Educação

A Reforma do Ensino Médio e a Privatização da Educação

Imagem A Reforma do Ensino Médio e a Privatização da Educação
Bnews - Divulgação

Publicado em 13/12/2018, às 21h22   Penildon Silva Filho*


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A Reforma do Ensino Médio implantada pelo governo Temer e defendida pelo futuro governo Bolsonaro abre caminho para uma volta à dualidade dos sistemas educacionais no Brasil, separando a escola dos ricos e da classe dominante da outra escola destinada aos trabalhadores, mais rebaixada, “apenas profissionalizante”, que não prepara para os postos de direção e os espaços de poder na Sociedade. Essa reforma também abre espaço para uma apropriação mercantil de amplos setores da Educação Pública, seja pela terceirização de escolas por organizações sociais ou pela adoção de sistemas de ensino formatados por grandes empreendimentos privados de Educação, geralmente de propriedade e controle estrangeiros. Isso está permitido pelo texto legal aprovado em final de 2016 no Congresso dominando pela maioria do governo Temer. Uma Reforma do Ensino Médio que vai no sentido contrário à Constituição Federal, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e ao Plano Nacional de Educação de 2014-2024 (PNE). Trata-se da expressão no campo da Educação do processo de avanço ultraliberal de desmonte das políticas públicas e apropriação de recursos públicos por empreendimentos privados, com a tentativa de destruição do início de Estado de Bem Estar Social construído nos últimos 30 anos a partir da promulgação da Constituição Brasileira.

Em primeiro lugar, a medida provisória (MP) 476 do governo Temer que instituiu a Reforma do Ensino Médio foi um instrumento inadequado para tratar de assuntos pedagógicos, pois excluiu a comunidade acadêmica e educacional do debate e remeteu ao Congresso essa decisão. Em um debate com o relator da MP 476 no Senado em dezembro de 2016, surpreendeu o seu desconhecimento das decisões do Conselho Nacional de Educação dos últimos anos, que teve toda uma construção democrática sobre as diretrizes curriculares dos vários níveis e modalidades da Educação Básica no Brasil, e do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, como pode ficar comprovado nos registros das reuniões de comissões do Senado Federal sobre o tema. 

A justificativa apresentada para reformar o Ensino Médio foi o fato de haver muita evasão e retenção no Ensino Médio, mas não foram apresentadas alternativas para diminuir essa evasão, nem foram consideradas as experiências exitosas dos Institutos Federais de Educação que trabalham com o Ensino Médio, instituições públicas que têm notas de seus alunos no ENEM bem superiores à média nacional, superiores às escolas privadas e comparáveis ao desempenho dos países desenvolvidos. 

A MP 746 ensejou um retorno à reforma de Gustavo Capanema, no Estado Novo, que estabelecia um dualismo na formação dos indivíduos, direcionando os filhos da classe trabalhadora para o trabalho menos qualificado, uma formação voltada para o mundo do trabalho, enquanto que os filhos das elites ficam com o ensino propedêudico, voltado à preparação para acessar a Educação Superior. Trata-se de uma concepção de Ensino Médio que afronta a Universidade, o Sistema de Ensino, a formação de professores, cria um vácuo de formação e prejuízos para áreas de conhecimento como Filosofia, Sociologia, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Artes e o Espanhol, todas essas áreas secundarizadas ou abolidas do currículo. 

Há um dualismo no embate da Educação ao longo da História do Brasil, entre os que defendem a Educação Pública e os privatistas; assim como entre os que defendem um sistema educacional único, universal, público, gratuito, laico e de qualidade para todos e o outro lado que preconiza um ensino rebaixado e mais pobre para os filhos da classe trabalhadora, que devem se profissionalizar e começar a trabalhar mais cedo. Lembrem-se da afirmação do presidente recentemente eleito que afirmou que “brasileiro tem uma tara por fazer universidade”, num sentido pejorativo. Esse embate aparece na Reforma Francisco Campos (1931), na Reforma Capanema (1942), na LDB 4024/1961, na Lei 5692/71 e na LDB 9394/96, esta última com elementos de Educação Pública e Gratuita mais fortes do que as anteriores, caracterizadas por um forte traço elitista e privatista. Esse traço privatista e rebaixador da qualidade da Educação para os filhos da classe trabalhadora, que devem apenas se preocupar com a formação para o mercado de trabalho rapidamente, volta com força com essa reforma imposta sem debate.

