Salvador

SEC é alvo de fiscalização por irregularidade em aquisição de merenda escolar

Publicado em 26/05/2016, às 15h32   Aparecido Silva (Twitter: @CydoSylva)


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Em 2009, o Governo Federal determinou que 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) fossem destinados à compra de produtos da agricultura familiar para alimentação escolar por estados e municípios. O objetivo era promover o desenvolvimento sustentável, a articulação das políticas públicas e o controle social, respeitando as tradições alimentares locais. No entanto, a partir de então, o estado da Bahia não tem conseguido atingir o mínimo exigido na aquisição dos alimentos e o pouco que contrata não obedece ao que estabelece a legislação, que é a modalidade de chamada pública, um outro problema que tem chamado a atenção de vários órgãos fiscalizadores. Os contratos são fechados com os fornecedores através de um sistema de credenciamento. Isso motivou, inclusive, a visita de técnicos do Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Ministério da Educação, que orientaram a Secretaria Estadual de Educação (SEC) a abandonar o modo de compras por sistema de credenciamento, “por não ser confiável”, como relatou uma fonte ligada ao Ministério da Educação, e adotar a modalidade de chamada pública para aquisição da merenda escolar, “como determina a legislação”. A irregularidade foi encaminhada para a Controladoria Geral da União (CGU) e para o Ministério Público.

A mesma recomendação foi feita à secretaria pela Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA). De acordo com a procuradora-chefe da Procuradoria Administrativa da PGE-BA, Bárbara Camardelli Loi, o sistema de credenciamento está previsto na lei federal 8.666, de 1983, e consiste numa espécie de contratação direta, sem licitação, “quando a demanda for múltipla, alta e cíclica, tendo-se, no outro lado, igualmente uma multiplicidade de prestadores capazes de atender à demanda em um mercado caracterizado pelo preço “maduro”, a saber, por um, preço já nivelado, sem variações significativas. Nessa hipótese, a melhor forma de atender a demanda se mostra a contratação concomitante de diversos prestadores”.

No entanto, conforme detalhou a procuradora, somente a União pode criar a hipótese de inexigibilidade, cabendo ao estado apenas adotar, sem inovar. “O credenciamento foi previsto pela lei federal e, por óbvio, assim repetido em lei estadual, única e exclusivamente para serviços”, diz Bárbara Loi, que foi enfática: “A aquisição de alimentos para o preparo da merenda escolar não configura prestação de serviços, mas sim compra de bens. A preparação da merenda (serviço) é feita nas próprias escolas. Portanto, o antigo credenciamento servia tão somente para comprar bens, o que era e é proibido por lei. Note-se, inclusive, que não há possibilidade de mudança da lei estadual, porque apenas lei federal poderia tratar o assunto”.

Anualmente, o FNDE repassa para o governo baiano uma verba de aproximadamente R$ 70 milhões e, desse total, R$ 21 milhões (30%) deveriam ser gastos com a compra de merenda escolar oriunda da agricultura familiar. Como desde 2012 o mínimo não é executado, o fundo nacional decidiu suspender o repasse neste ano de 2016, uma vez que o estado já possui um acumulado de R$ 100 milhões. Em 2015, por exemplo, a execução de compra de alimentos da agricultura familiar atingiu 20% através do sistema de credenciamento adotado pelo governo.

Com uma rede de ensino com mais de 900 mil estudantes, o estado tem como fonte de recursos para merenda escolar apenas o repasse do FNDE. No entanto, em nota enviada ao Bocão News, a Secretaria Estadual de Educação afirma que a contrapartida do governo nesta área se dá com a contratação de merendeiras, cozinheiras, limpeza, equipamentos, energia e água, fatores que representam anualmente cerca de R$ 100 milhões.

Diante da irregularidade no processo de aquisição da merenda escolar, a PGE recomendou que a Secretaria de Educação passasse a abrir a licitação para o ano letivo de 2016, uma vez que a tolerância para a prorrogação do credenciamento se encerrou em dezembro de 2015. No entanto, ao final de janeiro desse ano de 2016, a SEC informou não ter promovido o novo processo licitatório e foi orientada a realizar contratação emergencial, diante do iminente início do ano letivo que seria 14 de fevereiro de 2016. Mesmo assim, a secretaria não acolheu as orientações e teve que novamente “se valer de um credenciamento já extinto, em nome do direito fundamental à educação”, como explicou a procuradora-chefe da Procuradoria Administrativa da PGE baiana ao Bocão News. “Ali, também se pontuou a necessidade de apuração de responsabilidade, dados os indícios de improbidade administrativa, nos termos da Lei Federal 8.429, de 1992, art. 11, I:  “I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, ressaltou Bárbara Loi.

Em nota enviada à reportagem, a SEC afirmou que está em andamento a adequação à legislação. “A secretaria está concluindo o edital, por chamada pública, para compras de gêneros alimentícios da agricultura familiar. Até a publicação do edital, a aquisição dos produtos continuará sendo feita pelo sistema de credenciamento, permitindo que a gestão da escola adquira os produtos da agricultura familiar diretamente nos fornecedores locais, via sistema”, explicou a secretaria estadual, que afirma estar estimulando a compra de produtos oriundos da agricultura familiar, “promovendo, inclusive, encontros regionais para orientar gestores, diretores e coordenadores de Núcleos Regionais de Educação (NRE) sobre os procedimentos de compra, hábitos culturais e produção local, reestruturando a composição dos cardápios das unidades escolares da rede estadual”.

No início deste ano, ao mesmo tempo em que o FNDE fazia orientações na Secretaria de Educação para que se adequasse à modalidade de contratação, a Controladoria Geral da União (CGU) fazia fiscalização para verificar as supostas irregularidades. Em nota ao Bocão News, a CGU, agora transformada em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, confirmou a tentativa de correção do modo de contratação da merenda escolar na Bahia, inclusive a aquisição de produtos da agricultura familiar. “Informamos que está em andamento uma fiscalização na Secretaria de Educação da Bahia, no âmbito do programa de Fiscalização em Entes Federativos (FEF), para avaliar a execução da Ação de Governo 8744 - Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica (PNAE), com previsão de conclusão dos trabalhos no final de julho. Esclarecemos que nas fiscalizações desenvolvidas sobre o PNAE é verificado se o estado está adquirindo gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar em percentual igual ou superior a 30%, conforme determina o art. 24 da Resolução FNDE n° 26/2013”.

Publicada originalmente dia 25/05/2016 às 10h

Classificação Indicativa: Livre

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