Denúncia

Paciente portadora de obesidade mórbida faz graves denúncias contra Unimed e Instituto Arara Azul: "um muquifo"

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Instituto Arara Azul é alvo de uma série de denúncias de funcionamento irregular e falta de estrutura para atender aos pacientes  |   Bnews - Divulgação BNews // TJ-BA
Rafael Albuquerque

por Rafael Albuquerque

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Publicado em 13/09/2023, às 10h00



Uma paciente que foi internada no Instituto Arara Azul, clínica que se autodenomina especialista em tratamento contra obesidade mórbida, tem enfrentado diversas adversidades. Ela acionou o plano de saúde Central Nacional Unimed na Justiça para que cumpra a liminar deferida anteriormente, redirecionando-a para um local adequado.


O BNews teve acesso ao processo da paciente, que optou por não ser identificada por medo de represálias. No documento, o advogado da reclamante solicita a "adoção de medidas urgentes para descartar definitivamente a indicação do Instituto Arara Azul para realização do procedimento médico, solicitando a internação em um estabelecimento médico hospitalar, especializado que possua as condições técnicas, físicas e estruturais mínimas para realização do tratamento".

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O processo, que tramita na 4ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, detalha que a Central Nacional Unimed, apesar de ciente de que "o instituto Arara Azul não possui a mínima condição técnica, física e sanitária estrutural para oferecer o referido tratamento de longo prazo sob supervisão de uma equipe médica multidisciplinar especializada, insistiu em proporcionar o tratamento menos oneroso à segurada, que é de péssima qualidade, colocando em risco a vida da paciente, como será demonstrado a seguir".


Uma decisão liminar, inclusive, já havia determinado que o plano de saúde autorizasse o início do tratamento "para obesidade mórbida em regime de internação em clínica especializada". A paciente e seu advogado tentaram convencer o plano a proceder com a internação em outra instituição, mas a Central Nacional Unimed manteve sua decisão, complicando a situação da paciente.


Diante da grave condição de obesidade mórbida, suas comorbidades e da urgência do tratamento, a paciente não teve alternativa senão visitar o Instituto Arara Azul em 04/08/2023, mesmo com a indicação de um estabelecimento inadequado e irregular para realização do tratamento, um impasse criado pela Central Unimed.


Conforme consta nos autos, ela "imediatamente percebeu que a mencionada clínica enfrenta inúmeros problemas técnicos, físicos, estruturais e administrativos, além da falta de um corpo clínico médico e de profissionais especializados disponíveis em tempo integral para o acompanhamento dos pacientes, que atualmente são apenas três e são acomodados em cinco quartos coletivos".


Rapidamente, a paciente constatou que o Instituto Arara Azul "não é de fato uma clínica médica ou hospitalar, mas sim uma casa residencial mal adaptada para o exercício irregular da atividade médica a que se propõe. Um muquifo. Um local insalubre e inapropriado para a internação de pacientes por períodos prolongados, especialmente sem a assistência de profissionais médicos especializados".


O advogado incluiu no processo uma carta recebida da paciente, na qual ela relata vários transtornos e sofrimentos vivenciados desde o início de sua internação no Instituto Arara Azul:


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Em um dos trechos, a reclamante faz uma revelação alarmante: "Tive dois episódios de mal-estar; em um deles, minha glicemia estava em 72 e, na mesma semana, quase desmaiei na academia, sendo necessário o uso de um litro de soro que me foi administrado no pátio da instituição. Nesse dia, fiquei recostada em uma espécie de poltrona que fica no pátio, e tenho registros disso".


Há várias fotos anexadas ao processo que ilustram a inadequação da estrutura da casa para funcionar como um hospital. Também foi anexado um vídeo no qual a reclamante mostra as condições às quais foi submetida após passar mal no Instituto Arara Azul:


A ação também registra reclamações quanto à mobilidade e acesso dentro do Instituto Arara Azul. O advogado menciona que pacientes com obesidade extrema e dificuldades de locomoção não têm acesso a adaptações adequadas na estrutura da casa, incluindo camas, portas, bancos e outros espaços.

