Salvador

Saiba ou relembre como era o transporte de Salvador no ano de 1989

Reprodução/SMTU Salvador
O BNews foi a fundo, pesquisou e mostra as faces do transporte de Salvador há 33 anos, quando nem se falava em metrô na capital baiana  |   Bnews - Divulgação Reprodução/SMTU Salvador
Daniel Brito

por Daniel Brito

[email protected]

Publicado em 09/10/2022, às 06h00



O ano era 1989. O Brasil vivia sua primeira eleição presidencial após a ditadura militar. A moeda era o cruzado novo (NCZ$), em meio a um cenário de hiperinflação, que corroía diariamente o poder de compra das famílias. O país perdia Raul Seixas, não coincidentemente baiano e um dos maiores cantores da história, para citar alguns acontecimentos da época.

Há 33 anos, Salvador, embora já tivesse sua essência, era uma cidade diferente de hoje em diversos aspectos. Menos populosa e menos desenvolvida, seu transporte também era menos evoluído em relação aos dias atuais. Obviamente, ainda não existia metrô e a capital baiana era dependente, para não dizer refém, dos ônibus.

O BNews visitou os arquivos da biblioteca da Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador) e traz agora, com exclusividade, alguns detalhes sobre como era o transporte da terceira maior capital do país naquele ano. Entre eles, estão até mesmo linhas de ônibus que você, com certeza, principalmente se for mais novo ou mais nova, irá se surpreender que um dia existiram.

Dinâmica diferente, linhas de ônibus diferentes

Em 1989, a dinâmica de Salvador ainda era outra. Se atualmente regiões como a Avenida Paralela e o eixo do Iguatemi estão entre os pontos mais movimentados da cidade e concentram a maior quantidade de comércios, serviços e instituições de ensino, naquela época, a concentração de passageiros ainda era na região do Centro, em localidades como o Campo Grande e o Centro Histórico.

Por isso, a maioria das linhas de ônibus naquele tempo tinha como destino o Terminal da França, a Baixa dos Sapateiros e a Estação da Lapa, por exemplo. Isso significa que os bairros mais afastados contavam com muitos roteiros diretos bairro x centro, e não bairro x terminal, como costuma ocorrer atualmente. 

Isso se refletia, por exemplo, no bairro da Ribeira, que tinha duas linhas para o Forte de São Pedro, área do Centro próxima ao Campo Grande, e também duas linhas para a Barroquinha. Atualmente, nenhuma delas existe mais. 

A concentração de demanda no eixo Cidade Baixa x Centro fazia também com que existisse uma linha, a 0202, que ligava a Calçada ao bairro do Campo Grande e tinha integração com o trem do subúrbio, algo inimaginável nos tempos atuais, já que há diversas linhas vindas de outros lugares e que fazem o trajeto.

Sair da Ribeira diretamente para Mata dos Oitis, localidade do bairro de São Marcos, também era possível naqueles tempos através da linha 0217. Hoje, a localidade, que já chegou a ter três linhas de ônibus, não tem mais nenhuma.

E já pensou em sair ou chegar no Santo Antônio Além do Carmo de ônibus? Em 1989, isso era possível. Naquela época, existia uma linha que ia para a região do Comércio. Nos dias de hoje, só resta mesmo fazer o caminho andando e usando o Plano Inclinado do Pilar. 

Uma outra localidade de onde era possível sair ou chegar de ônibus era São Lázaro, na Federação. De lá, saía a 0716, rumo à Baixa dos Sapateiros. Atualmente, os únicos ônibus que entram na região atendem ao transporte de alunos do campus da Universidade Federal da Bahia (UFBA) situado na localidade, e são do tipo micro-ônibus.

E falando em UFBA, quem estuda hoje na instituição de ensino tem algumas linhas de ônibus à disposição saindo da Estação da Lapa. Mas há 33 anos, não existia LB3 certo. Quem fazia esse trajeto era a 0604 - Campus Universitário x Lapa, partindo do Campus Ondina.

Um detalhe interessante também é muitas das linhas que existem atualmente em Salvador tiveram "ancestrais", ou seja, linhas que faziam um trajeto semelhante aos dias de hoje, mas que atendiam apenas a uma parte dele. No subúrbio, por exemplo, a linha 1614 - Mirantes de Periperi x Itaigara em 1989 era Periperi x Itaigara, ou seja, não saía da localidade do Mirantes, o que só passou a ocorrer anos depois. Atualmente uma das linhas de maior demanda da cidade, a 1637 - Mirantes de Periperi x Imbuí/Boca do Rio ainda não existia.

