Política

Cabral divide cela com ex-PM que escoltou traficantes

Publicado em 18/07/2017, às 06h31   Folhapress


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Às vésperas da instalação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na Rocinha, em 2011, o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), lamentou que a Justiça liberasse policiais presos por corrupção.
"Policiais são presos, respondem a processos e alguns juízes os liberam. Expulsar um policial de má conduta é uma dificuldade", disse, em 11 novembro daquele ano.
Dois dias antes, o ex-policial militar Flávio Mello dos Santos havia sido preso por, de acordo com a Justiça, organizar um comboio para a fuga de três traficantes da facção criminosa ADA (sigla para "Amigos dos Amigos") que estavam na Rocinha. Escapavam da iminente instalação da UPP no local.
A tornozeleira eletrônica que Santos carregava não o inibiu. O ex-PM executou o crime 22 dias após ter sido autorizado pela Justiça a cumprir pena em liberdade.
Três anos antes ele fora condenado por associação ao tráfico –motivo de sua expulsão da corporação–, em razão da Operação Morpheu, da Polícia Federal, que investigou o tráfico de drogas numa favela em Macaé, cidade do Norte Fluminense.
Detido pela PF, Flávio Mello foi levado ao presídio federal de Campo Grande. Lá permaneceu até início do ano passado, quando foi transferido para Bangu 8, na zona oeste do Rio.
Ali conheceria, em novembro, o ex-governador Sérgio Cabral, preso no âmbito da Operação Lava Jato.
Os dois dividem cela na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte da capital fluminense, para onde foram transferidos em maio.
A presença dele no espaço do ex-governador foi identificada em vistoria do Ministério Público do Rio.
O promotor Sauvei Lai apontou possível irregularidade, já que Santos não tem curso superior, requisito para ficar naquela galeria. A Secretaria de Administração Penitenciária afirma que cumpre determinação judicial.
O MP apura se Santos é uma espécie de segurança do peemedebista. A cadeia é também local de triagem de presos vinculados às três facções criminosas do Rio, que ficam em outra galeria no mesmo prédio.
O advogado Rodrigo Roca, que defende Cabral, afirma que a suspeita "é falsa".
"É preciso um raciocínio muito confuso e predisposto a maledicência para se construir uma história como essa. Por que o ex-governador precisaria de um segurança para se proteger de pessoas com as quais ele está preso, todas com diploma de nível superior e [presos por não pagar] pensão alimentícia. Ele estaria sob risco de quê?", afirmou Roca.
Cabral e Santos dividem com mais quatro detentos o espaço de 16 metros quadrados. No local há um ventilador, uma TV pequena, caixa de isopor com gelo e três beliches.
HOMEM 'PERIGOSO'
O homem que todas as noites dorme perto do ex-governador fluminense foi descrito como "perigoso" pelo juiz André Ramos, responsável pela sentença que o condenou a 19 anos e meio pelo caso da Rocinha. O magistrado se referia à ficha criminal do ex-PM.
A investigação da Operação Morpheu, de 2007, apontou que PMs recebiam propina para não combater o tráfico em Macaé, então comandado por Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, também da ADA. O envolvimento de Santos com a quadrilha, contundo, mostrou-se maior.
O ex-PM é acusado de ter assassinado, junto com outros dois homens a pedido do traficante, o então secretário municipal de Transporte de Macaé, Fernando Magalhães. A vítima foi atingida por nove dos 19 disparos efetuados contra o seu carro.
Após a operação em Macaé, Roupinol e comparsas se esconderam no morro do São Carlos, centro do Rio. Ele foi morto em 2010, numa operação policial.
Com a chegada da UPP no São Carlos, em maio de 2011, os criminosos que estavam ali foram para a Rocinha.
O comboio que Santos organizou, 22 dias após sair da prisão, tinha como objetivo tirar da favela da zona sul os traficantes Anderson Rosa, o "Coelho", chefe do tráfico do São Carlos, Sandro Luíz, o "Peixe", da quadrilha de Roupinol em Macaé, e Valquir dos Santos, o "Carré" da Rocinha.
No mesmo dia à noite, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico na Rocinha, seria preso também numa tentativa de fuga.
A reportagem tentou, sem sucesso, contato com a defesa do ex-policial militar.
À Justiça, ele disse que o comboio de quatro carros com dez pessoas, três fuzis, 11 pistolas e cinco granadas tinha como objetivo checar a informação sobre um possível paradeiro do arsenal da quadrilha de Nem.
"Flávio é incrivelmente dissimulado. [...] É persuasivo a falar e extremamente inteligente, bem como articulado, o que facilita a montagem de versões fantasiosas", escreveu o juiz Ramos. 

Classificação Indicativa: Livre

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