Política

Cesar Borges diz que João Bacelar pediu propina em contratos da Valec

Imagem Cesar Borges diz que João Bacelar pediu propina em contratos da Valec
Aumento do custo do Ministério do Transporte chamou a atenção de Dilma  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 28/07/2014, às 08h20   Redação Bocão News (Twitter: @bocaonews)


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Em junho de 2011, a presidente Dilma Rousseff reuniu alguns dos principais integrantes da cúpula do Ministério dos Transportes no Palácio do Planalto para passar-lhes uma descompostura daquelas de fazer tremer o chão. Recém-acomodada no gabinete mais importante da República, Dilma reclamou dos seguidos aumentos nos custos das obras de rodovias e ferrovias tocadas pelo ministério e, fazendo jus à fama de durona, soltou o verbo contra os responsáveis por gerenciar os contratos — todos eles ligados ao PR, o Partido da República, que ocupava a pasta na ocasião. "Vocês são inadministráveis e estão inviabilizando o meu governo", sentenciou. Era o primeiro ato da chamada "faxina ética", durante a qual a presidente demitiu seis ministros acusados de corrupção. O então titular dos Transportes, Alfredo Nascimento, inaugurou a lista após tornar-se público que a elevação dos custos das obras do ministério era, na verdade, uma maneira de bancar um esquema clandestino de arrecadação de propina controlado pelo PR: para conseguirem os contratos, os empreiteiros superfaturavam as obras e repassavam 4% do que ganhavam ao partido.
Três anos depois da faxina, o mesmo PR, presidido pelo mesmo Alfredo Nascimento enxotado lá atrás, segue firme e forte no comando do mesmo Ministério dos Transportes e envolvido nas mesmas tramóias. Diferente mesmo só a taxa de propina, que dobrou. Pouco antes de deixar o comando dos Transportes, no mês passado, o ministro César Borges recebeu em seu gabinete a visita do empreiteiro Djalma Diniz, dono da Pavotec Pavimentação e Terraplenagem. A empresa, com sede em Minas Gerais, tem contratos no Ministério dos Transportes que, somados, chegam perto de 2 bilhões de reais. O empreiteiro foi ao ministro reclamar que estava sofrendo pressão para repassar a deputados do PR uma parte de seus ganhos — mais especificamente, dos pagamentos relativos a dois contratos, um de 514 milhões e outro de 719 milhões, firmados no começo deste ano com a Valec, estatal encarregada de construir estradas de ferro. Djalma Diniz relatou em detalhes ao ministro o que classificava de achaque escancarado. Parlamentares exigiam dele parte dos lucros sob pena de rescisão dos contratos. Nas duas últimas semanas, com base em conversas gravadas, o episódio e seus desdobramentos foram reconstituídos. 
O autor da pressão, segundo o empreiteiro, era o deputado federal baiano João Carlos Bacelar Filho, um dos mais conhecidos expoentes da bancada do PR na Câmara dos Deputados. Foi o próprio ministro César Borges quem relatou a queixa do empreiteiro. Primeiro, a assessores e a políticos de sua confiança. "O dono da Pavotec me procurou no ministério para dizer que o deputado João Bacelar está cobrando dele uma participação nos contratos com a Valec", disse a um amigo. A cobrança, segundo o empreiteiro relatara ao ministro, era explícita: em troca dos contratos firmados, o deputado exigia uma participação nos pagamentos. Em outras palavras, propina. O parlamentar dizia falar em nome do PR — e ainda explicava o motivo da cobrança. Segundo ele, o partido ajudara a Pavotec a fechar os contratos no governo e, por isso, o dono da empreiteira tinha de repassar uma parte do valor. Era assim que funcionaria a partir daquele instante. O empreiteiro procurou o ministro para saber se Bacelar falava mesmo em nome do partido. Foi informado de que não, e se recusou a fazer o pagamento. Caso aparentemente encerrado — mas não para o deputado e seu grupo no PR.
João Bacelar passou a criticar o empreiteiro e a minar o ministro, seu desafeto político na Bahia. "Esse Djalma é um picareta. Nós conseguimos colocar a empresa dele na Valec, com contratos de mais de 1 bilhão; ele ficou de repassar uma parte de volta e não está cumprindo o combinado", queixou-se o deputado baiano a um parlamentar amigo. Nessa mesma conversa-desabafo, Bacelar deu detalhes do que, segundo ele, havia sido acertado com o empreiteiro. Diz o amigo dele: "Era coisa de 90 a 100 milhões de reais. O dinheiro seria repassado através de subcontratação de empresas". Está ai a inflação da propina: a taxa que em 2011 era de 4% agora passa dos 8%. A propina dobrou. Se de um lado Bacelar se queixava da suposta quebra de acordo, do outro o empreiteiro procurava o ministro César Borges para reclamar da pressão. A confusão estava feita.