Ainda no subúrbio, o bairro de Praia Grande, que atualmente não possui nenhuma linha de ônibus devido à sua proximidade com Periperi, tinha a 1617, com destino ao Centro Administrativo da Bahia (CAB). O Arenoso, na região de Tancredo Neves, tinha uma linha direta para a Baixa dos Sapateiros. O Doron tinha a 1104, que ia apenas até o Campo Grande - atualmente, existe a linha 1125, que vai até a Barra. E no bairro de São Cristóvão, existia o que podemos chamar do embrião da atual 0125 - Terminal da França/Barroquinha x Parque São Cristóvão: a 1015 - São Cristóvão x Barroquinha, que não saía da localidade do Parque.

Menos terminais e mais empresas

E se formos falar de terminal, naquele ano, além da Lapa, só existia outro: a antiga Estação Nova Esperança (ENE), inaugurada no ano de 1986 pelo então prefeito Mário Kertész, que funcionava onde hoje é a Estação Pirajá. A Estação Mussurunga só seria inaugurada no ano de 2001, na segunda gestão de Antonio Imbassahy.

No caso da antiga ENE, a diferença em relação a hoje é que a maioria das linhas era proveniente da região de Cajazeiras e de algumas outras mais isoladas, como o subúrbio, porém em quantidade menor. Apesar disso, linhas do terminal para o Centro também existiam, tendo como destinos a Lapa e a Barra - nesse caso, passando antes por corredores como a Rua Carlos Gomes.

Naquele tempo, sem o metrô, restava chegar na Estação da Lapa usando os ônibus articulados da empresa Ogunjá, que operavam a antiga linha 1313 - ENE x Lapa. Atualmente, esse tipo de veículo não existe na frota da capital baiana, mas a expectativa é de que eles retornem quando o último trecho do BRT for inaugurado. Para as linhas comuns, no entanto, isso não deve acontecer.

Ônibus articulado da empresa Ogunjá, que operava na antiga Estação Nova Esperança (ENE), atual Estação Pirajá
Ônibus articulado da empresa Ogunjá, que operava na antiga Estação Nova Esperança (ENE), atual Estação Pirajá (foto: Reprodução/Youtube Buzu.com)

E se hoje temos apenas duas empresas atendendo Salvador, em 1989, tínhamos 11: Transur, TSS, Vibemsa, ITT, Ipitanga, Sul América, Liberdade, Joevanza, Ogunjá, Campo Grande e Transol. Algumas, que anos depois iriam marcar época em Salvador, como Boa Viagem e Praia Grande, ainda não haviam surgido.

No caso da Vibemsa, dois anos depois, em 1991, ela iria se dividir em BTU, Rio Vermelho, Ondina e Verdemar, devido a um decreto do então prefeito de Salvador, Fernando José, que estabeleceu um limite máximo de 250 ônibus por empresa. Depois, seria a vez de surgir a Central.

Outros dados

Em 1989, Salvador tinha 368 linhas de ônibus ativas, segundo dados da então Secretaria Municipal de Transportes Urbanos (SMTU). A maioria delas era do tipo convencional, com 318. O restante se dividia nos tipos executiva (9), semi-expressa (6), noturna (13) e operação praia (24). A frota total era de 1.561 veículos.

Naquele ano, foram transportados 481,6 milhões de passageiros (481.670.328), um aumento em relação a 1988, quando o número havia sido de 462,1 milhões. O mês com a maior quantidade foi outubro, período em que 44 milhões de passageiros foram transportados.

Também em outubro, mês de destaque, segundo os registros disponíveis, as três linhas de maior demanda da capital baiana, ou seja, com a maior quantidade de passageiros transportados foram a 1614 - Periperi x Itaigara (597.321 passageiros), 1015 - São Cristóvão x Barroquinha (550.894 passageiros) e 0426 - Santa Mônica x Pituba (478.411 passageiros).

