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Real volta a se desvalorizar por causa de eleições

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Uma desvalorização expressiva do real frente ao dólar tendo como principal causa as eleições era algo que não ocorria desde o pleito de 2002  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 26/08/2018, às 14h16   Agência Brasil



As primeiras pesquisas eleitorais depois do registro das candidaturas à Presidência da República geraram turbulência no mercado financeiro na última semana. O dólar comercial fechou a semana cotado a R$ 4,104 na venda com alta acumulada de 4,85%.

É a terceira semana consecutiva que a moeda norte-americana sobe frente ao real, chegando a patamares de novembro de 2016, quando a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos havia provocado uma tensão na economia mundial. 

Uma desvalorização expressiva do real frente ao dólar tendo como principal causa as eleições era algo que não ocorria desde o pleito de 2002, vencido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o país até 2010.

"Em 2002, foi a última vez que o dólar se valorizou fortemente frente ao real em decorrência das eleições, mas os efeitos daquela época foram bem piores", afirma Fábio Bentes, chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Para ele, se trouxesse a desvalorização de 16 anos atrás para os dias atuais, o dólar estaria valendo cerca de R$ 7. "A desvalorização é bem menor no atual ciclo eleitoral do que em 2002", pontua. 

O economista da Órama Investimentos e professor do Ibmec, Alexandre Espírito Santo, explicou que há uma tendência de valorização mundial do dólar, mas “o pulo dos últimos dias é por conta da apreensão em relação ao processo eleitoral”. A incerteza eleitoral também está pressionando a taxa de juros, que, num cenário pessimista, poderia voltar a subir antes do previsto. Atualmente, a Selic está em 6,5% ao ano e a previsão do mercado financeiro, na pesquisa do BC, era que voltasse a subir somente em 2019, fechando período em 8% ao ano.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil em São Paulo também apontam o quadro eleitoral, associado à crise da Turquia com os Estados Unidos, como fatores para alta da moeda americana. 

O professor Fernando Botelho, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), Botelho não acredita que esse movimento especulativo do mercado possa interferir nas eleições. “Tem pouco efeito. O eleitor brasileiro, uma boa parte dele, não vai ser imediatamente afetado por esse aumento no dólar (...);  não imagino que a inflação vá aumentar significativamente nos próximos dias”, avaliou.  

Segundo ele, há um clima de muito expectativa em relação ao próximo presidente. “A situação do Brasil é muito frágil, muito sensível, espera-se muito que o presidente eleito dê conta de diversos problemas começando já em janeiro. Infelizmente não se tem muito essa perspectiva”, diz o professor, que é favorável às reformas como a da Previdência.

Reformas - Para o economista Alexandre Espírito Santo, a apreensão ocorre porque não se sabe como o próximo presidente vai fazer as reformas da Previdência e tributária e organizar as contas públicas. “Todos eles falam de reformas.

O problema é como vai conduzir a reforma. Alguns dizem que vão zerar o déficit fiscal em um ano e outros, em dois. É muito difícil zerar o déficit até em quatro anos. Então fica um pouco aquele discurso da boa intenção, mas tem a contraparte dessa história que é como fazer”, disse Espírito Santo.

O economista lembra que o próximo ano será “desafiador” para o futuro presidente que terá de lidar com o teto de gastos públicos e regra de ouro (que proíbe o governo de se endividar para financiar gastos correntes), sem margem para aumentar as despesas discricionárias.

Espírito Santo acrescenta que o futuro presidente pode ter também dificuldades para aprovar reformas no Congresso Nacional.

“Tão importante quanto à eleição para presidente, é a eleição para as casas – Câmara e Senado. Vai ter que governar inicialmente com a força da urna. Mas como com 30% a 40% das pessoas votando em branco ou nulo? Sem Congresso aliado, vai ter que fazer muita política, negociar”, disse.

No caso da reforma tributária, a dificuldade pode vir dos governos estaduais. “Tem muitos governos estaduais quebrados. Além do Rio, temos Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Como esses governos vão aceitar a reforma tributária, com perda de arrecadação? Não adianta fazer só a reforma da Previdência, tem que fazer a reforma tributária. Será muito difícil sobretudo se forem de partidos adversários”, destacou.

Efeito nos preços - No dia a dia das pessoas, a alta do dólar tem como principal consequência a pressão inflacionária sobre diversos produtos e serviços.

"Um dos efeitos mais conhecidos na cesta básica é o aumento no preço do pão e todos os produtos derivados do trigo, como massas em geral, já que metade dessa matéria-prima no país é importada", explica o professor Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).  

Uma outra consequência é que, com o real mais barato para quem compra do Brasil lá fora, há uma tendência de maior exportação de produtos primários, como commodities agrícolas e carnes, o que pode gerar um efeito de menor oferta no país, com potencial aumento de preços no mercado doméstico. "Vale lembrar, por outro lado, que esse repasse não é imediato, tem toda a questão de estoques, leva tempo para se refletir nos preços", pondera Sampaio.  

O setor de combustíveis, que é base para toda a logística da economia, também sofre o impacto da desvalorização cambial, já que os preços do produto estão atrelados ao dólar.

"A gente viu o que aconteceu com a política de preços da Petrobras, afetada pelo dólar, e que levou à greve dos caminhoneiros. Além disso, todo o comércio que tem componentes importados, eletroeletrônicos e parte dos eletrodomésticos e do setor automotivo sofrem pressão inflacionária com a alta do dólar", destaca Fábio Bentes, chefe da Divisão Econômica da CNC.

De acordo com o economista, no entanto, o efeito da alta do dólar nas últimas semanas não deve ser o mesmo ocorrido em 2002, quando o varejo foi fortemente impactado. "Em 2003, o comércio caiu cerca de 4% no varejo, por causa da alta do dólar na época. Esse ano o setor vai subir, mesmo com o cenário de desvalorização cambial, as vendas devem aumentar cerca de 4,5%", projeta. 

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