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Entendendo Economia: Seguro desemprego e os mitos que punem os mais fracos

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Bnews - Divulgação

Publicado em 06/03/2018, às 20h52   Vitor Filgueiras e Pablo Coutinho


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Hoje falaremos sobre um dos mitos que as grandes empresas de comunicação, com o apoio de parte da dita ciência econômica, fixaram na cabeça de muita gente: a ideia de que a concessão do Seguro Desemprego normalmente decorre de fraudes dos trabalhadores, que forçam os patrões a lhes dispensarem, ou para ganhar dinheiro sem trabalhar, ou para trabalhar sem carteira assinada e ganhar ilegalmente com o Seguro. Na grande mídia, e especialmente nas universidades, essa ideia costuma aparecer para explicar a rotatividade dos postos de trabalho no Brasil.  

A rotatividade do trabalho pode ser definida como a movimentação nos postos de trabalho que ocorre com a saída de um trabalhador do emprego e a contratação de outro. Ela é medida por períodos de tempo, tanto em uma empresa, em setores ou no conjunto da economia. A saída do trabalhador, que dá origem à rotatividade, pode ocorrer por decisão do empregador, por vontade do próprio trabalhador, por aposentadoria ou morte. A única forma de desligamento que dá acesso ao Seguro Desemprego é a dispensa, sem justa causa, por decisão do patrão.

A rotatividade do trabalho no Brasil é muito alta, tanto nos momentos de crise, quanto (e ainda mais) nos momentos de crescimento do emprego. O debate sobre esse tema é muito importante, porque gera problemas para a sociedade, como os custos com a reposição e treinamento de trabalhadores, barreiras à melhoraria da produtividade do país, além dos gastos com direitos sociais, particularmente o Seguro Desemprego.

Acontece que a explicação sobre a rotatividade no Brasil costuma se basear em dois argumentos: 1) a “vagabundagem” do trabalhador ou 2) o conluio entre trabalhador e patrão para fraudar os cofres públicos. No caso da “vagabundagem”, a elevada taxa de rotatividade ocorreria porque os trabalhadores fariam “corpo mole” para serem dispensados, ganhando o Seguro Desemprego (além do FGTS) para ficar sem trabalhar por alguns meses. Já o argumento do conluio afirma que trabalhador e patrão forjam a dispensa sem justa causa. O trabalhador continuaria trabalhando, mas sem carteira assinada, e recebendo seguro ao mesmo tempo. Para a empresa, a vantagem é manter o trabalhador em atividade sem pagar os encargos da lei. 

É com base nesse tipo de explicação que políticas públicas têm sido implementadas, cortando de direitos dos trabalhadores para supostamente “diminuir a rotatividade”, como a lei 13.134 (de 2015), que retirou o direito ao Seguro Desemprego para trabalhadores dispensados sem justa causa com menos tempo no emprego.

Essa visão sobre a relação entre rotatividade e Seguro Desemprego tem dois pontos de partida: o primeiro é a crença de que os trabalhadores naturalmente não gostam de trabalhar e que valores morais, como honestidade, não pautam seu comportamento, que seria decorrência de um cálculo de custo e benefício para trabalhar o mínimo e ganhar o máximo; o segundo, a crença de que patrões e trabalhadores se relacionam em pé de igualdade, de modo que o empregado tem força para obrigar seu próprio chefe a lhe demitir da forma que o trabalhador deseja. 

Se você acha que esses pontos de partida são absurdos, e não acredita em tudo que aparece na televisão, saiba que os dados oficias do mercado de trabalho brasileiro (RAIS e CAGED) te dão razão.

Existe uma contradição básica nessas ideias sobre rotatividade e Seguro Desemprego. Ao longo das últimas décadas, quando o desemprego diminuiu, aumentou a percentual de pedidos de demissão, pelos trabalhadores, no total dos desligamentos ocorridos no mercado de trabalho. Quando o desemprego aumentou, cresceu também a importância das dispensas sem justa causa realizadas pelas empresas. Ou seja, nos momentos de muito emprego, justamente quando seria mais vantajoso para o trabalhador “forçar” a sua dispensa, já que é mais fácil conseguir outro trabalho (seja no mercado informal durante o gozo do Seguro, seja no mercado formal após o fim do Seguro), cai a participação do único tipo de desligamento que dá acesso ao Seguro. Portanto, não tem qualquer sentido, com base nas próprias ideias de “vagabundagem” e conluio, que a dispensa “forçada” pelos trabalhadores seja um fator relevante na dinâmica da rotatividade no Brasil. 

O que os dados indicam é que os trabalhadores são racionais, mas não com base na “vagabundagem”. Eles tendem a se manter na ocupação em períodos de alto desemprego, não se arriscando, portanto, a deixar seu posto de trabalho para procurar outro. Quando há mais empregos disponíveis, eles buscam sair das ocupações precárias para aproveitar chances de melhores condições de trabalho.

No conjunto, a elevada rotatividade parece muito mais relacionada a uma estratégia patronal para gerir sua força de trabalho, que consiste no uso da dispensa como meio de disciplinar os trabalhadores. As constantes dispensas, pelos empregadores, criam um ambiente de terror nas empresas: os empregados novatos sabem que qualquer deslize, como questionar uma ordem, ou reclamar um direito, tende a significar o olho da rua. Assim, trabalhadores tendem a ser mais passivos para evitar serem rapidamente dispensados. Mesmo aqueles que sobrevivem na empresa, ao testemunhar essa forma de gestão, tendem igualmente à passividade e resignação.

É claro que existem casos de fraudes no uso do Seguro Desemprego. Contudo, eles não explicam o problema da rotatividade. Assim, uma política pública que reduz o Seguro Desemprego apenas deixa os trabalhadores mais vulneráveis, portanto, mais propensos a obedecer aos patrões sem questionar nada.

A redução da rotatividade, que permanece alta no Brasil, mesmo depois dos cortes no Seguro Desemprego (mais uma evidência do erro no remédio), aconteceria se o protagonista deste problema fosse focado: o empregador. Isso pode ser feito com a restrição à dispensa sem justa causa, como ocorre em diversos países.

Precisamos de menos preconceito e mais evidências para discutir temas que atingem a vida de dezenas de milhões de pessoas.

*Vitor Filgueiras - Membro do Núcleo de Estudos Conjunturais da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (NEC-FE-UFBA). Professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). (2016) Estágio de Pós-doutorado (SOAS, Universidade de Londres, 2015) Doutorado em Ciências Sociais pela UFBA (2012). Mestrado em Ciência Política pela UNICAMP (2008). Graduação em Economia pela UFBA (2005). Secretário da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). Foi Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho entre 2007 e 2017.

*Pablo Coutinho - Membro do Núcleo de Estudos Conjunturais da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (NEC-FE-UFBA). Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA).

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