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Espírita, Medrado aponta "hipervigilância" em acidente com irmãos

Publicado em 18/10/2013, às 18h18   Redação Bocão News (Twitter: @bocaonews)


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Desde que o caso da médica Kátia Vargas, de 45 anos, acusada de matar os irmãos Emanuel e Emanuelle, de 22 e 23, tomou a mídia, várias reflexões estão sendo feitas nas redes sociais. Uma delas é a do terapeuta Jordan Campos e a outra do líder religioso José Medrado. Ambos são reconhecidos pelo seu trabalho em Salvador; o primeiro na área de psicologia e o outro através da doutrina espírita. Ambos citaram o termo “hipervigilância” como possível causa do acidente provocado pela médica na última sexta-feira (11), em Ondina.

Vale ressaltar, que eles se eximem de qualquer julgamento, ainda que tenham despertado a ira de alguns, que os consideraram tendenciosos em suas opiniões. Fato mesmo é que os baianos estão cansados, irritados e inconscientes no trânsito caótico de Salvador, carente de políticas públicas que incentivem a educação. Neste momento, o que vale é se informar sobre e refletir. Por isso, selecionamentos para o público do Bocão News um dos textos de Jordan e um vídeo com a última palestra de Medrado na Cidade da Luz. Veja:


Uma outra visão da tragédia dos irmãos mortos. (Por Jordan Campos)
Você já ouviu falar em hipervigilância? Sabe o que significa? Vamos lá para entender isso e onde eu quero chegar. Hipervigilância é um estado físico com alto impacto emocional e sensorial causado por excesso de adrenalina circulante no organismo que não é anulada. Esta adrenalina em excesso é provocada principalmente por estresse e medo constantes. Quando ficamos adrenérgicos (hipervigilantes), nossos cinco sentidos e percepção psicológica têm o volume aumentado. Vou exemplificar. Suponha que você está andando na rua indo comprar pão e de repente um Pit Bull aparece na sua frente. Neste momento seu sistema nervoso autônomo libera uma alta carga de adrenalina no seu organismo para que você realize apenas duas coisas a escolher: enfrentar ou fugir do cão. Seus membros ganham fluxo de sangue rápido que sai das vísceras (daí o popular frio na barriga) e sua crença (o que você acredita que pode acontecer, ou por ter ouvido falar ou por ter visto) escolhe. Suponhamos que você escolhe fugir. Sai correndo e o cão atrás de você. Você corre como nunca antes correu e tem um muro na sua frente, de uma casa, e você que está acima do peso e não faz ginástica olímpica pula sem pestanejar e está a salvo do pit Bull que enfia o focinho no muro. Quando você cai do outro lado do muro seu corpo está com pressão elevada, altos batimentos cardíacos, temperatura alterada, pupilas um pouco dilatadas, respiração em hiperventilação. Até que alguém chega, vê a situação e lhe ampara. Te acalma e diz: “já passou, já passou, você está a salvo”. Te dá água, lhe manda respirar e sua crença atualiza para: “escapei”. Então para que você não tenha um ataque cardíaco em poucos instantes o corpo libera outras substâncias rapidamente para anular a adrenalina circulante, principalmente acetilcolina, e tudo volta ao normal. Ou seja, você entrou e saiu rápido do estado de vigilância. Mas o caso aqui é a hipervigilância, que ocorre quando as substâncias que deveriam atuar anulando a adrenalina não são disparadas porque NÃO há crença de que o PERIGO PASSOU. 
Vamos a outro exemplo para a coisa ficar bem didática: você aluga um filme de terror para assistir. Escolhe a noite para a sessão. O filme é forte e seu corpo entende que aquilo te assusta, que você corre certo perigo (quem pensa isso é o sistema autônomo), e libera adrenalina para que você enfrente ou fuja do que está acontecendo. Mas você nem desliga a TV ou entra no filme e mata o monstro (enfrentar), nem deixa o filme rolando na sala e vai fazer outra coisa (fugir). Então a adrenalina fica ali e você fica hipervigilante. E seus sentidos aumentam o volume. O filme acaba e você vai deitar. O que acontece? Você deita em hipervigilância e com a audição aumentada escuta barulhos estranhos (que todos os dias estão ali, mas você não escuta) e se assusta mais ainda. Aquele ventinho que todo dia passa pela sua perna e você nem sente, nesta noite, pelo seu tato estar aumentado parece uma mão passando em você... Pronto – terror noturno e uma noite em claro, até que um rivotril, maracujina, etc possam fazer o papel do enfrentar ou fugir que você não fez. No outro dia você fica sem energia, mas a rotina acaba lhe trazendo para o presente e tudo acaba normalizando.
Agora o fator social que vivemos. Ligamos a TV e vemos crimes, mortes, terrorismo, filhos matando pais, casas sendo invadidas, crianças e adultos sendo violentados, casas de show pegando fogo e matando a todos, motociclistas roubando carros, crimes bestiais... Todo mundo fala “cuidado, a cidade está perigosa”. “Feche o vidro, tranque a porta, não estamos seguros – a qualquer momento algo pode lhe acontecer” ... E liberamos adrenalina para enfrentar ou fugir disso, mas não conseguimos fazer nem uma coisa nem outra e viramos expectadores passivos da “nossa hora chegar”, e a adrenalina não vai embora e nos transformamos em hipervigilantes. Estouramos por qualquer coisa, vivemos nos assustando, estressados, nosso sono fica leve, ficamos um pouco melancólicos pela impotência em resolver este conflito. Ficamos fóbicos e em pânico por não termos mais o controle. Mais medo, medo, medo... Com os sentidos aumentados e hiperbolizados, nos transformamos em bombas prontas a explodir. Misture isso ao estresse do dia a dia, e isso vira quase atômico.
