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Presidente da Associação dos Magistrados aponta judiciário baiano sucateado

Imagem Presidente da Associação dos Magistrados aponta judiciário baiano sucateado
O sucateamento do Poder Judiciário baiano foi o tema principal desta entrevista com o a juíza Marielza Brandão, atual presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab). Há sete meses à frente da entidade, a magistrada aponta os principais problemas sofridos pela categoria: precariedade na estrutura administrativa, grande volume de processos, falta de estagiários e  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 03/09/2014, às 00h00   Juliana Nobre


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O sucateamento do Poder Judiciário baiano foi o tema principal desta entrevista com o a juíza Marielza Brandão, atual presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab). Há sete meses à frente da entidade, a magistrada aponta os principais problemas sofridos pela categoria: precariedade na estrutura administrativa, grande volume de processos, falta de estagiários e servidores, segurança do magistrado e a dificuldade em dialogar com o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Eserval Rocha.

O sucateamento do Poder Judiciário baiano foi o tema principal desta entrevista com o a juíza Marielza Brandão, atual presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab). Há sete meses à frente da entidade, a magistrada aponta os principais problemas sofridos pela categoria: precariedade na estrutura administrativa, grande volume de processos, falta de estagiários e servidores, segurança do magistrado e a dificuldade em dialogar com o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Eserval Rocha.

Leia a íntegra da entrevista.

Bocão News - Marielza, você estará à frente da associação pelo biênio 2014-2016 e disse que iria trabalha com foco na democratização do Poder Judiciário, em eleições diretas para a escolha dos dirigentes, ampliação da campanha sobre o judiciário estadual nos meios de comunicação e no reconhecimento dos direitos e prerrogativas da magistratura. O que você já conseguiu implementar nesses primeiros meses?

Marielza Brandão - Em relação à democratização do Poder Judiciário entregamos ao presidente do Tribunal de Justiça, em conjunto com a OAB, pedindo para que o pleno do tribunal mudasse o seu regimento para aceitar que os juízes participem das eleições para escolha da próxima mesa do tribunal, mas o presidente ainda não colocou em pauta a apreciação essa reivindicação. Em relação à aproximação dos magistrados com a sociedade, criamos uma campanha ‘Questão de Justiça’ e conseguimos atingir uma grande parte da sociedade veiculada nos meios de comunicação. Ela tem repercussão muito grande, porque cidadão está começando a perceber o papel do magistrado e quais as dificuldades para julgar com rapidez. Isso fez com que a população sentisse que não é responsabilidade do magistrado a morosidade do Judiciário e por conta da sobrecarga muito grande de processos e não ter condições eficientes e eficazes de trabalho.

BNews - Outro ponto que a senhora garantiu ao assumir é que recuperaria as perdas salarias da categoria.

MB – Essa é uma reivindicação que estamos trabalhando a nível nacional. Está sendo votado no Senado a PEC 63 que reestabelece o adicional por tempo de serviço. O juiz hoje estando com 10 ou 20 anos de serviço trabalhando na mesma entrância recebe o mesmo salário. Então, não é justo hoje que um juiz venha para a capital e receba o mesmo salário de um juiz que está na capital trabalhando há 20, 30 anos. Esse adicional é um estímulo ao magistrado


BNews - Diante de um salário mínimo para o trabalhador que não chega à R$ 800, o que seria um salário justo para os juízes, que ultrapassa os R$ 20 mil?

 MB – O que ultrapassa os 20 mil reais é o salário bruto. Quando tira todos os encargos, o salário líquido fica em torno de 14 mil reais. Para que se possa julgar, um concurso público, tem que passar cinco anos na universidade. Há um investimento nas mensalidades, nos livros. Depois que graduado tem que esperar três anos para fazer concurso público e ter idade mínima de 25 anos. Além disso, tem uma função que traz muitas limitações porque não pode exercer nenhuma outra atividade. Não pode ter nenhuma empresa privada, nem ser sócio e nenhum outro tipo de atividade. O papel do magistrado na sociedade é de agente de poder. Ele tem a reponsabilidade de processos de grande envergadura e de nível econômico. Para que o juiz possa julgar com parcialidade e com tranquilidade ele precisa ter um suporte financeiro e ter seus direitos de cidadão reconhecidos. Pois ele não pode fazer mais nada, ele é um assalariado. O juiz precisa ter uma remuneração digna.

