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O Banco Central do Brasil e sua passividade face à atual conjuntura econômica

Imagem O Banco Central do Brasil e sua passividade face à atual conjuntura econômica
Bnews - Divulgação

Publicado em 30/10/2018, às 22h35   Laíse Costa e Thiago Bartolomeu


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A atual conjuntura econômica que, desde 2015, é marcada por um cenário contracionista, tem sido acompanhada por uma postura passiva do Banco Central face aos mercados monetários internacionais, que determinam o câmbio do real, e aos mercados monetários nacionais que determinam as condições do crescimento do crédito essenciais para a eventual retomada do investimento.

O real depreciou, no acumulado de 2018, cerca de 20% frente ao dólar, chegando a atingir no período entre maio a agosto cerca de R$ 4,13 um dólar. A instabilidade financeira internacional, visível em países como a Turquia ou a Argentina, aliada à instabilidade política internacional com as relações protecionistas desarmônicas entre Estados Unidos e o resto do mundo contribuem para a alta volatilidade da moeda brasileira. Observa-se que é o mercado financeiro internacional que dita a taxa de câmbio como lhe convém.

Além desses problemas mais conjunturais, a alta volatilidade da moeda brasileira se dá também por dois motivos estruturais: a histórica taxa de juros alta que torna a moeda mais visível ao mercado especulativo; e um ambiente favorável (devido à passividade do Banco Central) no comportamento de mercados de capitais de curto prazo. Assim, o risco de fuga de capitais é constante visto que o Brasil não conta com uma política consistente de controle de capitais, apresentando um mercado desregulamentado devido a cumplicidade da autoridade monetária.

Se é certo que a atual desvalorização, num contexto de baixa inflação, beneficia a economia brasileira, o Banco Central do Brasil tem uma política onde se tenta combater a depreciação cambial com os contratos de SWAPs cambiais. Apesar de frear um pouco a valorização do dólar, esses contratos têm efeitos limitados. Estas operações permitem oferecer proteção contra a depreciação do real, podendo, no entanto, beneficiar aqueles que especulam com a nossa moeda, arriscando o Banco Central a perdas futuras no seu balanço.

Ainda no âmbito da atuação do Banco Central, as decisões de política monetária, especificamente sobre o comportamento da taxa de juros básica da economia (Selic), parecem agora ter dado maior ênfase aos riscos de mudanças no cenário externo de taxa de juros do que ao esfriamento da recuperação da economia brasileira. Contando com um cenário externo de aumento das taxas de juros em algumas das principais economias avançadas, como os EUA, o BC sustenta suas decisões de manutenção da taxa Selic em seu nível atual de 6,5% a.a. há um bom tempo, não sendo esperados futuros cortes no futuro próximo. Por outro lado, o quadro de baixo dinamismo da atividade econômica associado a um elevado nível de capacidade ociosa contribui para que não haja uma preocupação de curto prazo do BC em relação ao impacto da depreciação cambial sobre seu principal objetivo, a inflação.

A taxa Selic em conjunto com o comportamento da inflação nos últimos meses oferece indicativos de como a taxa real de juros da economia tem evoluído. Esta continua em ritmo de queda embora menos acentuado, chegando a apresentar pequena alta no mês de agosto (2,22%) em relação ao mês de julho (1,93%). A redução geral, por sua vez, é resultado de aumentos persistentes na inflação verificados nos últimos meses.

Ao analisar o comportamento das taxas de juros cobradas no mercado de crédito é possível destacar então a influência do ciclo de flexibilização (redução da Selic) da política monetária na redução das mesmas. Entretanto, a menor pressão exercida pela taxa básica de juros não foi acompanhada necessariamente de uma redução proporcional nas demais taxas de juros do mercado, o que, mais uma vez, denota a passividade do Banco Central em relação aos deficientes mecanismos de transmissão das suas políticas. No período compreendido entre dezembro de 2016 e junho de 2018, a taxa média de juros das operações de crédito apresentou queda aproximada de 7,6 p.p. saindo de 32% a.a. para 24,5% a.a. em junho deste ano. Esse resultado foi influenciado, em grande medida, pela maior redução na taxa cobrada ao segmento de pessoas físicas, ao passo em que a taxa de juros cobrada às pessoas jurídicas teve maior resistência de queda. Dado o fraco impulso do segmento de pessoas jurídicas, caracterizado em geral pelo setor empresarial, as dificuldades impostas pelo crédito caro colocam em cheque o desenvolvimento de novos projetos de investimento por parte dessas empresas ou até mesmo a sua própria sustentabilidade no curto e médio prazo.

O saldo total das operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN) permanece em queda sendo afetado, sobretudo, pelos resultados associados ao segmento de pessoas jurídicas, em sua maioria, constituído por empresas. Em 2015 esse saldo correspondeu a 53,7% do PIB enquanto que, em agosto deste ano, atingiu o nível de 46,7% do PIB. As operações de crédito para pessoas físicas começaram a se recompor a partir de 2017 e vem crescendo desde então. Em sentido contrário, as operações de crédito para pessoas jurídicas que, até outubro de 2016 compunha a maior parcela em relação ao PIB, passaram a perder cada vez mais força indicando entre outras coisas o efeito perverso da crise recente sobre.

Embora a deterioração do ambiente de negócios por conta do elevado custo de financiamento tenha atingido, sobretudo, as pequenas e médias empresas, o setor como um todo tem sofrido com a redução de linhas de financiamento de longo prazo, dominadas, em sua maioria, pelas instituições financeiras públicas que contam como principal figura no fomento ao investimento de longo prazo o BNDES. A instituição ainda não conseguiu apresentar resultados expressivos em relação aos níveis passados de seus desembolsos. Nesse âmbito, praticamente todos os setores da economia sofreram com a redução nos desembolsos do banco e com o impacto da crise em seu desenvolvimento. A dificuldade para retomada consistente do investimento num futuro próximo também se mostra pela análise da evolução do saldo das operações com recursos direcionados. Geralmente utilizados para financiamento de projetos de investimento, infraestrutura e desenvolvimento, esses recursos seguem em queda desde o final de 2015.

Sendo assim, o país tem sofrido nos últimos dois anos com a retração de um importante vetor de crescimento e desenvolvimento econômico, o investimento. O que pode ser observado através da taxa de investimento da economia que, apesar de relativa melhora entre o primeiro trimestre de 2017 e o primeiro trimestre de 2018, se encontra em 16,03% configurando a segunda menor taxa para o primeiro trimestre desde 1996. A discussão sobre o comportamento e papel das instituições públicas sobre os mercados monetários, lideradas pelo Banco Central, deve ser por isso central na atual discussão política. 
Infelizmente, dados os riscos que o próprio processo de deliberação democrática atravessa, esta será uma discussão adiada.

Laíse Costa - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA. Graduanda em Economia pela Faculdade de Economia da UFBA.

Thiago Bartolomeu -  Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA. Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da UFBA.  

Classificação Indicativa: Livre

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