Política

Nogueira se apresenta como alternativa e critica atual "velha política"

Publicado em 30/08/2016, às 23h12   Tamirys Machado


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Candidato ao pleito municipal deste ano, pela primeira vez, Fábio Nogueira do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) é formado em sociologia, professor e escritor. Sua trajetória política é baseada na militância estudantil e no movimento negro. 
Ao Bocão News, o postulante à prefeitura de Salvador apresentou suas ideias sobre a capital baiana, criticou o modelo de cidade da atual gestão que, conforme ele “aprofunda o apartheid social”. Para ele, Neto , apesar de novo, faz a “velha política” em Salvador. Ele criticou ainda a “truculência usada nas votações da Câmara Municipal” e enfatizou que a atual gestão não trabalhou nas desigualdades sociais e raciais e no combate ao desemprego.
Fábio Nogueira é a favor da regulamentação do Uber e se apresenta como uma alternativa para Salvador. Sobre a política de arrecadação da cidade, o candidato afirmou que é necessário reestabelecer o pacto tributário e repreendeu a cobrança de taxas. Para ele, “a Transalvador virou um órgão de arrecadação e não de fiscalização”. 
Confira: 
Bocão News - O PSOL é um partido que não faz parte da base governista, mas se posicionou contra o impeachment e esteve em todas as manifestações. A oposição ao atual prefeito deve utilizar a estratégia de fortalecer a imagem de golpista de ACM Neto, você também vai usar essa estratégia e qual vai ser o tom da campanha? 
Fábio Nogueira - De fato o PSOL classifica o que aconteceu como um golpe, não se tratou de um processo de impeachment em que você tenha crime de responsabilidade. O impeachment é um instrumento utilizado quando há crime, não é o caso. Já foi provado. Não houve crime de responsabilidade que justificasse o afastamento da presidente da República. Nós somos oposição ao PT, oposição ao governo do estado da Bahia, somos o único partido independente na disputa eleitoral, pois não temos nem o apoio do governo do estado nem da prefeitura. E isso nos garante autonomia para governar. Isso nos diferencia da forma de governar de Rui Costa e Neto. Mas o PSOL é um partido de esquerda, tem como princípio a democracia e entende que é uma conquista, o voto popular é uma conquista. Então, o que estava em questão era a retirada do direito do povo de escolher seu representante. Defendíamos a continuidade do mandato da presidente Dilma e que em 2018 a população escolhesse o seu representante e não usar de uma estratagema política para retirar a presidente. Nesse sentido que nós nos opomos ao prefeito ACM Neto e entendemos como grave seu apoio a Temer e isso o coloca de fato como um dos apoiadores do golpe. Agora as nossas diferenças estão para além disso, são diferenças colocadas do ponto de vista do modelo de cidade que ele tem construído. É uma cidade excludente, desigual, não há democracia em Salvador. O prefeito governa escutando a sua base da Câmara [de vereadores], e no Brasil a gente sabe como se constrói a maioria [no parlamento], é na base de troca de favores, cargos, distribuição de secretarias, esse é um modelo que a população repudia. Mas o cidadão comum não participa da gestão de Salvador. Existe um modelo de cidade maquiada, que funciona pouco transparente e produz uma cidade desigual. O modelo de gestão de ACM Neto que nós nos opomos, para além do debate sobre o golpe. 
Bocão News - Você disse recentemente “vivemos em Salvador a velha política do apartheid social”, o porquê dessa afirmação? 
