Cultura

O lado oculto de Segundo Sol

Imagem O lado oculto de Segundo Sol
Bnews - Divulgação

Publicado em 10/11/2018, às 14h21   Yasmim Barreto*


FacebookTwitterWhatsApp


A novela de João Emanuel Carneiro ‘’Segundo Sol’’ acabou sexta-feira (9) e eu realmente não poderia deixar de pontuar sobre a trama, que despertou minha curiosidade e inquietação não só por ser uma apreciadora do gênero, mas principalmente por ter sido uma obra em Salvador. O que mais ansiei durante a espera pela estreia foi ‘’como vai ser retratado o sotaque?’’ e não é que a maioria dos atores conseguiram dar vida e representar direitinho, ‘’velho’’? Ouvia o sotaque da atriz Letícia Colin no papel de Rosa, Chay Suede como Ícaro, Armando Babaioff como Ionan e tantos outros e realmente me sentia em casa. 
Mas, para minha surpresa, o desenrolar da trama me causou um descontentamento. Apesar de um sotaque muito bem trabalhado, as histórias de cada núcleo tiveram erros que, se não estivéssemos falando da Globo, poderíamos esperar outra coisa. O caso é que de uns tempos para cá a emissora tenta passar a imagem de que aborda e descontrói tabus, mas falha no quesito em vários aspectos. 

O primeiro ponto que vou destacar é: mostrar uma mulher se assumindo lésbica, criada por uma família tradicional, onde a mãe vive um relacionamento abusivo, e não permitir que a mesma se envolva com seu par na trama como os outros casais héteros é no mínimo achar que nós, telespectadores, não estamos atentos, ou será que a Globo não é tão ‘’desconstruidx’’ assim e pensa bastante na sua grande parcela de telespectadores da família tradicional brasileira que ainda não está preparada para ver pessoas do mesmo sexo se relacionando? O que causa no uma incoerência, porque aparentemente não há problema algum em legalizar na novela os palavrões, incesto, assassinato, roubar crianças, hipersexualizar o corpo negro, prostituição, abuso de menor e uso de drogas ilícitas. Mas calma aí, não precisa se assustar, se você assistiu algumas cenas de Segundo Sol, com certeza viu tudo isso que acabei de citar.  

E olha só, os problemas de Maura, interpretada por Nanda Costa, não pararam por aí. Além de não poder demonstrar afeto igualmente aos outros casais, a moça ainda traiu Selma, interpretada por Carol Fazu, com um outro homem, Ionan. A moça fica confusa e termina com os dois, só alimentando e destacando que relações entre mulheres não são sólidas o suficiente para não ‘’precisar’’ de homem, contribuindo de forma clara no apagamento de mulheres lésbicas e dizendo: ‘’olha só, a cura gay existe’’. Aí no finalzinho a emissora ‘’desconstruidx’’ ataca novamente mostrando Maura tendo um relacionamento à três, mas pera lá! Nada dos três se envolverem de fato, só Maura com Ionan e Maura com Selma (sucintamente), para que no final, o homem decida mais uma vez o futuro desse relacionamento: Ionan termina com Maura e se despede de Selma. 

Agora deixando um pouco esse núcleo, vamos falar da vilã queridinha Laureta, que ganhou vida através da talentosíssima Adriana Esteves. A cafetina mostrou-se cruel, matou, roubou criança, fez e aconteceu, mas por trás das maldades ‘’Laurex’’ também foi vítima, ela foi abusada sexualmente por Severo Athayde, interpretado por Odilon Wagner, que também é pai de Karola, interpretada por Deborah Secco, que por sua vez tem um relacionamento amoroso com seu próprio tio: Remy, pelo ator Vladimir Brichta. Até parece até que não estou falando de Segundo Sol, né? Que apesar de tantas cenas pesadas, sempre transparecia o ar leve de Salvador, com cores quentes e musicalidade, mas é isso mesmo.  Além dessa galera toda já citada aí em cima, não podemos esquecer do galã Severo que além de estuprar Laureta quando ainda era menor de idade, engravidou a mesma, traiu a esposa com a empregada, Zefa, feita pela querida Claudia Di Moura, que engravidou do empresário corrupto e teve dois filhos: o branco, criado e registrado como filho, e o negro registrado apenas por Zefa, negado e perseguido pelo pai durante toda a novela. Tudo isso não foi o bastante para Severo ganhar uma dura punição nos rumos da novela, no final, ele ainda reconquistou o amor da família e saiu como herói.  

É isto, Segundo Sol tinha tudo para ser uma novela bem amarrada, com histórias condizentes e ‘’diferentona’’, mas infelizmente falhou já na escolha de um núcleo de personagens principais predominantemente branco representando Salvador, a cidade mais negra fora do continente africano.

*Yasmim Barreto é estagiária do site Bocão News e estudante de jornalismo da Unijorge

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp

Tags