Orla de Salvador, Ondina. Testemunhas contam que uma moto com duas pessoas em cima é vista batendo no vidro de uma Esportage e uma discussão rápida a acontecer. Ninguém sabe o que de fato aconteceu neste momento, nem o que foi dito. As imagens seguintes mostram a moto em alta velocidade sendo seguida do carro, também em alta velocidade numa via de baixa velocidade. Logo em seguida o carro bate na moto que voa para o acostamento, e em seguida perde o controle e bate também. Infelizmente morrem os irmãos Emanuele e Emanuel. A médica Kátia Pereira viva, é removida ao hospital. Um clamor popular se acende. Tentar explicar e ponderar neste momento é complicadíssimo e mesmo com as imagens, talvez seja ainda prematuro tentar entender o todo. O que se sabe é que existe um crime tipificado pelas Leis do Brasil. Se o crime é doloso (intenção de matar) ou culposo (sem intenção de matar) só a justiça vai decidir. No clamor, todos vão obviamente defender as vidas que foram ceifadas e que jamais voltarão a estar com suas famílias e vão entender que foi intencional. Triste caso, horrível fim. Quem eram os hipervigilantes ali que hiperbolizaram o simples pelos seus medos e instintos adrenérgicos? 
- Quem dirigia a moto e foi tirar satisfação era o hipervigilante? 
- A médica que notadamente perseguiu a moto de acordo com as imagens era a hipervigilante? 
- Os dois?
Por que a moto corria tanto e por que a médica ia atrás? Ela, que tem ficha limpa, era conhecida por ser calma e uma pessoa normal de repente surtou e inventou de perseguir e matar duas pessoas em cima de uma moto? Eles, os irmãos mortos, gente do bem e de família sem passagem alguma também, fizeram alguma ameaça para serem perseguidos e aparentemente pisarem fundo na moto? 
No meu olhar terapêutico a única explicação foi o pico de adrenalina do momento que provocou um entorpecimento dos sentidos de ambos e uma reação desmedida por conta de crenças internas, medo, raiva e etc da médica. A hipervigilância foi a base da tragédia - a médica infelizmente, talvez tenha perdido o controle, mas acredito que friamente ela não teve condições de raciocinar que iria matar, não posso acreditar que ela quis matar racionalmente, embora seja isso que nossa justiça interna quer entender. Queremos reparo, queremos justiça para nós também - por estarmos nessa droga de hipervigilância em conjunto. A possível discussão no trânsito e o bater no vidro do carro foram a infeliz faísca que acionou instintos irracionais e automáticos de defesa, das duas partes, com base nas crenças sociais e individuais de cada qual ali presentes, e resultou em uma tragédia. Eu tenho uma filha, e nem sei o que faria se algo acontecesse assim. É agramatical e assustador pensar nisso. Alguém vai ter que pagar por isso, e será a médica, querendo ou não ela é a pessoa viva resultante deste evento. O que passou na cabeça dela e dos irmãos, e o que realmente aconteceu na mente de cada qual nunca vamos saber. Eu acredito que o ocorrido foi uma fatalidade culposa vitimada pela hipervigilância. Acredito... A não ser que tenhamos provas de que a médica tinha comportamento suspeito, surrava os filhos e a mãe, e tinha traços de psicopatia para entender que ela quis ali naquele momento adrenérgico realmente matar. Se for assim que ela mofe na cadeia, mas e se não for? Se o instinto da hipervigilância for uma das explicações para o fato? Difícil. 
Saldo da hipervigilância: Temos dois mortos. Uma médica ré primária. Um dos melhores advogados criminalistas do País contratado pela família da médica. Provas objetivas e situações subjetivas ainda a tentar encaixar. Temos o poder legislativo que mostra o que deve ser feito. Provavelmente a médica não será presa, responderá em liberdade, será perseguida, ultrajada, terá que mudar de cidade e tomar remédios para depressão por muito tempo e procurar um terapeuta que a faça compreender o que aconteceu. Teremos uma família e amigos com uma dor imensa que nada irá curar, apena o tempo a talvez amenizar. Por fim, nos resta uma reflexão profunda do momento de crise que vivemos, de caos na emoção, de hipervigilância... Que pode nos FAZER que provoquemos, sem querer ou premeditar reagir, tentado enfrentar ou fugir de algo, UMA TRAGÉDIA contra nós e todos. E vamos pagar por isso. Não estou aqui defendendo ninguém, nem acusando. Não sou legislador ou advogado. Minha intenção aqui no máximo é fazer refletir com um olhar terapêutico. Crimes devem ser punidos e dores consoladas.
Jordan Campos é terapeuta clínico e especialista em trauma e transtornos ansiosos.

Publicada no dia 17 de outubro de 2013, às 09h50

Classificação Indicativa: Livre

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