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Vítima da própria omissão, Claudia Leitte recebeu voluntariamente a empatia que não teve quando foi cobrada

Imagem Vítima da própria omissão, Claudia Leitte recebeu voluntariamente a empatia que não teve quando foi cobrada
Bnews - Divulgação

Publicado em 14/11/2018, às 15h35   Rafael Albuquerque*


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Foi lamentável o episódio envolvendo Silvio Santos e Claudia Leitte ocorrido no último sábado (9), durante exibição do Teletom no SBT. Era um programa especial, beneficente, em prol de uma das instituições mais respeitadas do país, a AACD. Artistas de outras emissoras se dispuseram a participar da atração e cantores renomados de vários estados brasileiros foram cantar e pedir aos fãs e ao público de casa para votar.
Crianças estavam no palco, outras tantas estavam assistindo em casa o que era pra ser um programa para a família. Não era. Era um programa do Silvio Santos, mais um, onde ele usaria a licença etária (hã?) de seus 81 anos e o privilégio de ser homem, branco, hétero e rico para desfilar mais uma vez seu machismo e sua misoginia ao vivo, para quem quiser ver – e rir. Sim, muitos riram quando o "Homem do Baú" disse que não abraçaria a cantora, que usava um vestido rosa. "Esse negócio de ficar dando abraço me excita e eu não gosto de ficar excitado", afirmou o apresentador. "No sentido feliz da palavra, né? De alegria, euforia, excitação.", esquivou-se Claudia. "Não, não é euforia, não. É excitação mesmo", insistiu Silvio, sob olhares constrangidos de sua esposa Íris Abravanel, de parte da plateia – parte, pois muitos acharam a brincadeira saudável ou coisa da idade – e, sobretudo, da cantora.
Claudinha nunca foi muito habilidosa no uso das palavras. Por vezes, falou demais, falou o que não devia ou que não queria, ou o que os outros não queriam. Faz parte. Mas sábado não. Sábado a cantora nascida em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e radicada na Bahia, foi certeira. Apesar de estar visivelmente desconsertada com as investidas maldosas de Silvio, a artista retrucou de forma tranquila: "agora eu acho que meu marido tem uma razão pra ficar chateado". Não satisfeito, Silvio respondeu: "claro, porque as pessoas às vezes não usam sinceridade". Claudinha mais uma vez se esquivou como se estivesse sendo acuada, como vítima que estava sendo de um abuso, onde muitos riam e achavam o circo de horrores normal e tentou tergiversar: "Balancinho é minha música nova, mas eu já estou quase pensando em 'vazar'".
Agressões e constrangimentos à parte, a ação de Silvio Santos não surgiu como se a terra tivesse se aberto naquele momento e vomitado para fora todo o machismo do mundo. Aquilo é fruto de um processo histórico, de construções sociais forjadas à base de uma sociedade extremamente machista, patriarcal, paternalista. Fruto de uma sociedade com traços culturais arcaicos onde para muitos o fato de ter um objeto fálico externo entre as pernas os torna superiores. Mas também é consequência de uma sociedade muitas vezes conivente e omissa com relação a temas tão latentes em todo o mundo como machismo, racismo e homofobia. Direitos Humanos, na verdade.
Desta forma, podemos dizer que Claudia Leitte foi vítima de sua própria omissão. Não sejamos ingênuos em achar que um suposto posicionamento contundente da loira às vésperas da eleição contra um candidato que já se mostrou resistente às principais pautas relacionadas aos Direitos Humanos faria com que o dono do SBT tivesse o mínimo de bom senso para lidar com uma convidada em sua emissora. Não, não iria. Um posicionamento de Claudinha – assim como o de Ivete (não esquecemos de você, mainha) também não mudaria o rumo das eleições. Mas seria um marco na carreira dela, seria uma forma dela se solidarizar com a parte de seu público que se sente ameaçada.
Nada tem a ver com política, com partido. Isso tem a ver com empatia. Talvez comercialmente não fosse interessante para Claudinha se expor, ir para as redes sociais e bradar contra um candidato, um partido ou quem quer que esteja propagando ideias reacionárias, machistas, misóginas, racistas e, sobretudo, homofóbicas. Seu público, Claudia, é formado por uma multidão, por milhões de fãs que te amam, te aplaudem, que dão sangue por você. E não foi uma massa bestializada como um famoso colunista os descreveu quando da gravação de seu DVD em Copacabana, oportunidade em que você levou dois milhões de pessoas ao delírio.
