Justiça

Fórum de Ilhéus repreende advogadas por causa de roupa: "corpo que chama atenção"

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Fórum Epaminondas Berbert de Castro repreende advogadas por estrem com vestido acima do joelho  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal
Milena Ribeiro

por Milena Ribeiro

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Publicado em 20/10/2023, às 11h55 - Atualizado às 11h55



A advogada Jamille Ribeiro Schramm foi repreendida por causa do tamanho do seu vestido enquanto saía do Fórum Epaminondas Berbert de Castro, em Ilhéus, no Sul da Bahia, na segunda-feira (16). O caso não é o primeiro no fórum. Na última quarta-feira (11), a advogada Marta Mello também foi impedida de entrar no local por causa da vestimenta.

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Ao BNews, Jamille foi chamada atenção pela recepcionista do fórum que informou ter recebido ordens para falar sobre os trajes da advogada. A funcionária disse que a pessoa pontupu que tinha uma "advogada transitando de vestido curto" nas dependências do fórum.

"Foi a primeira vez, depois de quase nove anos de exercício da profissão, na qual já estive em muitos outros Fóruns, e NUNCA fui chamada atenção pelas vestes", disse Jamille. "A roupa que eu usei já foi usado outras vezes em diligências processuais normalmente. Acho que a última vez que fiz uso foi no Fórum de Salvador", relembrou ela.

Jamille ainda pontuou que foi ao fórum apenas em ato de diligência, ou seja, para resolver pendências de processos nas Varas. "Minha roupa estava totalmente no nível esperado para tal ato, sem falar do calor da cidade naquele dia que favoreceu a minha escolha por um vestido", comentou.

A funcionária que chamou atenção da advogada a avisou para que ela usasse um vestido abaixo dos joelhos ou "puxar o vestido para baixo" das próximas vezes que ela fosse ao fórum. Segundo Jamille, ela ainda justificou que a advogada tinha um "corpo que chama atenção".

"No momento, confesso que demorei para entender do que estava se referindo, pedi para repetir algumas vezes, pois estava tão incrédula com o fato que não estava conseguindo assimilar que algo desse tipo estava acontecendo comigo, logo eu, que sempre tive cuidado na escolha das minhas roupas profissionais, sempre de acordo com o decoro e a altura do exercício da profissão", disse.

Jamille ainda contou que ficou "nervosa e envergonhada, pois tinha um funcionário da limpeza próximo escutando tudo".

"Fiquei constrangida e ainda falei que havia subido e descido várias vezes as escadas por causa do elevador que não estava funcionando, o que naturalmente faz o vestido subir de qualquer mulher e que mesmo assim estava dentro da normalidade e que ela tinha me deixado extremamente desconfortável", lembrou.

Para Jamille, casos como esse atrapalham o trabalho e interferem no psicológico das profissionais. "Estragou o meu dia naquela manhã de segunda-feira com situação humilhante e constrangedora que fui exposta", disse ela.

"Casos como esses atrapalham muito na atuação e desempenho das mulheres como um todo, pois fere tantos direitos que por décadas lutamos para ter, inclusive o uso de saias e vestidos, reforçando mais uma vez que, a sociedade ainda é machista, misógina e patriarcal e que isso se reflete nas nossas instituições", declarou.

Ela ainda afirmou que essa situação "tira o foco do que realmente precisa ser melhorado em nosso judiciário".

"Ainda chamo atenção para dizer que em nenhum momento dentro das Varas fui chamada atenção, muito pelo contrário, fui super bem recebida pela assessora da juíza da 3ª Vara de Relação de Consumo, Dra. Juliane. Inadmissível uma mulher nos dias de hoje ter que provar o âmago sabor de situações como esta, de um terceiro ditar o tamanho do vestido que você deve usar!", disparou.

Regulamento dos fóruns

Compete aos Conselhos Seccionais (Ordem dos Advogados do Brasil - OAB) determinar os critérios para as vestimentas dos advogados no exercício da profissão.

"Inexistindo essa determinação, cabe aos advogados, no exercício de sua profissão, trajar-se com sobriedade, de modo que sua vestimenta não chame a atenção das demais pessoas. Roupas formais e clássicas são as recomendadas", descreve o Estatuto da Advocacia e OAB no inciso XI do art. 58.

Jamille pontuou ainda que a OAB-BA "faculta aos advogados homens o uso de paletó e gravata no exercício profissional no âmbito territorial do Estado da Bahia". A determinação não faz menção às mulheres, "chegando a conclusão de que os trajes, em os atos privativos dos advogados, inclusive circulação em fóruns, tribunais e suas dependências, despachos com juízes ou atendimento por serventuários, deve-se observar ao bom senso e decoro".

A advogada formalizou uma denúncia perante à Presidência da Subseção de Ilhéus-BA e da Comissão de Prerrogativas do Advogado. "Ambos Presidentes da OAB, Dr. Jacson Cupertino e Dr. Victor Gurgel me ligaram prestando solidariedade ao caso, bem como houve repercussão entre outros Advogadas e Advogadas, muitas mulheres influentes na causa, que também enviaram mensagens se solidarizando", contou ela.

Caso de Marta Melo

Diferente de Jamille, Marta nem sequer conseguiu entrar no fórum por ser impedida por um servidor público que alegou que o vestido era inadequado por estar acima do joelho. Em sua conta no Instagram, Marta demonstrou indignação com o fato.

O servidor afirmou que estava seguindo normas do tribunal e apontou para um decreto que estava colado atrás do balcão onde ele estava.

O documento que versa sobre as vestimentas adequadas para os fóruns do Tribunal de Justiça da Bahia é o nº 482, de 22 de agosto de 2019. Nele, fica exposto que as pessoas que circulam nesses ambientes devem "trajar-se adequadamente, observados o decoro, o respeito e a austeridade do Poder Judiciário".

Os trajes proibidos: bermudas, shorts, camisetas sem manga, roupas de banho e de ginástica.

"Um momento de total constrangimento e vexatório que perpassa dentro de uma estrutura racista na qual a nossa sociedade é enraizada", resumiu ela. "REAFIRMO que o racismo está relacionado com o sentir, não restando dúvidas para outrem se o mesmo ocorreu ou não. A vítima é quem sente a dor causada por este", acrescentou.

O que disse o fórum?

O BNews entrou em contato com o Fórum Epaminondas Berbert de Castro e não teve retorno até o momento da publicação. Caso haja o pronunciamento, a matéria será atualizada.

Classificação Indicativa: Livre

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