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Entendendo a economia: o avanço da indústria 4.0 no mundo e o alerta para o Brasil

Imagem Entendendo a economia: o avanço da indústria 4.0 no mundo e o alerta para o Brasil
Bnews - Divulgação

Publicado em 15/05/2018, às 18h42   Yuri Dantas e Uallace Moreira


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As transformações na indústria na economia mundial é um processo contínuo na evolução do capitalismo enquanto modo de produção. Por exemplo, podemos observar que tivemos as 1º e 2º Revoluções Industriais, as quais propiciaram o surgimento e aprimoramento de motores a vapor que mecanizaram o trabalho necessário para a produção, principalmente, na indústria têxtil no final do século XVIII. Posteriormente, disseminou-se o uso de energia elétrica e combustíveis derivados do petróleo que permitiram o surgimento das fábricas de produção em massa, como as linhas de montagem da Ford em 1913. No período mais recente, muitos defendem que tivemos uma Terceira Revolução Industrial, marcada pela informatização com o uso de computadores e robôs que automatizaram etapas mecânicas e repetitivas a partir dos anos 1970. E agora, no Século XXI, entramos em um patamar de complexidade industrial mais conhecida como a “Quarta Revolução Industrial” ou “Indústria 4.0”. 

Em todas essas fases de profundas transformações industriais, um dos fatos mais relevantes é o processo de diferenciação nas estruturas produtivas entre países desenvolvidos e países periféricos, pois enquanto os países desenvolvidos são os criadores e disseminadores das novas tecnológicas, os países periféricos, no primeiro momento, ficam à margem desse processo enquanto produtores, mas são fundamentais enquanto países consumidores dos novos produtos que surgem através dessas novas tecnologias. Só posteriormente, de forma tardia, é que muitos países periféricos começam a ter acesso a novas tecnologias, mas ainda assim de forma limitada. Essa dinâmica sempre predominou e tudo indica que com a Indústria 4.0 não será diferente, pelo menos para a realidade da economia brasileira. 

O que vem a ser a Indústria 4.0? Surgido em uma feira tecnológica em Hannover, Alemanha, em 2011 para representar o pioneirismo alemão, o termo Indústria 4.0 simboliza o uso inteligente de novos mecanismos e ferramentas digitais no mundo da manufatura com o objetivo de ganhar eficiência, reduzir custos, evitar acidentes e minimizar erros humanos, o que aumentaria a competitividade e a produtividade. A nova abordagem pretende produzir bens inteligentes cujo histórico de produção e consumo possa ser rastreado com o intuito de transformar a informação e o feedback em insumos do sistema fabril, permitindo, assim, ajustes que melhorem a aceitabilidade dos produtos finais e diminuam desperdícios. Deste modo, o princípio básico é a fusão do mundo físico com o digital por meio de tecnologias como a inteligência artificial, sistemas cyber-físico, big data analytics, internet das coisas (IoT), impressão em 3D, realidade aumentada, dentre outras, visando a descentralização da cadeia produtiva, interoperacionalização virtual e customização de acordo com a demanda.

A Indústria 4.0 proporcionaria maior agilidade nas demandas intersetoriais; melhoraria a produtividade da indústria de transformação; além de beneficiar a saúde e segurança de trabalhadores ocupados em ambientes de risco. Entretanto, os impactos da Indústria 4.0 vão além da transformação dos parques industriais. Haverá aumentos no investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) em áreas que garantam a confiabilidade e flexibilidade necessárias para o bom funcionamento do novo modelo industrial, como a segurança de dados, interação entre máquinas, inteligência artificial, coleta de informação nas etapas produtivas, dentre outras. Outro reflexo é no mercado de trabalho. A modernização tecnológica proposta pela quarta revolução exige um nível de qualificação elevado em áreas estratégicas, como os profissionais em TI (Tecnologia da Informação); engenheiros eletrônicos, mecatrônicos e de produção; e demais técnicos especializados na área digital e robótica. Esse novo cenário abalará a demanda por trabalho tal como a conhecemos e exigirá um processo de adaptação da mão de obra para a nova realidade digital. Em suma, a modernização de uma fábrica nos moldes da quarta revolução exige, a priori, acesso às novas tecnologias, mão de obra qualificada em áreas estratégicas e capacidade de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). 
Quando analisada essas características e comparamos com a realidade da estrutura industrial brasileira, fica em evidência a fragilidade da articulação do Brasil na adequação de seu parque industrial aos preceitos da Indústria 4.0.