Então, Claudia, você agir de forma silente no episódio do #elenão nos faz refletir muito sobre você. Não enquanto artista, fator pelo qual já tive algumas ressalvas, que já foram superadas. Mas nos faz refletir sobre você enquanto parte integrante de uma sociedade extremamente fragmentada, onde convicções vem à baila ao gosto da necessidade de quem as defende. Pra você defender alguns de seus milhões de fãs, não era necessário se indispor com nenhum candidato. Não era necessário revelar seu voto. Aliás, isso para mim era o que menos importava.
Mas bastava se posicionar contra o que é de ruim para seu público LGBT, em especial, e que era defendido por algum candidato. Poderia, sim, ter feito como Daniela Mercury. Em bom baianês, a Rainha do Axé estava pouco se lixando para o que diriam dela. Se despiu de todos os pudores empresariais e comerciais que cercam qualquer artista de tal projeção e foi para o embate. Se defendeu, defendeu seus fãs, defendeu quem nem queria ou achava que merecia ser defendido. Fez seu papel mais uma vez. Isso não é de agora, é de muito tempo. E qual o resultado disso? Trabalhar com futurologia é complicado, mas acho pouco provável que você, leitor, consiga imaginar Daniela passando por esse tipo de situação. E se conseguir imaginar, certamente será seguido de uma reação à la Mercury. Consigo ver mentalmente a artista dizendo "me respeite" ou algo do tipo "não sou moleca". Enfim, mas Daniela é Daniela.
Voltando a Claudinha, nada justifica o que o empresário e apresentador fez. Mas é bom chamar atenção que o recente silêncio da loira, de Ivete e de tantos outros foi muito mais que uma omissão. Foi um não-dizer, foi ter a faca e o queijo nas mãos para passar aos fãs, sejam os "bolhas" de uma ou os "zamuris" da outra, a seguinte mensagem: "estamos com vocês". Mas não, não o fizeram. Vida que segue. Depois do triste episódio, certamente Claudinha vai repensar seus posicionamentos na condição de cidadã, que vai além de sua posição como cantora, musa do axé ou seja lá o que for. Já Ivete segue calada, fazendo a egípcia, como diriam os fãs LGBTI que não se sentiram representados. Ivete, aliás, é habilidosa em se apropriar da linguagem desse segmento de público e reproduzir cada nova gíria aprendida nas redes sociais. Se Veveta acha que isso é representar, apoiar ou defender essa galera. Beleza, vai vendo. Esperamos que a juazeirense não precise passar pelo que a colega de profissão passou para saber a importância de ser representada e defendida, como fizeram dezenas de artistas em favor de Claudinha com o retorno da campanha "Mexeu com uma, mexeu com todas".
Saíram em defesa da cantora e contra as atitudes de Silvio Santos nomes bastante conhecidos como Isis Valverde, Camila Pitanga, Deborah Secco, Bruna Marquezine, Julia Dalavia, Mariana Ximenes, Leandra Leal, Bruna Linzmeyer, Alinne Moraes, Julia Faria, Debora Nascimento, Sophie Charlotte, Carla Salle, Juliana Alves, Nanda Costa, Fernanda Paes Leme, Tais Araujo, Gloria Pires, Monica Martelli, Cris Viana, Maria Casadevall, Debora Falabella e Alessandra Negrini.
Além das atrizes, a cantora Teresa Cristina também se manifestou, assim como Gleici Damasceno, a campeã do BBB, Mônica Tereza Benício, companheira da vereadora assassinada no Rio de Janeiro, Marielle Franco, e Paula Lavigne, esposa de Caetano Veloso. Então, as musas baianas descerem do pedestal e acenarem solidariamente a uma parcela significativa de seu público, tanto em número quanto em representatividade, não custa nada. Aliás, pode lhes custar algum contrato, mas pode e certamente vai evitar agressões como a sofrida por Claudia Leitte diante de Silvio Santos. Mas ainda assim, meninas, sabemos que a vítima nunca tem culpa. Então, toda nossa solidariedade à cantora, filha, mãe, irmã, esposa e mulher Claudia Leitte. Para nossa artista, um enorme #elasim.
* Rafael Albuquerque é repórter e coordenador da WebTV do site Bocão News, apresentador do Se Liga Bocão da rádio Itapoan FM e estudante de Direito (@rafaelalbuquerque23).

Classificação Indicativa: Livre

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