A Reforma do Ensino Médio de Temer/Bolsonaro, ao contrário do que promete, na prática não vai permitir que os alunos tenham a autonomia para escolher o seu itinerário formativo. Sem um conhecimento mínimo sobre as ciências Humanas, ciências da Natureza, Linguagens e seus códigos e Matemática e seus códigos, o aluno não terá como escolher e exercer essa autonomia. Dentro de um contexto de retração de investimentos públicos e falta de professores provocado pela emenda constitucional 95 de congelamento de gastos, apenas um ou dois itinerários serão ofertados na prática, além de ser condenável a concepção da Reforma do Ensino Médio de que se deve escolher apenas um itinerário e se abdicar dos demais. 

A flexibilização curricular abordada em 2012 pelo MEC para o Ensino Médio, num momento anterior de diálogo com a comunidade, não dizia respeito à supressão de quatro itinerários formativos em favor de apenas um, além das disciplinas obrigatórias de Português, Matemática e Inglês. Essas disciplinas são as obrigatórias da Reforma atual, e os alunos só precisam ter conhecimentos sobre as mesmas para depois “escolher” um itinerário, que fatalmente será o profissionalizante, seja porque apenas esse será ofertado, seja porque haverá uma pressão social por uma profissionalização rápida com uma promessa de inserção rápida no mercado de trabalho. A proposta debatida em 2012 dizia respeito ao APROFUNDAMENTO em determinados ramos do conhecimento, sem abrir mão de uma formação geral mínima em diferentes campos de saber. Sem essa formação geral haverá a exclusão dos filhos da classe trabalhadora no acesso aos estudos superiores, pois a seleção para as Universidades demanda não somente a escolha de apenas um itinerário formativo, mas uma formação geral, que não precisa e não deve ser enciclopédica, mas deve ser interdisciplinar e proporcionar ao jovem o direito de ter acesso mínimo ao conhecimento humano mais geral. 

Propomos a abertura de um debate amplo na rede da Educação Básica para construir um currículo das nossas escolas a partir das diretrizes curriculares aprovadas no CNE para o Ensino Fundamental, para o Ensino Médio, para a EJA, para a Inclusão, numa ampla mobilização e formação continuada sobre currículo, em que os professores da rede terão a oportunidade de debater esse conhecimento e de repensar o seu cotidiano e a sua prática. Podemos começar pela discussão por grandes áreas do conhecimento, de forma interdisciplinar, agregando disciplinas que deixarão de ser tratadas de forma isolada, com o trabalho de temas contemporâneos, ensino experimental de ciências, vivências culturais. Mas tudo isso se faz com a participação e o protagonismo dos educadores, com a participação das universidades, com a juventude, e nunca de forma imposta. Esperamos que na Bahia, que é um Estado de resistência às políticas neoliberais do atual período, haja essa clareza.

Ganha centralidade a revogação das medidas do “ajuste fiscal”, que é na verdade um desajuste social e econômico e envolve a Reforma do Ensino Médio do governo golpista, assim como devemos fazer a defesa e implementação do PNE. O PNE é nossa conquista e a sua implementação colocará o Brasil em um novo patamar, além de ser incompatível com a agenda que retira direitos do povo e garante lucros para os rentistas. Esse posicionamento a favor do PNE e contrário à Reforma do Ensino Médio de Temer/Bolsonaro é o mesmo de uma série de entidades, como a ANPED (Associação Nacional de Pesquisadores da Educação), a ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a ABC (Associação Brasileira de Ciência), a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação), o Fórum Nacional Popular de Educação, dentre outras.

*Penildon Silva Filho é professor da Ufba e doutor em Educação. Escreve para o BNews às quintas-feiras

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