Política

S.O.S: Saúde de João Dourado na UTI

Publicado em 30/01/2015, às 09h18   Daniel Pinto - Sertão Baiano


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Após receber mais de 30 emails de moradores de João Dourado, no norte do estado, com graves denúncias sobre a má qualidade dos serviços oferecidos à população na área da Saúde, a reportagem do Sertão Baiano esteve na cidade, nesta quinta-feira (29), para visitar algumas unidades da Atenção Básica e o Hospital Municipal, responsável pelos atendimentos de urgência e emergência. Na Unidade Básica de Saúde da Família (UBS) Belarmina Nunes Dourado, Centro, os usuários denunciam a falta de material médico. “Minha mãe é diabética e hipertensa. Passou mal à noite: teve tontura, ânsia de vômito e fraqueza. Chegamos aqui e não tem nem uma fita para teste de glicemia. Disseram que teríamos que comprar”, desabafou Edinéia Pereira da Silva, filha da senhora Maria do Carmo, 58 anos.
Jesivaldo Dourado Miranda, 52, morador do bairro, ratifica a informação. “Trouxe minha mãe de 77 anos para fazer um curativo, tive que sair para comprar algodão, gases, atadura e até luva [descartável]. É um completo absurdo”, disse, em tom de revolta. Os dois acompanhantes fizeram questão de destacar que foram bem atendidos pelos funcionários, mas é nítida a falta de condições de trabalho. Com medo de represálias, ninguém da UBS quis falar com a reportagem. 
No Centro de Referência e Especialidades Médicas, a situação é deprimente: muro sujo, ferrugem no portão e o letreiro parcialmente caído causam a impressão de abandono. Mas, no local, funcionam o setor administrativo do Tratamento Fora de Domicílio (TFD), as Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica e são realizadas consultas de Cardiologia e Ginecologia, além de sessões com fisioterapeuta. Desde o último dia 8, o Centro de Referência está sem coordenador ou responsável, já que a diretoria está em licença maternidade e ninguém foi destacado para substituí-la.
Negligência / Descompromisso 
De acordo com funcionário - que, por segurança, pediu reserva de identidade - o serviço de fisioterapia tem sido realizado num espaço improvisado desde que o forro da sala desabou.  Apesar da reforma ter sido concluída em dezembro de 2014, é possível identificar fiação exposta, infiltração nas paredes e pisos desalinhados, o que coloca em risco à segurança de pacientes e profissionais. Ainda segundo a mesma fonte, o aparelho de infravermelho está quebrado. O equipamento é indicado para pacientes com lesões e tecidos moles para proporcionar alívio, aumentar a mobilidade articular e favorecer a regeneração.
Outro problema que acentua a negligência / descompromisso da gestão é o Disco de Equilíbrio Inflável, adquirido há seis meses, mas que segue guardado num armário porque falta a bomba de bico para enchimento.  Se estivesse em funcionamento, o disco seria ideal para estimular, massagear e melhorar a circulação sanguínea de homens e mulheres em tratamento.  Em outro espaço, reservado à Vigilância Epidemiológica, é possível identificar infiltração nas paredes, mofo, lixo acumulado, equipamentos danificados e materiais (a exemplo de kits coletores) acomodados no chão de forma inadequada. “A situação é de calamidade. O que tem sido feito com os recursos públicos?”, questionou a vereadora Rita Amaral (PT), que acompanhou o Sertão Baiano durante a inspeção.
Recepção usada como enfermaria
O “drama” se repete no Hospital Municipal Dr. Benedito Ney, localizado na Rua Santo Amaro, onde pacientes recebem soro e medicamentos na entrada da unidade. Francisco Chagas Lopes, 56 anos, veio do Povoado de Floresta com “dores no peito e formigamento no braço”. Entretanto, apesar do desconforto, foi medicado e teve que aguardar na recepção. “Pediram para ficar aqui e não me disseram mais nada. Pelo visto, não deve ter vaga”. Adonias Pereira dos Santos, de 66 anos - com tontura, indisposição e dor de cabeça - também foi atendido e estava em observação no local. Ele dividia o mesmo suporte de soro com Francisco de Assis, 70 anos, que sofre de demência e problemas renais.
