Coronavírus

Sem público e prestígio: a pandemia de uma estátua viva baiana

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Carlos Gomes, que é estátua viva há dois anos, teve de descer do pedestal após a chegada do novo coronavírus  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Instagram

Publicado em 23/06/2020, às 08h00   Nilson Marinho



O mundo parou. A estátua viva Carlos Gomes que encenava o imperador romano Júlio César nas ruas de Salvador, também. Dessa vez, não pela inércia do ofício, mas porque decretos assinados pelas autoridades no início de março restringiram eventos, parte do comércio e a circulação de transporte interestadual. Medidas impostas como uma forma de conter o avanço do novo coronavírus na Bahia. 

Carlos não estava preparado e foi obrigado a descer do pedestal onde costumava passar cerca de oito horas, em estado de meditação, como ele costuma dizer, realizando poucos movimentos, quando muito necessário. 

Sempre no Pelourinho, às vezes, na Barra, Carlos dependia da atenção dos turistas, sobretudo estrangeiros, que apreciavam a sua mármore habilidade de forma mais generosa que os seus compatriotas. Era assim que costumava levar uns trocados para casa como artista. O restante do vintém conseguia com aulas de teatro para crianças no Subúrbio e em esporádicos eventos, como festas de aniversário.

Auxílio

A prefeitura de Salvador agiu para acolher os artistas, numa ação conjunta entre a Fundação Gregório de Matos (FGM) e a Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (SEMPRE.). Foram destinados 2,3 mil cestas básicas para os trabalhadores da área. Não há um número exato de artistas que, hoje, em Salvador, fazem das ruas palco.

“Por volta de 200 artistas [ de rua] nos procuraram. Entenda: é muito informal [ o número de artistas de rua]. Então, para você chegar em um número é muito díficil. Tem aqueles artistas que têm um trabalho constante na rua e aqueles que são pontuais, que, de vezes em quando, fazem algum tipo de ação”, comentou Fernando Guerreiro, presidente da FGM.

Falando de Brasil, estima-se que há 5 milhões de trabalhadores culturais. Para socorrer a essa parcela da população que sofre com a falta de público e espetáculos, a Lei Aldir Blanc, que destina R$ 3 bilhões ao auxílio emergencial aos trabalhadores da área cultural, aguarda a canetada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até a data limite, o dia 1º de julho. A ajuda será de R$600 por três meses.

Não temos como saber o que será do setor cultural pós-pandemia. Na verdade, não temos certeza de coisa alguma. Na avaliação de Fernando Guerreiro, o setor, muito antes do vírus cruzar continentes, já passava por transformações. "O setor já estava com dificuldades. Tivemos um problema sério de descontinuidade de todas as políticas federais que pararam. Desde 2019, que zerou. Sem edital, sem aprovação, tudo zero. Isso teve um impacto grande na cidade, não tenha dúvida. E com a pandemia, na verdade, a gente perde, de cara, essa possibilidade de contato direto com o público (...) A grande maioria [dos artistas] está passando por momentos terríveis", avaliou o gestor cultural.

Sem plateia

No final de abril para o início de março, Carlos aguardava a chegada de 10 cruzeiros que atracariam em Salvador abarrotados de turistas dando fim a temporada. O movimento dos navios lhe garantiria o engorda bolso, mas ele precisou ir a Feira de Santana, no Centro-norte, realizar alguns eventos. O vírus, no entanto, já estava em solo baiano e não demorou muito para tudo ser fechado. Foi lá, em Feira, o primeiro diagnóstico da doença na Bahia. Uma mulher de 34 anos que acabara de chegar de uma viagem à Itália, país que, à época, era o epicentro da doença no mundo. 

“Depois de 15 dias em Feira de Santana, foi decretado o fechamento da rodoviária, foi decretada a pandemia na Bahia. Fiquei dois meses totalmente parado em Feira, apenas trabalhando pela internet. Só no dia 29 de maio consegui um carro e, agora, estou em Vitória da Conquista, onde tenho alguns contratos”, contou.

Além de ser artista de rua, profissão que lhe garante 60% da renda, Carlos também é publicitário e tem se virado ajudando na pré-candidatura de alguns políticos em Vitória da Conquista. É a atual forma de colocar o pirão na mesa. Inclusive, ele já foi assessor de um "grande político brasileiro" e o ajudou na corrida à presidência. O nome do cliente prefere não revelar. Foi a política que o levou à arte “por decepção”.

“Como estátua viva eu fico mais realizado porque é ótimo levar performance, alegria, entretenimento, ver um sorriso em uma criança. A coisa mais pura é ver o sorriso de uma criança (...) "O contato que estou tendo com o público é pelas minhas redes sociais, pelo Instagram e Facebook. Por lá, me pedem fotos, vídeos, perguntam como eu estou. A rua faz muita falta", lamenta.

Futuro

Quando a normalidade voltar, Carlos dará vida a mais dois personagens, o anjo Arcanjo e o Charlie Chaplin.Também já está marcada na agenda do artista uma longa viagem por oito estados do Brasil. A peregrinação faz parte de um projeto que ele foi convidado a integrar. Até lá, precisa de R$ 5 mil. Para chegar na meta, foi criada uma “vaquinha virtual”. Até o momento, três pessoas o ajudaram com R$75. Ajude-o doando aqui. 

Classificação Indicativa: Livre

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