Política

Terceirização, a precarização do trabalho como regra

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No Brasil, ocorreu uma verdadeira epidemia da terceirização a partir dos anos 1990  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 20/03/2018, às 15h22   Graça Druck*


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A terceirização é um fenômeno mundial que se generalizou para todas as atividades urbanas e rurais; na indústria, comércio, serviços e setores público e privado, apresentando diferentes modalidades e formas de regulação. Deixou de ser periférica para se tornar o centro das novas formas de organização do trabalho, inspiradas no toyotismo, como parte essencial da estrutura produtiva no capitalismo flexível e globalizado. 

Na sua origem histórica, esteve presente na transição para o trabalho assalariado. No século XVI, a subcontratação era utilizada pelos mercadores-empregadores como forma de controle e subordinação dos artesãos independentes, buscando a sua proletarização com a perda de sua independência e de seus direitos de propriedade sobre a produção e o trabalho.

No Brasil, a terceirização surge no século XIX, com iniciativas para substituir o trabalho escravo pelo trabalho dos migrantes pobres europeus, através de empresas agenciadoras de mão de obra estrangeira para as grandes plantações, subcontratadas pelo governo. As condições de exploração do trabalho desses migrantes, subordinados aos grandes proprietários de terra, imobilizados nas fazendas, levou ao que se chamou de “escravidão branca”. Posteriormente, se manteve na área rural, através do sistema de “gato”, presente na agricultura até os dias atuais. Foi também uma forma de contratação utilizada desde os primórdios da industrialização nas áreas urbanas, ainda que de forma secundária.

A terceirização é uma forma de organização do trabalho em que a empresa ou instituição contrata uma outra empresa (intermediadora) para realizar uma atividade. Seja um trabalhador que virou Pessoa Jurídica (PJ), como já ocorre hoje, seja uma empresa propriamente dita. A legislação que rege esse contrato entre as empresas não é a trabalhista (a CLT), é o direito comercial ou civil. Assim, a empresa ou instituição pública contratante, que é a responsável pela terceirização, se desobriga de qualquer responsabilidade trabalhista, que é um dos objetivos principais junto à redução de custos para terceirizar. 

No Brasil, ocorreu uma verdadeira epidemia da terceirização a partir dos anos 1990, atingindo áreas nucleares das empresas – apesar dos limites definidos pela Justiça do Trabalho através do Enunciado 331, que proibia a terceirização na atividade fim – e proliferando no serviço público. Várias são as modalidades de terceirização. No setor privado, além das empresas “prestadoras de serviços”, há as cooperativas, ONGs e as “empresas do eu sozinho”, isto é, a “pejotização”, fenômeno que leva as grandes empresas se desobrigarem de encargos sociais e direitos trabalhistas, à medida que os trabalhadores registram uma empresa em seu nome e, consequentemente, perdem todos os direitos garantidos pelas leis do trabalho. No campo do Direito, a pejotização é contratação fraudulenta, pois contraria princípios como o da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, já que o trabalhador ao se tornar pessoa jurídica deixa de ser amparado pelo Direito do Trabalho, o que agora foi negado com nova legislação trabalhista que legalizou esse tipo de contrato. 

No setor público, foi onde mais cresceu proporcionalmente a terceirização, com o uso de parcerias público-privadas, cooperativas, ONGs, as organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) e as organizações sociais (OSs). Estas últimas são as mais utilizadas na saúde pública, assumindo a gestão dos hospitais, onde há uma cadeia de subcontratação, favorecendo um ambiente promíscuo entre o privado e o público. É o principal meio de privatização do serviço público e pode levar a extinção do funcionalismo. 

No bojo das “reformas trabalhistas” em curso no Brasil, uma lei (13.419/2017) foi aprovada sem qualquer discussão no Congresso Nacional e com a sociedade, liberando a terceirização irrestrita. Logo em seguida, a aprovação da Reforma Trabalhista vaticinou a condição precária para todos os trabalhadores. 

As consequências são a “precarização como regra” e o fim da CLT. Todas as pesquisas desenvolvidas nos últimos 25 anos no país mostram a indissociabilidade entre terceirização e precarização do trabalho em diversos segmentos profissionais, como petroquímicos, petroleiros, complexo automotivo, callcenters, bancários, trabalhadores nos serviços públicos, construção civil, dentre outros. Investigações realizadas no grupo de pesquisa do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Ufba e no Núcleo de Estudos Conjunturais NEC da Faculdade de Economia da UFBa, mostram resultados que foram publicados na forma de teses, dissertações, artigos e livros. É assim na desigualdade salarial nos petroquímicos em que terceirizados chegavam a ganhar 5 vezes menos que os empregados diretos; nos petroleiros, em que as mortes por acidentes de trabalho de terceirizados representam 90% do total;  nos trabalhadores de callcenters, cujo índice de adoecimento (LER/DORT) é um dos mais elevados, nos até 10 anos sem férias de trabalhadores terceirizados da Ufba, nas redes de subcontratação no complexo automotivo do nordeste, em que a ponta do processo tem trabalhadores sem carteira e por “empreita”, na construção civil, onde a chance de morrer no trabalho dos terceirizados é de 2,3 a 4,9 vezes maior do que a média de acidentes fatais em todo mercado de trabalho, ou nos 81% de trabalhadores terceirizados no total de resgatados em condições análogas ao escravo no país.

De acordo com “Sondagem Especial sobre terceirização”, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2014, o ganho de tempo e a redução de custos são os motivos principais para terceirizar. Assim, 85,6% das empresas consideram como importante ou muito importante a redução de custos. Isto significa que a empresa contratante contrata a empresa intermediadora de mão-de-obra pelo menor preço. Essa para ganhar a concorrência, contrata trabalhadores também pelo menor salário possível e, como a contratada é responsável pelas obrigações trabalhistas, isto é, o pagamento dos direitos do trabalho: férias, 13º, descanso semanal remunerado, Fundo de Garantia, etc, ela comprime o seu custo com o trabalho, burlando e desrespeitando esses direitos. É recorrente nas fiscalizações dos auditores fiscais do trabalho, a falta de registro de trabalhadores terceirizados, além do descumprimento da CLT. Por isso, quando a legislação libera totalmente a terceirização, a tendência é que se generalize o desrespeito aos direitos.

Em conjunturas de desemprego, como a que estamos vivendo, com 12 mihões de desempregados no país, a terceirização continua crescendo, sem alterar esse quadro. O que desmoraliza o argumento de que a terceirização cria empregos, conforme defendido pelos empresários. Ao contrário, se os trabalhadores terceirizados trabalham em média 3 horas a mais que os demais, ou seja, têm jornadas de trabalho mais longas, o que acontece é a redução do número de postos de trabalho, pois a intensificação do trabalho para esse segmento não cria oportunidade para outros empregados.

* Graça Druck é colaboradora do Núcleo de Estudos Conjunturais da Faculdade de Economia da UFBA (NEC/UFBA). Professora titular da Faculdade de Filosofia e C. Humanas, pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH)/UFBa, pesquisadora do CNPq. Doutora em C. Sociais, com pós-doutorado na Paris XIII, autora do livro “Terceirização: (des)fordizando a fábrica, Ed Edufba e Boitempo e co-organizadora do livro: A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização, Ed Boitempo.

Classificação Indicativa: Livre

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