Para muitos analistas, a partir dos anos 1990, com a implementação do modelo de desenvolvimento neoliberal periférico, a indústria brasileira vem passando por um amplo processo de desindustrialização negativa, que basicamente significa uma redução relativa no emprego manufatureiro e baixa renda per capita no setor, associado a redução da participação da indústria no PIB, situação esta que é resultado do enfraquecimento da indústria de forma precoce, com destruição de vários elos da cadeia produtiva, comprometendo a própria sobrevivência da indústria brasileira. 

O resultado do enfraquecimento da indústria brasileira pode ser identificado no último relatório da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), sobre Competitividade Brasil 2017-2018. Segundo o relatório da CNI, “O Brasil apresenta a mais alta taxa de juros real de curto prazo e o maior spread (diferença entre a taxa de remuneração dos depósitos recebidos pelos bancos e aquela que cobram pelos empréstimos concedidos) e está em último lugar em custo e disponibilidade de capital. Em ambiente macroeconômico, registra a maior despesa com juros incidentes sobre a dívida do governo e a segunda menor taxa de investimento da economia. Em ambiente de negócios, obtém a pior colocação em pagamentos irregulares e subornos, transparência das decisões políticas, facilidade em abrir uma empresa e regras trabalhistas de contratação e demissão”. 

Essa situação tem se agravado com o Governo Temer, pois suas políticas têm promovido o aprofundamento do cenário recessivo e as incertezas que o Brasil presencia, sendo determinante para a apatia do empresariado no quesito investimento, uma vez que não há expectativas de aumento da demanda no curto prazo. Esse quadro só poderá ser revertido com a retomada do crescimento econômico e estabilização dos indicadores econômicos. Até lá, não basta simplesmente contar com a boa vontade do investimento privado, pois o suporte do investimento público é essencial para garantir estratégias de recuperação do atraso tecnológico e incubação das indústrias brasileiras. Entretanto, além da forte queda do investimento privado, o investimento público teve uma queda substancial a partir de 2014 com o Governo Temer, chegando ao fundo do poço em 2017, quando União, Estados e municípios investiram o equivalente a 1,17% do Produto Interno Bruto (PIB) – o menor nível em quase 50 anos. Esses indicadores deixam em evidência a situação delicada do Brasil. 

Como já defendia o célebre economista Joseph Schumpeter com o conceito de “destruição criadora”, a incessante criação destrói o velho em razão do novo. Isto é, a inovação proporciona vantagens diferenciais recompensadas em maiores lucros para aqueles que se atualizam, e torna obsoletos os meios anteriores. Deste modo, o avanço da Indústria 4.0 não é só uma questão de aumento da eficiência e redução de custos, é um alerta para a mudança no quadro do comércio externo. As nações que conseguirem acompanhar esse processo de transição – como os EUA, a Europa e a Coreia do Sul - apresentarão vantagens em comparação com os demais, uma vez que o aumento da produtividade significaria um barateamento das exportações, e isso, para o caso brasileiro em particular, significaria um agravamento do já preocupante quadro de baixa competividade internacional por conta da deficiente desenvoltura tecnológica, situando-os definitivamente na margem do comércio exterior. Uma coisa é certa: a corrida pela indústria 4.0 já é uma realidade no mundo e o Brasil está em uma condição de profundo atraso, com as piores expectativas possíveis, dado as políticas econômicas que estão sendo implementadas pelo Governo Temer, as quais fragilizam mais ainda a condição da indústria brasileira. 

Yuri Dantas -  Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia-UFBA e Graduando em Economia pela UFBA.

Uallace Moreira - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da UFBA. é Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP).  Professor de Economia da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA) e Pesquisador Visitante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

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