Fábio Nogueira - Ele se explicita da seguinte maneira, vamos pegar dois exemplos: a reforma do Mercado do Peixe. Boa parte das pessoas que moravam no Nordeste de Amaralina  frequentava o Mercado do Peixe e o prefeito fez uma nova licitação, reformou o que já estava reformado, caçou a licença dos permissionários e elitizou o mercado. Do ponto de vista de quem explora o espaço e também do acesso, porque não tem estacionamento. A cidade ficou mais cara e ao mesmo tempo campeã nacional do desemprego, torna, logo, uma cidade cada vez mais excludente. Então a população pobre, negra, não pode mais frequentar esses espaços. No caso da Lapa, a reforma era necessária, mas seus impactos sociais são desastrosos. Todos os trabalhadores ambulantes foram expulsos, colocaram empresas no lugar, gerou um desemprego enorme. Conversei com um pequeno comerciante que tinha um salão de beleza e ele me disse que foi obrigado a mandar embora o único funcionário que trabalhava com ele há 15 anos por conta de uma intervenção urbana que não levou em consideração as pessoas. Então porque não foi feita uma consulta das pessoas que moravam no entorno da Lapa? O prefeito ACM Neto tem que entender que uma reforma de um terminal de ônibus ou uma praça é um espaço vivo de sociabilidade, não é só uma obra de concreto armado no meio da cidade, então essa falta de diálogo faz com que as obras que são feitas leve muito mais em consideração o lucro do que as pessoas. Essa realidade vai se repetindo nos mercados municipais, como o de Cajazeiras que foi um desastre, boxes vazios, abandonados, comerciantes se negando a usar porque não tem clientela. O prefeito em nome de uma política de embelezamento criou uma política de taxas. Há uma cobrança de taxa abusiva e isso precisa ser revisto. Não passou pelo crivo da população. 
Bocão News - Você como prefeitura mudaria a política de arrecadação do município? 
Fábio Nogueira - Reestabelecer o pacto tributário e isso se faz com contribuintes. O prefeito estabeleceu um aumento dos impostos de maneira geral, as multas viraram receita da prefeitura, ao ponto de hoje chegar numa cifra de quase 70 milhões de reais e a Transalvador não é órgão de arrecadação, é de fiscalização e educação no trânsito. Então há uma mudança da função da Transalvador e é por isso que a cidade está ficando mais cara, fora as outras taxas se tornando cada vez mais excessivas e abusivas. Não se tocou no debate da dívida pública da prefeitura que continua intacta. Os grandes devedores não pagaram o que deve a grande Salvador. É necessário fazer um debate com a população, e pacto tributário é algo que depende da participação das pessoas. Um pacto que tem a progressividade como princípio e ao mesmo tempo fazer com que as pessoas que devem paguem aos cofres públicos aquilo que é de direito e com isso ter recursos necessários para investir com critérios, entendendo que é necessário fazer uma inversão de prioridade. Educação, saúde, cultura, transporte público são prioridades em uma gestão municipal e não podem ser apenas itens de um programa. Se faz obras, mas cuidar das pessoas não faz. 
Bocão News - Você falou muito de participação popular. O que pode ser feito para que as pessoas participem de todos os processos de decisão da cidade mas sem inviabilizar os processos? Como foi o caso da votação do PDDU que teve as audiências, mas no final foi aprovado o mesmo texto inicial, que a prefeitura queria.  
Fábio Nogueira - O que inviabiliza a gestão é a atual política. É a atual forma de governar. Governar com o povo não inviabiliza uma gestão. O problema é ter uma Câmara de Vereadores que constitui maioria a partir de troca de cargos, secretarias. O que acontece em Salvador não é diferente do que acontece na esfera estadual e federal e gerou o desastre do Eduardo Cunha, então temos que repensar o modelo de democracia e gestão, temos que pensar uma gestão participativa. Existem mecanismos que podem ser criados como plesbicito, referendo, eleição direta para subprefeito, orçamento participativo são formulas que já foram testadas e deram certo. Por exemplo, Luiza Erundina fez uma revolução em São Paulo quando foi prefeita e tinha minoria na Câmara de Vereadores e governou até o final do mandato. Mas, porque sua governabilidade se dava com o apoio da sociedade. A prefeitura precisa renovar a forma de governar. A cultura de participação que precisa ser construída em Salvador. Vai render frutos positivos. Nos EUA, ao mesmo tempo da votação farão plebiscitos sobre temas importantes. Porque não pode aproveitar o espaço do voto para opinar sobre temas importantes? Quando a gente fala de eleição direto para subprefeito aí perguntam se o prefeito do Psol vai dar posse a um subprefeito de outro partido, sim, vai. Porque a democracia não pode ser válida penas quando beneficia o meu partido, a democracia é um valor. Se não, abrimos margem para o que está acontecendo agora com o golpe, apoiado por partidos da direita conservadora. 
