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Entendendo Economia: A concentração bancária no Brasil e o lucro dos bancos

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Bnews - Divulgação

Publicado em 19/06/2018, às 17h44   Uallace Moreira


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No dia 12/06/2018 o Banco Central (BC) divulgou o Relatório de Economia Bancária do Brasil, com informações importantes sobre o mercado bancário brasileiro. A divulgação desse relatório ganhou pouco destaque na grande imprensa e dificilmente ouvimos ou vemos a população discutir a atuação do Banco Central no Brasil, a não ser quando se fala de taxa de juros Selic, mas mesmo assim com pouco conhecimento sobre seus efeitos.

A principal informação destacada pelo BC em seu relatório é a de que a recuperação da atividade econômica e os estímulos provenientes do atual ciclo de política monetária do BC, com a redução significativa da taxa de juros SELIC em 2017, tem propiciado a recuperação do mercado de crédito na economia brasileira de forma consistente. 
Embora o mercado de crédito tenha apresentado uma leve recuperação em 2017, o que chama a atenção nesse relatório é o nível de concentração bancária no Brasil - com efeitos sobre o spread bancário brasileiro e o lucro dos bancos. O Banco Central, mesmo reconhecendo que o Brasil precisa de maior competição, tentou relativizar os efeitos dessa concentração, afirmando que o spread tem se reduzido nos últimos anos e que “a relação entre concentração e spreads não é tão direta quanto o senso comum pode sugerir”. Não apenas o Banco Central tentou relativizar o impacto da concentração bancária no spread no Brasil, como também o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, tentou transferir a culpa do elevado spread bancário no Brasil da concentração bancária para a inadimplência e os bancos públicos. 

Não obstante o BC e o Presidente da Febraban tenham tentado relativizar o impacto da concentração bancária no spread bancário e no custo de crédito para a população, os indicadores do relatório não deixam dúvidas que o Brasil está entre os países com maior nível de concentração bancária mundial e a história recente da economia brasileira tem mostrado que isso não tem sido positivo para o dinamismo econômico do país. Segundo o relatório do BC, em 2016, entre os países emergentes, o Brasil é o país com maior percentual de concentração bancária, com os cinco maiores bancos do país detendo 85% dos ativos totais do setor. Quando comparado com os países desenvolvidos no mesmo ano, o Brasil fica atrás apenas da Holanda que tinha um percentual de concentração bancária de 89%. Ou seja, o Brasil ostenta o segundo lugar de maior concentração bancária entre os países desenvolvidos e emergentes em 2016, com 85% dos ativos totais nas mãos de apenas 5 bancos: Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB), Itaú Unibanco, Bradesco e Santander. 

Percebam que a discussão em torno da concentração bancária ficou restrita em torno do spread, mas um ponto que é propositalmente negligenciado pelo BC e pelo Presidente da Febraban, e que tem como origem a concentração bancária no Brasil, são os exorbitantes lucros ostentados pelos bancos no Brasil. 

Quando analisamos a composição dos ativos dos bancos comerciais no Brasil, identificamos que seus ativos são distribuídos basicamente entre crédito – famílias e empresas -  e compra de títulos públicos do governo brasileiro. Essa lógica de distribuição de ativos entre crédito e títulos faz com que os bancos ganhem com a política elevada de juros por parte do Banco Central e também com a concentração bancária - cobrando juros exorbitantes na concessão de crédito. 

O resultado dessa conjunção de fatores se reflete no lucro dos bancos nos últimos anos, mesmo em um país com uma crise profunda desde 2015. Os três principais bancos que apresentam as maiores taxas médias de crescimento de lucro entre 2010 e 2016 é o Santander (44,6%), Itaú (12,8%) e Bradesco (12,0%). Outro dado importante é que entre 2009 e 2016, o lucro total dos bancos sempre apresenta taxas de crescimento, com exceção 2012 (-2,3% e 2016 (-14,7%). Chama a atenção o fato de que, mesmo com crise econômica em 2014 e 2015, com queda da Selic, e a atrofia do crédito para consumo, produção e infra-estrutura, os 5 maiores bancos apresentaram taxas de crescimento do lucro: R$ 60.166 bilhões (crescimento de 18,3%) em 2014, e R$ 69.885 bilhões (crescimento de 16,2%) em 2015. O retorno/lucro sobre o patrimônio líquido passou, de 2016 para 2017, de 11,6% para 13,8%. Esse lucro é três a quatro vezes maior que o de países como Suíça (3,2%), Estados Unidos (3,4%), Índia (4,5%), Portugal (4,7%) e Itália (4,7%). O que explica essa situção?

O modelo neoliberal periférico implementado no Brasil no início dos anos 1990 e aprofundado nos últimos anos, tem como uma das principais características o predomínio da lógica da financeirização da economia, com os bancos sendo um dos principais beneficiados. Para isso ser possível, o Banco Central brasileiro autorizou que o mercado de bancos no Brasil passasse por inúmeras fusões e aquisições nas últimas duas décadas, com algumas instituições como Bradesco, Itaú e Santander crescendo de forma substancial, eliminando vários concorrentes. Esse processo começou na época da implantação do Plano Real, quando os Estados privatizaram seus bancos, como Banespa, Bemge, Banerj. O primeiro foi comprado pelo Santander, os outros dois pelo Itaú. Somente entre 1997 e 2000, pelo menos doze bancos estaduais foram privatizados. Nos anos mais recentes, Itaú e Bradesco compraram instituições como Bank of Boston e Mercantil do Brasil. A maior fusão aconteceu em 2008, quando Itaú e Unibanco se juntaram em um negócio avaliado em R$ 575 bilhões à época. Assim, a ausência de concorrência e de regulação por parte do Banco Central são essenciais para que os bancos comerciais ostentem taxas elevadas de lucro, mesmo em um país em crise. 

Além de fomentar a concorrência, o Banco Central poderia atuar de forma mais incisiva de duas formas, para inibir os elevados juros cobrados pelos bancos no país: a primeira seria intervindo de forma direta, regulando os juros cobrados pelos bancos comerciais. Esse mecanismo possivelmente geraria muitas críticas com o argumento de que no Brasil não se respeita as leis de mercado. A segunda forma seria usar os bancos públicos para fomentar a concorrência, levando os bancos a uma guerra de preços reduzindo os juros. Provavelmente esse seria o mecanismo mais viável, pois no Brasil temos dois grandes bancos públicos -  Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal -  que podem exercer essa função, reduzindo seus juros, promovendo concorrência entre os bancos comerciais e obrigando os bancos a baixarem os juros como forma de sobrevivência no mercado bancário. 

Para isso, os bancos públicos deveriam deixar de atuar como os bancos privados, objetivando apenas lucros, e serem geridos como instituições fundamentais para promover o desenvolvimento econômico do país, principalmente como instrumentos de fazer valer a política monetária do Banco Central no sentido de reduzir os juros no país para estimular o consumo e o investimento. 

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