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Estupros na Bahia: casos New Hit e Almiro Sena continuam sem resposta

Publicado em 29/05/2016, às 08h44   Juliana Nobre (@julianafrnobre)


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Se em 2015 a Bahia registrou 2.549 casos de estupro, de 2012 para cá 11.929 pessoas foram vítimas em todo o Estado, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). Dois casos também chamaram a atenção dos baianos nos anos de 2012 e 2014: nove integrantes da banda de pagode New Hit foram acusados de estupro a duas adolescentes (15 e 16 anos, na época) dentro do ônibus de viagem dos garotos, em 2012; o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, Almiro Sena, foi acusado de assediar sexualmente e moralmente servidoras da pasta. Assim como muitos desses mais de 11 mil casos, os envolvidos continuam soltos.
Casos
Em maio do ano passado, a juíza Márcia Simões Costa, da Vara Crime de Ruy Barbosa, publicou a sentença do processo que envolve os integrantes da banda New Hit. Alan Aragão Trigueiros, Carlos Frederico Santos de Aragão, Edson Bomfim Berhends Santos, Eduardo Martins Daltro de Castro Sobrinho, Guilherme Augusto Campos Silva, Jefferson Pinto dos Santos, Jhon Ghendow de Souza Silva, Michel Melo de Almeida, Wenslen Danilo Borges Lopes e Willian Ricardo de Farias foram condenados, cada um deles, a 11 anos e oito meses de reclusão. O regime de cumprimento da pena para todos os acusados deverá ser inicialmente fechado.
Segundo a sentença, "os acusados se encontram em liberdade, tendo acorrido a todos os chamamentos que a eles foram endereçados, razão pela qual, à míngua dos motivos autorizadores da custódia cautelar, concedo-lhes a benesse de aguardarem em liberdade o trânsito em julgado da sentença".
Durante o processo, além das duas vítimas e dez acusados, foram ouvidas 12 testemunhas arroladas pela acusação, por meio do Ministério Público, e 53 testemunhas de defesa.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, na madrugada do dia 26 de agosto de 2012, no centro da cidade, eles teriam abusado "sexualmente das adolescentes Vitória e Vanessa, ambas de 16 (dezesseis) anos de idade, à época dos fatos, com elas praticando, mediante extrema violência, por repetidas vezes e em alternância, conjunção carnal e atos libidinosos diversos, em razão do que foram presos em flagrante". 
Entretanto, após a juíza publicar a sentença do processo que envolve os integrantes da banda New Hit, um dos advogados do grupo, Rogério Mattos, concedeu entrevista ao site Bocão News, na época. Mesmo com a decisão que condena, cada um dos 11 envolvidos a 11 anos de prisão, Mattos explica que cabe recurso e que, por isso, todos os integrantes continuarão em liberdade. "Respeito a sentença, porém não concordo com os termos dela. O próximo passo será submeter a sentença à apreciação do Tribunal de Justiça via recurso de apelação, que é o julgamento acerca da sentença por um grupo de desembargadores", explicou.
Ainda conforme o advogado, os integrantes continuam em liberdade "porque não existe o trânsito em julgado, que ocorre quando não cabe mais recurso. Neste caso, há ainda mais duas instâncias à recorrer, caso o TJ mantenha a decisão", afirma.
Já as acusações de assédio moral e sexual contra o promotor e ex-secretário de Justiça da Bahia, Almiro Sena, vão ganhar novos rumos no ambiente jurídico. O Conselho Nacional do Ministério Público (MP) avocou, em março, o processo administrativo que já se encontra em tramitação no Conselho.  