Bocão News - Você concorda com o PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano)
Fábio Nogueira - O caso do PDDU é emblemático. O prefeito só fez o processo de consulta porque é uma obrigação do estatuto da cidade, conquista dos movimentos sociais, se não, nem existiria. Fez uma consulta muito insuficiente, deveria passar por um amplo debate em todo os bairros de Salvador com assembleias populares. Não dá para você abrir a janela e ver uma ponte surgindo do nada sem você ter participado e opinado, isso tem reflexo na vida da gente. O que foi aprovado agora, a verticalização da orla, a Linha Viva, 18 praças de pedágios na cidade, um processo de adensamento urbano e populacional que vai causar um caos no trânsito, é de efeitos prejudiciais à população mas beneficia uma pequena minoria do capital imobiliário que é quem define as coisas na cidade, o prefeito precisa ouvir para além dos empresários, a população. 
Bocão News - Em relação a votação do projeto [PDDU] como avaliou a sessão de votação, marcada por brigas e confusões 
Fábio Nogueira - O processo se deu dessa forma justamente pela ausência de uma escuta democrática participativa. Não é a atoa que a votação foi algo extremante ruim para democracia, houve situações de agressões ao vereador Hilton Coelho do Psol, por vereadores da base de apoio do prefeito ACM Neto que mostra truculência, completo desapego à democracia como valor. Isso é a cara da velha política, nós queremos uma nova política, onde as pessoas possam participar e dizer o que pensa. O PDDU é o exemplo de como não se deve fazer o processo de consulta, se votou em ano eleitoral, a toque de caixa, e fica a pergunta, por quê? Poderia ter aprofundado mais o debate, mas a opção do prefeito não é pela população e sim pelos empresários. 
Bocão News - Qual avaliação que faz da gestão do prefeito?
Fábio Nogueira - O prefeito tem um projeto para a cidade de Salvador. Reorganizou a máquina municipal em torno de um projeto, então o debate não é sobre gestão. Quem é o gestor, porque nós também temos condições de governar e temos pessoas qualificadas junto aos movimentos sociais. O debate é sobre modelo de cidade, o modelo que ele [ACM Neto] construiu é um modelo maquiado, que investe em grandes obras que dão visibilidade e tem o efeito de aprofundar o apartheid social, ele não adotou políticas de combate a desigualdade social em uma cidade como Salvador que é profundamente desigual. Não adianta ter espaços urbanos com investimentos de milhões e a periferia abandonada, o transporte público em um dos mais caros e ineficientes do Brasil. Pegar ônibus em Salvador é um exercício de paciência e resistência. Não tem ônibus no horário, são lotados, desconfortáveis, o final de semana que tem o projeto Domingo é Meia eu chamo de Domingo é lenda porque você achar um é a coisa mais difícil. O empresário precisa participar da gestão, mas o cidadão também. Isso precisa ser revisto. A situação do abandono das UPAS, a completa despreocupação com a atenção básica na saúde, a educação que vai mal das pernas, tivemos greve de professores e o prefeito disse que ia cortar o ponto porque não negocia com grevista. Isso é a forma de resolver? Em pleno século XXI, diante de uma greve de servidores da educação, que é uma área estratégica e prioritária para qualquer projeto de desenvolvimento, ele dizer que não negocia com grevistas. É preciso repensar o modelo de gestão. A cidade de Salvador é de todos e todas, includente e não excludente.
Bocão News - É a primeira vez que você se candidata e nas últimas eleições o Psol  tentou com Hamilton e Hilton [hoje, vereador]. Porque você decidiu se colocar de cabeça nesse projeto já como prefeito e não tentou por exemplo uma vaga na Câmara? 
Fábio Nogueira - Foi uma indicação do Psol, eu comecei a militar muito cedo, aos 15 anos de idade em movimento estudantil, movimento negro, então tenho uma trajetória na militância. E eles indicaram meu nome principalmente por conta da militância no movimento negro, foi meu segundo nascimento. Em uma cidade como Salvador a gente entende a importância da questão racial. Agora mesmo o prefeito se auto declarou pardo, isso é um verdadeiro escárnio contra o movimento negro, principalmente partindo dele que é do DEM, partido que entrou com uma ação contra as cotas nas universidades, uma Adin [Ação Direta de Inconstitucionalidade] contra a titulação de terras quilombolas, o DEM tem um DNA das classes dominantes, da Casa Grande, então quando ele faz isso, faz demagogia com um tema que é caro a 80% da população de Salvador. 
Isso tudo fez com que o partido optasse por uma candidatura negra que tem a cara e a cor do povo de Salvador e tem um projeto voltado para as maiorias. Constituir uma alternativa que tenha a cara da diversidade de pessoas que formam a cidade. 