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"Nada disso existe nesta casa adaptada. Nos primeiros dias de internação, a paciente escorregou no piso escorregadio da piscina, que é impróprio para indivíduos com obesidade mórbida, lesionou o joelho e ficou praticamente uma semana sem poder andar". Isso ocorreu principalmente porque o piso da piscina é escorregadio e inapropriado, e as intensas chuvas que ocorreram na cidade facilitaram o acidente. Vejam o piso da piscina e a borda de mármore: é quase certo que um paciente com obesidade extrema irá cair ao tentar se equilibrar", consta na ação.


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Até mesmo a medicação fornecida no Instituto Arara Azul é de amostra grátis, evidenciando a falta de recursos administrativos e técnicos da clínica, conforme consta no processo.

Na ação, datada de 07/09/2023, o advogado da paciente solicita que a Justiça "autorize a internação da paciente em outra instituição médica credenciada e especializada ou, na ausência de opções credenciadas, que permita a internação no Hospital da Obesidade LTDA., conforme determinado na decisão do agravo (acórdão) e que foi ignorado pelo plano de saúde".


Enquanto a Central Nacional Unimed não cumpre corretamente a decisão judicial, a paciente tem enfrentado diversos problemas, incluindo complicações psicológicas, por estar internada em uma clínica sem a devida estrutura.

AÇÕES DE DESPEJO

Em junho deste ano, a juíza Íris Cristina Pita Seixas Teixeira, da 2ª Vara de Feitos de Relações de Consumo Cível e Comerciais de Camaçari, ordenou o despejo, por inadimplência, do Instituto Arara Azul. Localizado no Condomínio Busca Vida, na orla de Camaçari, o estabelecimento é voltado para o tratamento de casos de obesidade e em fevereiro deste ano chegou a ser interditado por falta de alvará de funcionamento. 

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A Empreendimentos Agropecuários e Obras S.A cobra o pagamento de três meses de aluguel. Alega ter firmado contrato de locação com o instituto em abril de 2021, com prazo de vigência até 31 de dezembro de 2023, no valor mensal de R$ 6.000,00. 

A denunciante afirma que o a locatária vem atuando de forma irregular, diferentemente da finalidade contratual, que é para fins estritamente residenciais, conforme documento abaixo:


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Além dos problemas citados acima, a companhia afirma que o locatário deixou de pagar o aluguel e encargos, acumulando débito no valor de mais de R$ 26.000, referente a IPTU, SPU, diferença de aluguel mensal após reajuste contratual, além multa contratual de R$ 11.950,26, correspondente a três aluguéis. 


ACUSAÇÃO

O advogado Roberto Silva, que defende os interesses da paciente, explicou o contexto da ação movida contra a Central Nacional Unimed: “A ação foi movida contra a proposta contra a Central Nacional Unimed em razão de o plano negar cobertura assistencial médica de internamento de paciente portador de obesidade mórbida grau 3 em clínica médica especializada sob acompanhamento médico multidisciplinar. Diante da negativa, propusemos esta ação e obtivemos uma liminar determinando que o plano de saúde arcasse com o custo do procedimento em uma clínica médica credenciada ou, na inexistência desta, que autorizasse o início do tratamento no Hospital da Obesidade”. 


Segundo o advogado, o plano de saúde indicou, no processo, o Instituto Arara Azul, localizado em Busca Vida, como clínica credenciada. E ressaltou: “Na realidade não é clínica credenciada ao plano, mas ele indicou para fins de cumprimento da liminar. Nem eu nem minha cliente conhecia o instituto. Fomos procurar na internet informações sobre o mesmo, e nos deparamos com uma série de denúncias e reportagens sobre o instituto, inclusive questionando regularização fiscal e autorizações técnicas, sanitárias e médicas para seu funcionamento”.


Roberto Silva sugeriu a sua cliente que ela “registrasse todas as deficiências estruturais para agente apresentar ao juízo e pedir a ele que não mais reconhecesse essa clínica como apta para tratamento”. O advogado se diz bastante preocupado com a situação da clínica que, inclusive, “enfrenta ação de despejo por parte do proprietário do imóvel e por parte do condomínio. Esse conjunto gera uma situação terrível para o paciente”,

RESPONSABILIZAÇÃO SANITÁRIA, FISCAL, CIVIL E PENAL

O advogado Leonardo Machado, especialista em Direito Empresarial, falou sobre os sansões que podem ser aplicadas a uma clínica médica sem autorização legal, que podem ser de ordem sanitária, fiscal, civil e penal. 


