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Tragédia no RS: é ilegal sempre só correr atrás do prejuízo

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O momento é de solidariedade, cuidados aos afetados, unidade e reconstrução, mas, também de refletir e extrair as respostas e soluções para que o impacto de eventos climáticos extremos  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 07/05/2024, às 16h26   *Georges Humbert



O país – em especial o povo gaúcho - está afetado pelo grave desastre ambiental causado pelo evento climático extremo de fortes chuvas, que inundou grande para do território do Rio Grande do Sul. Vítimas fatais, histórias e dignidade humana destroçadas, um rastro de lama, dor, prejuízos materiais e imateriais incalculáveis. O momento é de solidariedade, cuidados aos afetados, unidade e reconstrução, mas, também de refletir e extrair as respostas e soluções para que o impacto de eventos climáticos extremos.

Diversas são as manifestações técnicas, políticas e jurídicas sobre as duvidosas causas e consequências desta tragédia. A Ministra do Meio Ambiente, por exemplo, de logo se arvorou em anunciar, sem base científica, que a culpa seria um tal de “apagão ambiental do governo Bolsonaro”. De tudo que vem sendo noticiado, entendemos que a racionalidade, não politização, a ciência e mudanças nas políticas públicas precisam nortear, de logo e com resultados propositivos, as ações de estado, das instituições e dos cidadãos.

Em um primeiro plano, ao ensejo dos reflexos não podemos nos furtar a noção de que, a despeito da relevância do aspecto natural e ecossistemas, no caso não se pode olvidar que o impacto ambiental se estendeu às variáveis humanas (para alguns artificiais) e culturais – essa, diga-se é uma questão comum aos danos ao meio ambiente, mas nem sempre adequadamente tratada. Com efeito, além dos prejuízos à fauna, flora, aos recursos hídricos e outros bens ambientais de igual estirpe, a necessidade de reconstrução e relocação das pessoas atingidas à moradia, escola, saneamento e acesso a outros equipamentos e serviços públicos essenciais à sadia e digna qualidade de vida, não podem ficar em segundo plano. Como não pode também ser desprezado o elo cultural destas pessoas com os locais atingidos, mantendo-se suas tradições, história, costumes e vocações. Isto não é uma questão lateral ou subsidiária, mas sim uma obrigação constitucional como parte integrante do próprio conteúdo jurídico da expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225) e do princípio normativo da sustentabilidade, na sua equação de soma entre social, econômico e ecológico (arts. 6°, 170, 225 e outros).

Demais disso, lançamos as seguintes reflexões: o problema ambiental, no Brasil e no mundo, não é derivado das leis ou dos instrumentos, mas da má aplicação destes. E nem se resolve via poder de polícia, disciplinar ou sancionador (multas, prisão, embargos, licenciamento). Ora, a partir do princípio jurídico da preservação e proteção ambiental (art. 225), impõe-se a todos sob a jurisdição brasileira agir sempre baseado nas regras de prevenção e da precaução, sendo esta uma qualificação do dever de eficiência (art. 37) que deve nortear a administração pública. Assim, não podemos admitir ações que não sejam planejadas, açodadas, aleatórias, ou posteriores aos danos ambientais.

Com estes pressupostos, deve-se entender por prevenção a norma de direito ambiental que atrai para ordem jurídica da tutela do meio ambiente o valor que importa a todos, especialmente ao Poder Público, o dever agir de modo prévio, com controle, fiscalização, exigência de estudos, medidas mitigadoras de impacto, compensação, ao se decidir o exercício de atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de degradação do meio ambiente.

Ocorre que, por estes pressupostos e para evitar ou minimizar riscos e impactos ambientais, devemos, sobretudo, dispor onde podem e devem ser realizadas determinadas atividades e empreendimentos, mediante ato normativo, do legislativo e, quando necessário, ato regulamentar do executivo, em caráter geral e abstrato, em detrimento do casuísmo e improviso que é a nossa realidade aqui vivenciada. Para impedir ou diminuir as chances de ocorrências trágicas em eventos climáticos extremos, já há leis, na esfera nacional, dos estados e municipal, indicando as áreas de risco, plano de emergência, de evacuação e respectiva dotação orçamentária. Contudo, vigora o ilegal improviso da gestão pública, ano após ano, eventos climáticos extremos geram tragédias fatais, em diversas regiões do país, pois que não há planejamento, prevenção e orçamento específico.

É preciso verificar se os sistemas de controle e monitoramento existem ou falharam e abrir um processo administrativo para apurar se houve culpa de agentes públicos ou falta de infraestrutura de fiscalização e ações preventivas e emergenciais. É preciso ter e cumprir planos nacionais, estaduais e municipais de ordenação e zoneamento do território e mapeamento das áreas mais vulneráveis e quais remédios adotar em caso de dano. Assim, não há que se alarmar o combate às mudanças climáticas e o aquecimento global como a premissa maior para conter eventos naturais extremos e, a partir disso, exigir medidas repressivas, limitadoras, e/ou isoladas, que restrinjam o progresso social, o desenvolvimento econômico, o combate a fome e a justa geração e distribuição das riquezas para a erradicação da pobreza. 

Qualquer análise extremista e bivalente não é adequada e capaz de apresentar soluções para temas complexos como este. Notadamente em matéria de d sustentabilidade, que envolve conteúdos multifacetados, de ordem ecológica, econômica e social. O centro do debate não pode gravitar em torno de polarização, ideologia e extremismo. Nem o alarmismo e nem o negacionismo climático e ambiental. Segundo a ciência, os Eventos extremos e mudanças climáticas existem no Planeta Terra, desde antes a presença do homem. E vão a continuar a ocorrer - em maior ou menor intensidade média, independente da vontade humana. 

É preciso, mais do que isso, é obrigação constitucional e legal, o cumprimento, a execução, a prática de medidas de planejamento, prevenção, mitigação e reparação. Parte da solução passa pelos vetores da educação ambiental, planejamento urbano e concertação do pacto federativo, com a concretização do fortalecimento e protagonismo municipal determinado, desde 1988, mas até então não realizado, seja pela questão orçamentária, seja pela incorreta percepção de hierarquia e dependência (que é legalmente inexistente) entre União, Estados e Municípios. De todo modo, certo que é inadmissível e ilícito o Poder Público, que tanto arrecada e deve zelar pela coletividade, depender de ações destas e se limitar, sempre, em cenários como este, à adoção medidas paliativas, compensatórias e emergenciais, apenas depois de o caos já está instalado, com improviso e correndo atrás do prejuízo.

*Georges Humbert é advogado, professor, doutor, pós-doutor e mestre em direito sustentabilidade e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades).

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