Bocão News - Como administrar apenas 18 segundos de tempo de televisão? 
Fábio Nogueira - A reforma eleitoral foi aprovada por Eduardo Cunha, é uma clara retaliação aos partidos ideológicos que sofreram com o que nós chamamos de Lei da Mordaça. Uma estratégia que nós adotamos são as redes sociais. Usar de muita criatividade, uma campanha curta, vamos para o corpo a corpo, criamos um aplicativo da campanha (Fabio 50), lá tem os jingles, propostas, agenda, o clip de Pedro Pondé, além disso tem uma ferramenta fundamental que é de denúncia. O STF proibiu o financiamento de campanha. Nós nos preocupamos com a compra de voto e caixa 2, então o cidadão que ver uma irregularidade pode gravar um vídeo e mandar pelo aplicativo que vamos encaminhar para a Justiça Eleitoral para fazer a fiscalização e garantir a lisura do processo democrático. Isso torna a campanha um pouco menos desigual. Contamos muito com a força da nossa militância, tenho certeza que absoluta que esse campo vai surpreender nas eleições de Salvador porque o sentimento de descontentamento é grande, a velha política precisa ser sacudida e as urnas são espaços importantes para isso. 
Bocão News - A gente vê um aumento da criminalidade na cidade e sabemos que a segurança pública é de responsabilidade do Governo do Estado. Mas como a prefeitura pode contribuir para a diminuição da criminalidade? 
Fábio Nogueira - Temos que entender que existe uma paradigma dominante de combate a violência baseado apenas na repressão como se fosse suficiente para resolver e não é. O Estado deveria assumir para si a atual política de guerra as drogas, a política vitima a população negra e pobre e não resolveu o problema dos usuários que têm dependência química, é um problema de saúde pública e o Estado precisa se unir a essa responsabilidade. O segundo ponto é a mudança do paradigma do conceito de polícia. Precisamos da desmilitarização da polícia, essa estrutura hierarquizada, baseada na repressão e não na prevenção não resolve o problema da violência e gera baixas tanto da população civil como dos próprios policiais militares. O problema da violência não se combate com mais violência, se combate com um conjunto de políticas públicas que redefine o que se entende do conceito de segurança pública, que é a preservação da vida enquanto um valor e não uma ideologia de guerra onde se tem baixas de um lado ou de outro. A atual política que o governador Rui Costa aprova é uma verdadeira tragédia que vitima a população e o policial. Precisamos mudar a forma de pensar. No caso da Guarda Municipal eu tenho uma preocupação porque pelo novo estatuto, as cidades com mais de 500 mil habitantes podem ter parte do efetivo armado. Só que hoje a situação da Guarda é preocupante, não tem nem sede. Então a forma como o prefeito conduz essas questões é temerária, ele não preparou a Guarda e trabalha com o mesmo paradigma de que tudo se resolve na base da repressão e na militarização. A Guarda Municipal pode ter um papel preventivo, educativo, porque segurança se faz de diversas maneiras e não apenas com o revólver. Não dá para desassociar a questão da violência do fato de Salvador ser a campeã nacional do desemprego. A taxa é absurda principalmente da população negra e jovem da periferia e qual foi a política da prefeitura para geração de emprego e renda para os jovens? Que iniciativa o poder público tomou para mudar essa realidade? Fica essa pergunta para o prefeito ACM Neto. 
Bocão News - Qual seu posicionamento em relação ao Uber, é contra ou a favor do funcionamento dele na cidade? 
Fábio Nogueira - O debate do Uber da forma como foi colocado é ruim porque ele não vai resolver o problema da mobilidade de Salvador. É um aplicativo de uma empresa estrangeira, não há uma regulamentação do ponto de vista trabalhista, algo preocupante. Deveria ter uma regulamentação do Uber. O que aconteceu foi um “liberou geral”, e os taxistas no geral foram prejudicados. Há uma concorrência desleal do Uber com os taxistas, acho que deveria regulamentar, proteger os taxistas criar mecanismos de compensação para ter uma concorrência menos desigual. Não adianta criar emprego de um lado e tirar do outro. Precisa dialogar e pensar na integralidade do sistema de transportes, mas não se pensa estrategicamente na mobilidade de Salvador. 

Classificação Indicativa: Livre

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