“A Anvisa pode proceder com a interdição da clínica, o cancelamento de autorização de funcionamento e com a autuação e aplicação das penalidades previstas em lei (artigo 7º, incisos XIV, XVI e XXIV da Lei nº 9.782/99). Além das sanções sanitárias, o cadastro incorreto de clínica médica junto ao CNAE (Simples Nacional, Lucro Presumido, Lucro Real etc.) implica no inadequado enquadramento tributário, o que impõe, sem prejuízo das demais penalidades previstas em lei, a responsabilização fiscal, sendo diversas as sanções que podem ser aplicadas pelos órgãos e entidades que compõe o Fisco (Receita Federal, Secretarias Fazendárias, Procuradorias, Tribunais de Contas, Polícia Civil e Federal)”.


Além disso, no tocante às sanções civis, ao paciente, que de alguma forma for lesado por clínica médica que se encontra ilegal, é possível o ajuizamento de ação indenizatória ou de responsabilidade civil, informa o advogado: “Além disso, a saúde (artigos 6º e 196 da Constituição Federal) e a proteção do consumidor (artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V da Constituição Federal e artigo 40 do ADCT) são direitos coletivos, sendo cabível Ação Civil Pública para a tutela desses direitos (art. 1º, incisos I, IV e V da Lei nº 7.347/85), cuja legitimidade ativa é conferida no artigo 5º da Lei nº 7.347/85)”.


O uso irregular do CNAE pode configurar alguns crimes previstos no Código Penal e em legislação especial. “São eles: exercício ilegal da medicina (artigo 282 do Código Penal), falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal), estelionato (artigo 171 do Código Penal) e crimes financeiros, tais como sonegação fiscal (artigo 1º da Lei nº 4.729/65), crime contra a ordem tributária e/ou apropriação indevida de tributo ou contribuição social (artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90) e lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98)”, destaca Leonardo Machado.


O advogado também alertou de que forma os pacientes podem agir caso se sintam lesados: “é possível proceder com denúncia por meio dos canais oficiais dos órgãos sanitários (Anvisa), fiscais (Receita Federal, Secretarias e Procuradorias Fazendárias etc.), dos conselhos de classe (Conselho Regional de Medicina) e da Polícia Civil;  ações indenizatórias e de responsabilidade civil; denúncia ao Ministério Público para instauração de inquérito e propositura de ação penal e ação civil pública”.


Por fim, caso o paciente tenha contratado plano de saúde e venha sofrer algum dano, também é possível buscar a responsabilidade civil da operadora da operadora: “Isso porque, segundo o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a operadora de plano de saúde é solidariamente responsável pelos danos decorrentes da falha ou erro na prestação de serviços por estabelecimento ou médico conveniado. A obrigação de indenizar do plano de saúde decorre da culpa in eligendo, isto é, por escolher mal os seus prepostos, empregados, representantes, conveniados etc., nos termos do que dispõe o artigo 932, inciso III do Código Civil”.

O QUE DIZEM OS CITADOS

Recentemente, David Vazquez Jacob, dono do Instituto Arara Azul, se pronunciou em entrevista ao BNews: "Fazemos parte da rede credenciada da CASSI para pacientes com pedido jurídico, conforme indicação da operadora. Segue anexo documentos comprobatórios do nosso funcionamento lícito. Seus documentos estão desatualizados. Possuímos sim capacidade e autorização de internação de pacientes. Nosso tratamento é individualizado e com número reduzido de pacientes, inclusive com excelentes resultados".

A Unimed Nacional informou ao BNews que "possui uma rede credenciada qualificada apta ao tratamento de pacientes com obesidade, colocando à disposição especialistas em diversas áreas relacionadas a esse segmento, como nutricionistas, psicólogos, endocrinologistas, entre outros. No caso em questão, a beneficiária acionou a Justiça para obter atendimento em uma Clínica não credenciada especializada em emagrecimento, serviço este não previsto na cobertura contratual. Inicialmente, o juiz indeferiu a liminar para o custeio de tratamento em rede não credenciada ao produto e plano contratado com essa operadora, a decisão foi alterada em sede de recurso e autorizou o atendimento pleiteado, porém em estabelecimento parceiro da Unimed Nacional. Desde então, a Unimed vem cumprindo a decisão de acordo com os termos estabelecidos. Por fim, esclarece que segue critérios rigorosos de elegibilidade na escolha dos prestadores que atendem seus beneficiários".

Classificação Indicativa: Livre

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