fortificados, para se proteger dos criminosos rejeitados pelo sistema de justiça criminal e expostos à sociedade para que esses exerçam seu ‘direito de delinquir’”, dispara.

O BNews tentou exibir nesta série de reportagens “Audiência de Custódia” o impacto das decisões tomadas pelas autoridades sobre a segurança pública da sociedade baiana, a exemplo do Judiciário, com os resultados das audiências de custódia divulgados pelo CNJ. Fica clara e notória a necessidade da legislação penal brasileira acompanhar o ritmo dos crimes do mundo atual. Desde 2012, aguarda-se o novo Código Penal Brasileiro. A expectativa é a de que depois que finalizar a Operação Lava-jato, reste quórum suficientemente digno para votar neste projeto.

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Publicada originalmente às 7h

Classificação Indicativa: Livre

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