Economia & Mercado

Plano de Governo de Jair Bolsonaro e suas implicações para a indústria

Imagem Plano de Governo de Jair Bolsonaro e suas implicações para a indústria
Bnews - Divulgação

Publicado em 06/11/2018, às 21h18   Bruna Bispo e Yuri Dantas


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A fragilidade estrutural da indústria brasileira e a sua baixa desenvoltura tecnológica se reflete na sua estrutura produtiva que, ao especializar-se em produtos de baixo valor agregado, apresentam um desempenho insatisfatório na inserção internacional de produtos manufaturados nacionais. Portanto, políticas públicas setoriais para a indústria são de suma importância para mudanças estruturais e upgrading da estrutura industrial do país, as quais são significativas para contribuírem para um desenvolvimento social e um aumento conjunto do bem-estar da sociedade. Pensando nesse quadro, a seguir, será feita uma análise acerca das propostas de governo  do futuro presidente Jair Bolsonaro para a indústria. Para tal, exploraremos o posicionamento do mesmo nos seguintes pontos: privatizações e concessões; abertura comercial; e pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I).  

O debate acerca da necessidade das privatizações de estatais brasileiras não é recente. A conjuntura debilitada vivenciada pelo Brasil nas décadas de 1970, 1980 e 1990 puseram as privatizações e concessões em pauta. Desde o choque de petróleo em 1973, as políticas macroeconômicas guinaram do crescimento para a estabilização econômica e, para tal, as empresas estatais começaram a ser vistas como meio de conter a expansão da dívida pública e ajudar a cobrir o déficit em conta externa. Além disso, as privatizações eram vistas como uma forma de atrair o investimento estrangeiro ao deixar a economia mais aberta para a entrada de capital. Todavia, no caso da experiência brasileira, um dos problemas com as privatizações surgiu com a limitação da liberdade do governo para adotar políticas econômicas intervencionistas e de desenvolvimento setorial, pois a crença que as privatizações por si só seriam suficientes para resolver os problemas do país, levou o governo brasileiro a adotar uma estratégia de política econômica de apenas focar em estabilizar a economia do ponto de vista da inflação, direcionando seus esforços na aplicação de medidas voltadas para atender aos interesses do mercado em detrimento de necessidades de políticas industriais que propiciassem ao país se inserir nos novos padrões de concorrência internacional. 

Nesse quesito, a proposta de Bolsonaro com a nova onda de privatizações liderada por Paulo Guedes é exatamente a mesma lógica que falhou em períodos anteriores: utilizar a venda de estatais como instrumento de equilíbrio das contas públicas por meio do pagamento de dívidas (aliás, quem gostou dessa colocação foi o governo Chinês que disse esperar ansiosamente pelas privatizações durante coletiva de imprensa). Apesar de ser importante e estratégico o Estado manter as grandes estatais e setores estratégicos em suas mãos, o futuro Presidente aponta para a retomada um processo descontrolado de privatizações no país. 

Essa estratégia de privatizações vai na contramão do que alguns países no mundo têm adotado. Por exemplo, O Reino Unido foi considerado a Meca das privatizações nos anos 1980, mas em 2018, os britânicos querem de volta o controle estatal de serviços essenciais. Segundo levantamento feito no Reino Unido, 83% são a favor da nacionalização dos serviços de abastecimento e tratamento de água; 77% de eletricidade e gás e 76% a favor da nacionalização das linhas de transporte ferroviário. O "Estado mínimo" se mostrou uma bomba-relógio social.

No quesito inserção externa, o presidente destaca a importância do comércio internacional para a economia e reconhece que o Brasil apresenta pouca desenvoltura tecnológica em sua pauta exportadora. Contudo, para melhorar esse quadro, propõe a abertura comercial por meio da redução de alíquotas de importação – sem determinar quais ou a porcentagem - e das barreiras não-tarifárias. De acordo com a proposta do futuro governo, “a dinamização do comércio internacional funciona como um choque tecnológico positivo no país, aumentando sua produtividade e incrementando seu crescimento econômico de longo prazo”. E continua: “a evidência empírica é robusta: países mais abertos são também mais ricos”.

Primeiramente, deve-se levar em consideração o atual padrão tecnológico brasileiro. Como indústria nascente e em estado de aprendizado, os choques do mercado internacional são mais fortemente sentidos por elas, sendo esse o período que os incentivos e proteções são mais importantes. Sendo assim, a inserção internacional descontrolada dificulta a competitividade desses países. Portanto, não se deve simplesmente contar com a possibilidade de choques tecnológicos positivos, nem usar países desenvolvidos que apresentam abertura comércio como exemplo. É preciso levar em consideração a trajetória histórica dessas nações – que muitas vezes partiram de uma política protecionista (e utilizam-nas até hoje) e o seu papel na cadeia global de valores. 

No assunto pesquisa, desenvolvimento e inovação, a equipe econômica do futuro presidente propõe estratégias descentralizadas de incentivo à pesquisa e cita como exemplo os Estados Unidos, Israel, Taiwan, Coreia do Sul e o Japão. A base de sua afirmação é a criação de “’hubs’ tecnológicos onde jovens pesquisadores e cientistas das universidades locais são estimulados a buscar parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos”. Deste modo, criar-se-ia um “ambiente favorável ao empreendedorismo”, destacando a importância das universidades em ensiná-lo e estimulá-lo. 

Fazendo um paralelo com a Coreia do Sul citado pelo presidente, sua trajetória histórica é totalmente oposta às estratégias descentralizadas defendidas pelo mesmo. A estratégia sul coreana teve como foco superar o hiato tecnológico apresentado pelo país, de forma a penetrar seus produtos manufaturados de alto conteúdo tecnológico de maneira competitiva. Entendendo o atual estado brasileiro a partir de um ponto de vista histórico, um dos principais fatores para o crescimento do hiato tecnológico vivenciado pelo Brasil foi o descaso com programas de pesquisa e desenvolvimento e os investimentos públicos insuficientes para acompanhar as mudanças de padrões tecnológicos, o que reforçaria o atual papel subordinado do país no comércio internacional. Portanto, quando se fala em inovação, ciência e tecnologia, o foco de atuação não deveria ser o fomento ao empreendedorismo, mas sim a necessidade da consolidação da indústria nacional e a eventual mudança da pauta exportadora, tendo como foco o investimento na construção de um Sistema Nacional de Inovação, com elevado investimento em Ciência e Tecnologia (C&T) e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). 

Em linhas gerais, o plano de governo do presidente Jair Bolsonaro tenta soar moderno e inovador, mas acaba transmitindo um sentimento de anseios e vontades sustentados por comparações esdruxulas e baseados em relações causais sem nenhum tipo de comprovação científica, além de não constar estratégias ou passos a serem seguidos para concretizá-los. Ademais, não há nenhum esforço em compreender a dinâmica de funcionamento do país, nem os desafios estruturais enfrentados, nem a sua trajetória história, nem a sua posição no sistema mundo, nem as suas relações internacionais. É tudo exposto de maneira muito grosseira, condizente com o comportamento do presidente. Como ponto positivo, destaco o nome do plano de governo. Projeto Fênix foi bem criativo.

* Bruna Bispo -  é pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e graduanda em Economia pela Ufba.

* Yuri Dantas -   é pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e graduando em Economia pela Ufba. 

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