Djalma Diniz negou ter recebido ajuda política para fechar os contratos, mas admitiu que, no começo, a direção da Valec duvidou da capacidade da Pavotec de executar as obras. No esforço para convencer a estatal e ganhar o serviço, o empreiteiro montou guarda em Brasília — e, embora negue, ele recorreu, sim, à ajuda de políticos. Além de bater à porta da Valec, teve encontros com parlamentares em um hotel da cidade e também nas dependências do Congresso Nacional. O deputado João Bacelar, justamente o que agora apresenta a fatura, era um de seus interlocutores frequentes. Por mais de uma vez, o empreiteiro e o deputado foram vistos em conversas reservadas, antes e depois de os contratos serem assinados — uma dessas conversas ocorreu numa sala de reuniões próxima ao plenário da Câmara dos Deputados. Com as coisas resolvidas na Valec, tudo corria às mil maravilhas. Djalma e João Bacelar pareciam amigos de infância.
Não é a primeira vez que Bacelar aparece em histórias de corrupção e desvio de dinheiro público. Há pouco menos de três anos, ele foi acusado de empregar funcionáros-fantasmas e destinava recursos federais a prefeituras baianas, que eram obrigadas a gastar verba contratando uma empreiteira de sua família. Além disso, o deputado presenteou com um apartamento um assessor do Palácio do Planalto que o ajudava liberando as emendas parlamentares que faziam o esquema funcionar. Bacelar é investigado em pelo menos dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Procurado, o deputado primeiro atacou o dono da Pavotec: "Esse Djalma é um chantagista". No dia seguinte, tentou voltar atrás: "Não posso dizer que o considero chantagista. Apenas o qualifiquei conforme ouvi em muitos boatos". Por último, o deputado acionou um advogado, que chegou a enviar um documento à Revista Veja ameaçando processar a revista caso a reportagem fosse publicada.
Djalma Diniz, por sua vez, só retornou o contato uma semana depois — ainda assim, apenas após a reportagem falar com outros envolvidos no episódio. Primeiro ele tentou negar que tivesse ido ao ministro César Borges queixar-se da cobrança de propina. "Não procede", repetia, sem dizer mais nada. Confrontado com os detalhes do caso, ele mudou a resposta. Disse que tem crises de amnésia: "Eu ando muito esquecido. Estou até com medo de estar com Alzheimer". Questionado sobre o motivo dos encontros com Bacelar em Brasília, o empresário deu outra explicação: "Ele estava me propondo um negócio numa pedreira que ele tem numa fazenda na Bahia". O ministro César Borges informou que não comentaria o caso. A interlocutores de sua confiança, contou que chegou a levar a queixa do empreiteiro ao conhecimento do Planalto. Segundo ele, lá foi orientado a não atender a pedidos de deputados da "quadrilha do PR". Por meio de sua assessoria, a presidente informou que desconhece o assunto e que, "se algum ministro relatasse algo neste teor, a orientação expressa do governo é encaminhar o caso à Polícia Federal, Ministério Público e órgãos de controle".
Embora seja filiado ao PR, César Borges não era propriamente cumpridor de uma das regras básicas do fisiolo-gismo, aquela em que partidos indicam ministros para que, uma vez no governo, eles possam atender a seus interesses. Rotineiramente, o ministro deixava de acolher pedidos que chegavam da bancada do PR no Congresso. Por isso, passou a ser alvejado pelos próprios correligionários, que exigiam sua saída. Dilma resistia. Repetia que César Borges vinha fazendo um bom trabalho e que não o tiraria da pasta de jeito nenhum. Na hora de definir a coligação para a reeleição, porém, ela de repente mudou de ideia. Temendo perder o apoio do PR, o que significaria perder também tempo de televisão na campanha eleitoral, a presidente acabou cedendo. E cedeu a legítimos representantes da facção que ela mesma teria chamado, dias antes, de "quadrilha do PR": a exigência de que Borges fosse substituído partiu do mensaleiro Valdemar Costa Neto, preso por ordem do Supremo Tribunal Federal e até hoje um dos próceres do partido. Como consolação, César Borges foi alojado na Secretaria de Portos. Na queda de braço, venceu a turma da propina — agora em dobro.
Fonte Revista Veja
Nota originalmente postada dia 27

Classificação Indicativa: Livre

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