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, suspendeu em decisão liminar (provisória) o julgamento do promotor afastado Almiro Sena, que é acusado de assediar sexualmente servidoras da Secretaria de Justiça, Cidadania, quando era titular da pasta.
A defesa de Almiro Sena impetrou habeas corpus pedindo o trancamento do processo, sustentando que houve violação às garantias de foro por prerrogativa de função, ampla defesa e contraditório. Argumenta ainda que o promotor afastado foi impedido de participar da colheita dos depoimentos na fase pré-processual.
Até a análise destes argumentos apresentados pela defesa,  o julgamento sobre a acusação de assédio sexual está suspenso. A advogada das vítimas, Maria Cristina, criticou a determinação da Suprema Corte. “Mais uma medida da defesa para procrastinar a decisão, para não chegarmos a uma decisão condenatória. A consequência disso será a prescrição. O advogado diz que não, mas por que tantos recursos?”, questionou.
O caso se arrasta desde maio de 2014, quando o Bocão News publicou, com exclusividade, os documentos que comprovavam uma denúncia feita por servidoras da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia (SJCDH).
No documento, as supostas vítimas relataram que "lamentavelmente formulamos a seguinte denúncia, contra todos os acontecimentos ocorridos nos últimos tempos na Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia, um dos últimos locais onde imagina os acontecimentos narrados nos relatos em anexo" (veja abaixo a denúncia).
Ainda no documento, as denunciantes pediam socorro para que os acontecimentos descritos não caíssem no esquecimento. "Assim como se fala por aí que já existem outras denúncias e que o secretário de Justiça e Promotor, Almiro Sena, usou de sua "influência" para arquivar tais processos".
Políticas públicas
Para a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara de Vereadores de Salvador, Aladilce Souza (PCdoB), a morosidade da Justiça reforça a cultura machista e patriarcal. “A lentidão nos julgamentos mostra à sociedade a impunidade. Por um lado reforça a cultura machista e patriarcal, coloca a vítima como culpada. A situação chegou a um ponto tão grave que é preciso criar ações direcionadas para combater o estupro. Esses casos foram a gota d´água”, afirmou.
A deputada Luiza Maia (PT), que acompanha diretamente com sua assessoria jurídica os casos das servidoras envolvidas e das adolescentes reforça a dificuldade da punição. “Uma pessoa com prestígio, como o promotor Almiro Sena envolvido neste caso, é lamentável conseguir protelar desta forma. O problema é que a sociedade ainda vê a mulher como propriedade do homem. E ainda temos projetos no Congresso Nacional que reforçam essa cultura”, pontuou.
De acordo com a deputada, uma das adolescentes envolvidas no caso New Hit precisou mudar-se para São Paulo. A outra mora no município baiano de Itaberaba e desistiu até dos estudos. “Ela ficou com vergonha de ir para a escola. Está cheia de traumas, com dificuldades de relacionamento. Por trás disso ainda tem aqueles que dizem que a culpa é sempre da mulher. Um absurdo”, contou.
Segundo a vereadora, a comissão vem promovendo com o Ministério Público Estadual a criação de um observatório dos casos, para serem acompanhados de perto a resolução deles. Para a deputada é preciso ampliar os equipamentos, com mais ações específicas e mais recursos para a Secretaria de Políticas para as Mulheres. “A presidente Dilma criou a Casa das Mulheres, com psicólogos, advogados, assistentes sociais para facilitar o trâmite. Além disso é preciso ampliar as Deams [Delegacia Especial de Atenção à Mulher]. A medida que se tem mais, é possível reverter essa cultura machista”, registrou.
Delegacias
Dos 417 municípios baianos, existem apenas 15 delegacias especialistas em crimes contra as mulheres. São duas na capital baiana e mais duas para a Região Metropolitana de Salvador. Ao Bocão News, a titular da Deam em Brotas, delegada Helenice Nascimento, disse que a maior dificuldade encontrada ainda é o medo da exposição. A delegada afirma que a identidade da vítima é preservada e mostra a importância dos registros. “Uma ação conjunta entre as Deams, o MP [Ministério Público], a secretaria e varas divulgam o empoderamento da mulher. O que é muito importante para reforçar a importância dos registros. Contudo, o medo ainda predomina, principalmente quando o agressor é o marido. Em alguns casos, elas mesmas dificultam a abordagem. Em outros casos, a mulher se sente insegura perante a sociedade, até mesmo com outras mulheres. Temos feito um trabalho disciplinar, com uma grande equipe, que acolhe essas mulheres e dá prosseguimento aos casos”, explica.
Ao chegarem nas delegacias especializadas, as vítimas são atendidas, primeiramente, por uma equipe de psicólogos e assistentes sociais. Depois é encaminhada para exames médicos no Instituto Nina Rodrigues, ou locais similares no interior do estado. De lá pode ser levada para abrigos ou casa de familiares. Ainda segundo a delegada, os indiciamentos dos agressores podem durar de 10 a 30 dias. “É um tempo recorde. Quando o agressor é conhecido, como vizinhos ou parentes, logo pedimos a prisão em flagrante. Quando não é conhecido, passa-se a um retrato falado e inicia a investigação”, explica.
Helenice Nascimento reforça que é preciso ainda mais políticas públicas. “Precisamos sempre melhorar, desenvolver novas técnicas. O avanço já foi muito grande, percorrendo uma linha segura, mas precisamos do fortalecimento dessas ações”, propõe.
Casas de apoio
Em Salvador, dois locais acolhiam homens e mulheres vítimas de violência sexual. Era o Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, mais conhecido como Projeto Viver, mantido pela Secretaria da Segurança Pública do Estado. No entanto, apenas um, atualmente, está em funcionamento, localizado no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. O projeto no bairro de Periperi foi fechado, já que falta profissionais capacitados para os atendimentos.
O projeto foi criado em 2001, dispondo de um quadro de médicos, advogados, assistentes sociais e psicólogos para alcançar todos os motivos causadores do abuso sexual. Até 2015, os centros acolheram 11.271 pessoas.
Em 2015, foram 369 mulheres no local, em sua maioria na faixa etária de 12 a 15 anos, caracterizando 217 casos de estupro de vulnerável. A maioria dos autores do crime são os pais das vítimas, seguidos dos vizinhos. Dos 432 casos registrados no local, 160 foram direcionados
à Delegacia Especial de Crime Contra a Criança e Adolescente. O maior número de vítimas veio de Cruz das Almas, Praia do Forte e Santo Amaro.
Segundo a vereadora Aladilce, o secretário de Segurança Pública, Maurício Barbosa, confirmou uma autorização para contratar profissionais, via Regime Especial de Direito Administrativo (Reda), para reabrir o projeto no bairro de Periperi.
Educação nas escolas
Recentemente, o Governo do Estado passou por uma polêmica ao tentar implantar o Plano Estadual de Educação na Assembleia Legislativa da Bahia. Os termos “gênero” e “diversidade sexual” geraram confusão nos parlamentares, ao entenderem erroneamente que a intenção era
“ensinar sexo às crianças”. Com isso, o debate de igualdade entre homens e mulheres foi retirado das escolas. As parlamentares reprovaram a ação e reforçaram que a violência contra a mulher somente será combatida com o debate nas escolas.
“A escola é um ambiente de informação. Perdemos a oportunidade de levar isso às crianças, de aprenderem desde cedo que precisam respeitar homens e mulheres igualmente”, disse Luiza Maia. “Aprovamos um requerimento na Câmara de Salvador para trazer esse debate ao plano 
municipal de educação. Será um debate conjunto entre as comissões da Mulher, de Educação e da Reparação na Casa”, afirmou Aladilce Souza.
Colaborou a jornalista Caroline Gois.

Classificação Indicativa: Livre

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