Justiça

“O estado não tem boa vontade para cuidar de quem está preso”, diz procurador do MP-BA

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Rômulo Moreira participou da live do Momento Jusnews nesta quarta-feira e tratou do sistema carcerário em tempos de pandemia  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 18/06/2020, às 11h56   Yasmin Garrido


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O procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia (MP-BA) Rômulo Moreira, que também é professor de Processo Penal, disse ao BNews, durante live gravada na noite desta quarta-feira (17), que, se o estado brasileiro não cuida direito de quem está solto, a situação das pessoas privadas de liberdade é ainda pior. Isto, segundo ele, dentro de um cenário de pandemia em razão do novo coronavírus é preocupante, uma vez que os direitos mínimos, principalmente em relação à saúde, não são garantidos.

“Se o estado brasileiro não cuida bem de quem está solto, imagine de quem está preso. Estes são os indesejáveis pelo sistema. Nosso sistema carcerário tem quase 850 mil pessoas presas e, se for observado o número de vagas disponíveis no sistema prisional, existe um déficit, que é desumano e indigno. Você não pode, já que precisa prender, até mesmo provisoriamente, manter uma cela com dez vezes o limite máximo de lotação. O estado não tem boa vontade em cuidar de quem está preso”, declarou.

Em meio à pandemia da Covid-19, Rômulo reconheceu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) demonstrou preocupação com a população carcerária, com a edição de uma resolução que especificou determinadas regras que deveriam ser adotadas pelos magistrados. No entanto, segundo ele, em decorrência de uma prática enraizada na sociedade, o que se tem observado é a falta de compromisso com os detentos.

“Eu, que trabalho com processo criminal, tenho visto essa recomendação ser ignorada pelos magistrados. O CNJ pediu que fosse dada alternativa ao encarceramento, a partir da adoção de medidas cautelares, que são aquelas que antecedem a pena. Existem uma série de outras medidas e uma delas é a prisão domiciliar, que poderia evitar os problemas do sistema carcerário, que, como se não bastasse a superlotação, não tem condições de higiene”, afirmou.

Para o procurador de Justiça, não há como se cumprir as normas da vigilância sanitária para evitar o contágio da  Covid-19 dentro dos presídios, se o próprio sistema carcerário não se preocupa em garantir condições adequadas aos detentos, como sabonetes, máscara, álcool em gel, distanciamento. “Dizer que se trata de gripezinha é uma tremenda ignorância”, criticou, em referência ao termo utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro para se referir à doença.

Uma das justificativas utilizadas por Rômulo Moreira para o comportamento dos magistrado é o caráter obsoleto do Código de Processo Penal e até mesmo do Código Penal, ambos da década de 1940. “A matriz de nossas normas criminais é da Itália, da época de Mussolini, do fascismo. Então, este código, que perdura após 1988, ano de criação da atual Constituição, forjou uma cultura punitivista, que a gente observa na polícia, com a investigação, e com o próprio Ministério Público, que tem a necessidade de oferecer a denúncia”, explicou.

Quando questionado sobre a perspectiva diante do cenário atual da Justiça, Rômulo não hesitou em dizer que não acredita que se tenham grandes mudanças, nem mesmo no pós pandemia. “Acho que não é mais uma questão de modificar as leis, mas, sim, algo que tem relação com a nossa sociedade”. Ainda de acordo com ele, a Covid-19 despertou um espírito de solidariedade nas pessoas, mas que não é algo que tenha a permanência garantida. “O mundo pós pandemia, se vai ser diferente, se vamos ter um novo normal, seja no aspecto das relações humanas ou da justiça criminal, eu não acredito”.

No entanto, o procurador fez questão de ressaltar a importância dos movimentos de combate ao racismo que eclodiram com mais força após o episódio da morte de George Floyd nos Estados Unidos. “Temos uma origem escravocrata e isso é elemento que não pode ser deixado de lado ao se observar o comportamento da sociedade. As últimas manifestações são fundamentais e, em relação ao sistema jurídico, eu não acho que ele, por si só, dá cabo à questão do racismo. Criminalizar a conduta não resolve pura e simplesmente a questão. Por isso, a movimentação contra o racismo, os protestos, devem permanecer e ganhar força”, opinou.

“O racismo é um traço de nossa cultura. Uma pessoa não vai deixar de ser racista, porque é crime. Agora, se cada vez mais os atos racistas forem expostos, gerando esses manifestos em todo o mundo, aí talvez a gente consiga enxergar mudanças. O que deve ser feito é denunciar cotidianamente qualquer ato racista, que nem sempre é aquele tratado na lei penal. O racismo permeia as relações em várias instância, sendo necessário combater e denunciar esse tipo de racismo, o estrutural, o velado”, concluiu.

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