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17 de maio, Dia de combate à LGBTfobia: Uma história baiana

Imagem 17 de maio, Dia de combate à LGBTfobia: Uma história baiana
Bnews - Divulgação

Publicado em 16/05/2018, às 11h31   Marcelo Cerqueira*


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Todas as categorias sociais e profissionais possuem o seu dia de luta e transformação. Os jornalistas, os radialistas, os enfermeiros, os médicos, músicos. A comunidade negra comemora o dia 20 de novembro com o Dia da Consciência Negra, essa é a data da morte de Zumbi dos Palmares.

Algumas datas são instituídas oficialmente, como foi o 13 de Maio. Em uma iluminada tarde de 13 de Maio de 1888, a princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga assinou a Lei Aurea, como essa seria uma data chapa branca, o povo negro optou por outra. 

O povo LGBT optou pelo dia 17 de Maio. O dia foi instituído desde 1990, quando médicos do mundo inteiro, reunidos na segunda Assembleia Mundial da Saúde das Nações Unidas, decidiram tornar sem efeito o código 302.0 da Classificação Internacional de Doenças (CID), no seu capítulo V, que considerava o homossexualismo como “transtorno sexual”.

A partir dessa data, o que era uma suposta doença se transformou em uma orientação sexual, normal, natural e saudável. A Bahia sente-se honrada em ter contribuído com essa vitória graças ao voto favorável da médica legista Maria Tereza Pacheco, por muitos anos diretora do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.

Ela votou para que se tornasse sem efeito o código 302.0, sensibilizada pela ação do professor Luiz Mott, por suas convicções próprias, seu trabalho cientifico de médica legista no IML junto com o mestre Estácio de Lima. 

A médica Maria Tereza Pacheco se formou na Escola Médica do professor Nina Rodrigues, que formou o Mestre Estácio, seu mestre. O incrível disso é a mudança. Em 1934, o sexólogo Estácio publicou a “Inversão dos Sexos” pela Editora Guanabara.

Trata-se de um estudo sobre homossexualidade na Bahia nos anos trinta. Influenciado pelas teorias médicas vindas da Europa, mestre Estácio procurava identificar sinais clínicos que pudessem revelar o “homossexualismo” do indivíduo. Usando a medicina forense, Mestre Estácio fazia a descrição dos corpos de gays e de lésbicas para desenvolver sua suposta cura. Mestre Estácio, além de descrever os fenótipos dos “invertidos”,  associa as transformações destes corpos, fazendo contraponto com a questão da marginalidade. Fotos realistas ilustram sua obra raríssima de se encontrar nas bibliotecas.

Quando ele descreve um casal de lésbicas que causou furor em Salvador à sua época, mestre Estácio relaciona suas formas corporais, hábitos e sinais psicológicos à sua condição de  mulheres sáficas. Mestre Estácio pleiteava retirar o “homossexualismo” das mãos violentas da polícia: queria poder tratar, cuidar, para evitar a marginalidade a que estavam condenados os “pederastas”. Ele não gostava que prendesse, queria tratar.

Muitas famílias tradicionais baianas se desenvolveram acreditando até hoje que ser homossexual é doença. Se não for doença, é no mínimo a vergonha da família.

Ter um filho ou filha LGBT era um desabono a moral das famílias baianas, então, criou-se a instituição do exílio desses membros indigestos. O exílio era para quanto mais longe melhor. As famílias ricas mandavam os filhos indesejados para a França, Rio de Janeiro, e por lá ficavam. Estácio de Lima não era o médico monstro. O seu trabalho cientifico não implicava em maus-tratos, ele queria cuidar, queria entender, embora seguindo a cartilha médica da época que considerava o “amor que não ousava dizer o nome”  uma anormalidade e disfunção glandular.

* Marcelo Cerqueira é historiador e presidente do Grupo Gay da Bahia

Classificação Indicativa: Livre

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