“O atendimento é bom, o pessoal é legal, mas eles não distribuem remédio. Pra mim, que sou aposentado, esse é um grande transtorno: gasto R$ 490 por mês com medicação para o meu problema respiratório”, lamentou Sebastião Cândido Ramalho, 72 anos. Claudemiro Oliveira Carvalho, 52 anos, morador da Baixa das Cabaças, estava bastante preocupado porque não conseguiu realizar alguns exames no Hospital Benedito Ney. “Aqui não faz... Me mandaram para a clínica particular. Mas, como vou pagar por isso? Sou viúvo, tenho filho pequeno e, mesmo com desvio na coluna e problema renal, não consegui me aposentar”, afirmou enquanto mostrava as solicitações para hemograma, eletrocardiograma (ECG), ultrassonografia abdômen total, dentre outros.
Falta de Planejamento
A equipe do Sertão Baiano foi impedida de visitar as demais dependências da unidade, mesmo com a presença de uma vereadora, que tem a função de fiscalizar o Poder Executivo e acompanhar as ações da Administração Municipal para atestar o cumprimento da lei e a aplicação e gestão do erário público. O assunto foi levado ao conhecimento da secretária municipal de Saúde, Janete Cavalcante, que (primeiro) autorizou a entrada, depois disse que o “acesso às instalações internas respeitam um protocolo que não pode ser quebrado”.  Em conversa com a reportagem, a gestora alegou desconhecer a informação de que pacientes precisam levar material médico para as unidades de Saúde do município. “Pra nós, isso é novidade! O que acontece é que início de ano é sempre complicado, em função do aumento da demanda”.
Em seguida, Janete Cavalcante (no cargo há 13 anos) disse que uma licitação está em andamento para compra de material médico-hospitalar, mas que a demora na finalização do processo acontece por conta de entraves burocráticos e de ações na justiça por parte de empresas derrotadas. “Estamos começando uma nova jornada, renovando contratos, mudado de fornecedores. A gestão da Saúde é bastante complicada: os repasses e recursos disponíveis não são suficientes. Só para você ter ideia, no ano passado, investimos mais do que os 20% previsto em lei. Mas, a demanda é sempre maior... Apesar das dificuldades, estamos com médicos e enfermeiros em toda rede administrada pela Prefeitura e estamos construindo mais três Unidades Básicas de Saúde, sendo que uma delas é no bairro Belarmina Nunes Dourado”.
Conforme constatado in loco, a referida UBS (orçada em R$ 404.791,20) está inacabada, apesar da placa informar que a obra deveria ter sido concluída em 03/06/2014. Em relação à precariedade do Centro de Referência e Especialidades Médicas, a gestora admitiu que “algumas salas possuem problemas”. Entretanto, em conversa com o Sertão Baiano, disse que o contrato de aluguel não foi renovado e que a Secretaria de Saúde está em busca de um novo imóvel.
O que será deste povo sofrido?
“A secretária, coitada, não tem culpa. Os funcionários também fazem a parte deles, mas são vítimas de um sistema desumano. O que falta é planejamento, organização e a definição de prioridades por parte da administração Rui Dourado [prefeito]. Isso aqui é de cortar o coração”, disparou a vereadora Rita Amaral, que teme pelo fechamento do hospital. “Ouvi rumores de que isso pode acontecer. Mas, espero que não. Mesmo com toda precariedade, o que seria deste povo sofrido sem o Benedito Ney? Não quero nem imaginar um troço desses”.
De acordo com a parlamentar, os problemas apresentados na Saúde se multiplicam em todas as áreas de atuação do município e, por isso, ela e os vereadores João Romão (PT), Rosângela Cardoso (PSB), Marcos Paraná (PSD) e Maria Fernandes (PMDB - mesmo partido do prefeito Rui Dourado) vão intensificar o trabalho de fiscalização e encaminhar as possíveis irregularidades ao Ministério Público.
Publicada no dia 29 de janeiro de 2015, às 19h

Classificação Indicativa: Livre

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