Anuário do transporte urbano de Salvador em 1989, nossa fonte de informações
Anuário do transporte urbano de Salvador em 1989,
fonte das nossas informações
(Foto: Daniel Brito/BNews)

A curiosidade do "R"

Por muito tempo, certamente você, que anda de ônibus, se perguntou o que significa o "R" usado para diferenciar linhas de ônibus de Salvador com saídas do mesmo bairro, mas com itinerários diferentes. Por que Sussuarana x Barra R1/R2? E até mesmo por que Vale dos Rios Stiep R3 e R4?

Rota? Roteiro? Que nada. O "R", na verdade, significa literalmente Ramal, o que, essencialmente, é a mesma coisa. Descobrimos isso no anuário elaborado pela SMTU daquele ano, que mostrava o significado por extenso justamente nas linhas que antecederam os "Vale dos Rios/Stiep" R3/R4. Veja:

O significado do R das linhas de ônibus de Salvador
O significado do R das linhas de ônibus de Salvador (Foto: Reprodução/SMTU)

Outros modais

Além dos ônibus, os ascensores e o trem do subúrbio eram os modais que serviam a população de Salvador naquele ano. Em 1989, somados, o Elevador Lacerda e os planos inclinados Gonçalves e Liberdade-Calçada transportaram 15 milhões de passageiros. O destaque ficou pelo Elevador, importante ponto turístico, com 8,7 milhões, e que registrou seu maior movimento no mês de dezembro, com 977.214 pessoas transportadas. O plano do Pilar não foi contabilizado, pois à época estava desativado.

O trem do subúrbio, apesar de à época ser administrado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), do governo federal, tinha seus dados fornecidos à prefeitura. E de acordo com os registros, em todo o ano, foram transportados 5,6 milhões de passageiros. O maior número foi contabilizado em agosto, com 605.209 pessoas transportadas.

Para se ter uma ideia, em nenhum mês entre os anos de 2019 e fevereiro de 2021, quando foi desativado pelo governo do estado para dar lugar ao futuro monotrilho, o sistema esteve próximo de atingir a marca. O recorde nesse período foi de 336.324, em outubro de 2019.

Confira algumas linhas de ônibus que existiam em Salvador em 1989:

0101 - Aquidabã x CAB
0103 - Campo Grande x Praça da Sé
0104 - Macaúbas x Fazenda Garcia
0202 - Calçada x Campo Grande
0206 - Massaranduba x Terminal da França
0214 - Ribeira x Forte de São Pedro
0215 - Ribeira x Forte de São Pedro
0217 - Ribeira x Mata dos Oitis
0314 - Fazenda Grande x Terminal da França
0328 - Rodoviária x Campo Grande
0409 - Curuzu x Pituba
0307 - Capelinha x Baixa dos Sapateiros
0312 - Fazenda Grande x Baixa dos Sapateiros
0323 - Marechal Rondon x Nazaré
0325 - Rodoviária x Baixa dos Sapateiros
0333 - São Caetano x Baixa dos Sapateiros
0340 - São Caetano x Chame-Chame
0410 - Duque de Caxias x Aeroporto
0427 - Santo Antônio Além do Carmo x Comércio
0505 - Brotas x São Joaquim
0604 - Campus Universitário x Lapa
0701 - Amaralina x Barroquinha
0707 - Nordeste x Campo Grande
0716 - São Lázaro x Baixa dos Sapateiros
0709 - Rio Vermelho x Lapa
0806 - Itaigara x Campo Grande
0906 - Pituaçu x Campo Grande
1015 - São Cristóvão x Barroquinha
1103 - Cabula VI x Terminal da França
1104 - Doron x Campo Grande
1115 - Pernambués x São Joaquim
1122 - Cabula VI x Barra
1212 - Calabetão x ENE (Estação Nova Esperança)
1222 - Sussuarana x Terminal da França
1229 - Arenoso x Baixa dos Sapateiros
1422 - Palestina x Terminal da França
1509 - Conjunto Pirajá 1 x Pirajá
1511 - Valéria x Terminal da França
1513 - Vista Alegre x ENE (Estação Nova Esperança)
1518 - Pirajá x ENE (Estação Nova Esperança)
1601 - Alto do Cabrito x Terminal da França
1602 - Alto de Coutos x Terminal da França
1603 - Terezinha x Terminal da França
1610 - Paripe x Terminal da França
1617 - Praia Grande x CAB
1618 - Rio Sena x Terminal da França
1621 - Paripe x ENE (Estação Nova Esperança)
1624 - Terezinha x Campo Grande

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp