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Saúde Versus Economia: Uma Falsa Oposição

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Bnews - Divulgação

Publicado em 08/04/2020, às 10h21   Graça Druck e Luiz Filgueiras



O mundo vive hoje, com a pandemia do Coronavírus, uma guerra e o Brasil faz parte dela. Mas, diferentemente dos demais países, temos a presença entre nós de um “5ª coluna”, que trabalha aberta, cínica e descaradamente para derrotar-nos. E esse inimigo da nação é claramente identificado e conhecido de todos nós, tem nome e endereço certo: chama-se Jair Bolsonaro e tem residência no Palácio do Planalto.

Como já é sabido por todos minimamente informados, Bolsonaro não disfarça suas intenções: quer implantar uma ditadura neofascista no país, fechando o Congresso Nacional, extinguindo os partidos políticos, avassalando o Poder Judiciário e controlando todas as instâncias da vida social. As suas ações, desde sempre, mesmo antes de chegar à Presidência da República, são reiteradamente direcionadas para atingir esse objetivo.

Na guerra que o mundo trava hoje contra o Coronavírus, Bolsonaro se destaca negativamente, mesmo entre os seus colegas neofascistas chefes de Estado de vários países, por se contrapor, solitariamente (até mesmo em relação ao seu líder Donald Trump), às orientações e recomendações de todas as Instituições científicas, médicas e de saúde internacionais e nacionais - destoando completamente, pelo seu discurso e comportamento, do que vem sendo dito e feito em relação ao combate à pandemia. Em especial, se opondo à necessidade de isolamento social (quarentena) como condição fundamental para restringir e limitar a difusão da doença - tendo em vista o que aconteceu e está acontecendo com a China, a Itália, a Espanha e, agora, os EUA.

O “5ª coluna” age através de um governo paralelo, que mina, desacredita e desmoraliza as iniciativas e recomendações de seu “próprio governo” (Ministério da Saúde). Enquanto este se alinha às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e segue as diretrizes mais gerais que vêm sendo praticadas em todo mundo, o governo paralelo - capitaneado por Bolsonaro, seu filhos e suas milícias digitais -, sem nenhum amparo médico-científico, age criminosamente para sabotar suas iniciativas, em particular, a recomendação básica de isolamento social – condição fundamental para que o sistema de saúde não entre em colapso.

Contrapondo falsamente “economia versus saúde” das pessoas, Bolsonaro age aterrorizando a população com o fantasma do desemprego e a paralisia das atividades econômicas, decorrentes do isolamento social, destacando o que seria a sua consequência óbvia: a ausência de rendimentos e a impossibilidade das famílias se sustentarem e sobreviverem. O alvo é, principalmente, a grande massa de trabalhadores que vive na informalidade: autônomos, conta-própria, microempresários e afins.

Mas este é um problema que está presente em todos os países, uns mais outros menos, e que está sendo resolvido com políticas públicas, por parte do Estado, que viabilizam renda para a população que deve ficar reclusa (trabalhadores informais e assalariados de setores não essenciais), ao mesmo tempo em que garantem a sobrevivência das empresas: renda mínima, crédito, suspensão de dívidas e pagamentos de serviços básicos (luz e água, por exemplo) etc. Como em todas as crises, o Estado é, mais uma vez, o último bastião do capitalismo. Portanto, não há contraposição entre garantir renda e sobrevivência das famílias, de um lado, e cuidar da saúde da população, de outro. Mas, para isso, é necessário deixar o Estado agir e exercer a sua função clássica, contracíclica, como nas grandes crises do capitalismo de 1929 e 2008.

No caso do Brasil, há três caminhos, não excludentes, para fortalecer o Estado e possibilitar o exercício de sua função contracíclica: 1- suspender o pagamento dos juros e das amortizações da dívida pública, pelo menos enquanto persistir a crise do Coronavírus; 2- suspender a Emenda Constitucional que prevê o congelamento, em termos reais, dos gastos sociais do Governo Federal por vinte anos; e, 3- regulamentar e aplicar o imposto sobre as grandes fortunas previsto na Constituição. Essas medidas dariam ao Estado a capacidade de gasto necessária para o enfrentamento da pandemia.

Assim, não há mistério em compatibilizar sobrevivência das famílias, em especial as de menor renda, e defesa e preservação da saúde da população. E, mais do que isso, as atividades essenciais que nunca deverão parar – produção e comércio de alimentos e outros produtos essenciais, assim como transporte e distribuição -, serão sustentadas pelo consumo das famílias, reduzindo o impacto recessivo da crise. Portanto, a solução é uma só: tirar poder aquisitivo de quem tem de mais e que, por isso, não gasta e direcioná-lo para quem tem de menos e que, inevitavelmente, gastará estimulando a economia. Com isso compatibiliza-se, ao mesmo tempo, saúde, economia e justiça social.
 Mas Bolsonaro não está preocupado com nada disso. O seu objetivo é o de criar instabilidade política e um ambiente belicoso e caótico, que contribua e, no limite permita, a execução de um golpe de Estado, por dentro ou por fora das Instituições democráticas. Ele identificou na pandemia do Coronavírus uma oportunidade inesperada para o seu desatino. Na verdade, Bolsonaro, desde que galgou a Presidência da República, não governou, de fato, o país em momento algum; as reformas neoliberais que interessam às classes dominantes foram tocadas por Paulo Guedes e Rodrigo Maia. A sua condição de Presidente da República, para além de iniciativas e escaramuças setoriais protagonizadas pela “guerra cultural” típica do fascismo, está a serviço de seu objetivo fundamental: implantar uma ditadura neofascista no país. 

Para todas as forças e sujeitos políticos relevantes, da direita à esquerda do espectro político, a situação já está muito evidente. Por isso, as reações contra Bolsonaro tornaram-se mais fortes: de declarações e notas de repúdio e ações na Justiça impedindo pontualmente seus desvarios mais escabrosos, evoluiu-se para uma articulação de governadores e prefeitos, que rejeitam explicitamente o seu comando e as suas diretrizes para o combate à pandemia. Como consequência, Bolsonaro está cada vez mais isolado, Institucionalmente, na sociedade civil (reiterados panelaços). Mas isso ainda é insuficiente para contê-lo.

Bolsonaro está utilizando o seu cargo e recursos do Estado para sabotar e desmoralizar as políticas de combate à pandemia do Coronavírus, mobilizando seguidores para derrubar a recomendação de isolamento social e, com isso, criar confusão e caos no país. Com esse objetivo, produziu uma peça de propaganda contra a quarentena e está acusando os governadores de mentirem sobre o número de mortes resultantes da pandemia. Está atentando contra a vida de milhões de brasileiros de forma explícita, criminosamente - exigindo uma mudança de posição do seu Ministro da Saúde e, agora, ameaçando-o de demissão; tudo isso sem qualquer apoio médico-científico.
Dado esse quadro, cabe a pergunta: os outros poderes da República (Congresso Nacional e o STF), as forças políticas democráticas e os seus partidos políticos (da direita à esquerda) e as inúmeras organizações da sociedade civil estão esperando o quê? Estão esperando a morte de milhares de brasileiros e/ou o fascista, arrivista e psicopata escolher o melhor momento para executar o seu golpe de Estado? A história não perdoará essa complacência e covardia frente ao neofascismo. A hora é agora: Bolsonaro e os neofascistas têm que ser parados, com ou sem impeachment. A tragédia está anunciada; posteriormente, ninguém poderá dizer que desconhecia as circunstâncias ou que foi pego de surpresa.


Luiz Filgueiras - Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA. Pesquisador na área de Economia Política, Desenvolvimento e Economia brasileira
Graça Druck - Professora titular da Faculdade de Filosofia e C. Humanas/UFBA

Classificação Indicativa: Livre

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