BNews – A senhora falou sobre o relacionamento com a sociedade. As pessoas estão um pouco discreto até com o Judiciário. Dentre essas ações tem alguma específica de aproximação com a sociedade?

 MB – Além dessa campanha que fizemos, onde a sociedade conheceu qual é o papel do magistrado e os problemas para julgar com rapidez, no interior, os juízes tem feito encontros abertos para que a população possa participar. Festejamos o dia do magistrado, com evento aberto. Temos um painel colocado no frente ao Fórum Ruy Barbosa que faz um retrato da justiça baiana e as dificuldades, do problema com a segurança. É um outro ponto que temos muita dificuldade. No interior, muitos fóruns estão sendo arrombados, outros incendiados e algumas casas de juízes foram alvejadas por tiros. O magistrado está exposto a situações de ricos por, muitas vezes, estar julgando bandidos e de alta periculosidade ou processos de muito interesse econômico.


BNews – Já existe alguma ação específica para garantir a segurança do magistrado?

MB – o Tribunal de Justiça criou uma comissão de segurança e a associação também tem uma comissão. Temos tentado encontrar medidas para essa situação. Mas o que percebemos é que essa comissão tem sido muito mais de acolher o magistrado quando já aconteceu o fato do que prevenir situações. A nossa proposta é que o tribunal crie um projeto que vise prevenir situações de riscos e segurança do fórum.

BNews – Quantos casos neste sentido acontecem na Bahia?

MB – Temos bastante casos. Em Formosa do Rio Preto, o juiz teve a casa alvejada. Dez fóruns arrombados nos últimos oito meses. E tudo isso deixa o magistrado bastante inseguro na sua função de trabalho.

BNews - Como a senhora avalia a gestão do desembargador Eserval Rocha?

MB – Sempre temos dito que acreditamos que o desembargador é bem intencionada, inclusive, aplaudimos várias medidas moralizadoras tomadas por ele no início da gestão. O que criticamos é que ele ao assumir disse que faria uma gestão participativa, ouvindo juízes e servidores. No entanto, isso não ocorre na prática. A gestão não dialoga com a comunidade jurídica, nem com outros atores jurídicos. Isso dificulta nas medidas que ele quer implementar pois não democratiza o processo de gestão. Isso faz com que haja uma perplexidade de todos aqueles que sofrem na ponta com a falta de diálogo. E, em nome dessa moralização que ele quer fazer, acabou prejudicando alguns serviços essenciais, como por exemplo, a forma de recrutamento dos estagiários não era a mais adequada. Estamos há oito meses da gestão dele e os estagiários ainda não foram contratados. Ele anunciou a seleção para agosto e por problemas terminou sendo anulada. Essa suspensão do contrato dos estagiários desde janeiro atrapalha o serviço, pois se não temos servidores, insuficiente para cumprir os atos processuais, e sem estagiários, que de certa forma, cumpre essa necessidade, termina com que a situação fique mais precária. Por exemplo, no ano passado, um juiz de vara cível dava em média de 83 sentenças de mérito por mês. Esse ano, por conta da perda dos estagiários, já abaixou para 50%.

 BNews - Na Bahia existe uma grande crítica em relação a quantidade de processos que tramita em todas as instâncias, o que acaba acarretando na ineficiência do trabalho do magistrado. O que fazer para mudar essa situação?

MB – Outra situação muito grave é a questão do sistema. O instrumento principal do juiz hoje é totalmente deficitário. Há quatro sistemas funcionando na Justiça da Bahia. Tem o Saipro, o Projudi, o e-SAJ e agora o CNJ ofereceu o PJE. Se você não tem um sistema eficiente, que toda hora cai, às vezes o juiz está no meio de uma peça processual e de repente perde tudo, ou no meio de uma audiência, o sistema cai e você perde todos os depoimentos. Tudo isso atrasa.

BNews – Mas para dar celeridade aos processos é só modernizar um sistema? O que mais precisa ser feito?

MB – Também temos o problema seríssimo de falta de servidores. Temos uma defasagem de quase 10 mil servidores porque há quase 10 anos não temos concurso público. Várias unidades que deveriam ter 15 servidores possuem apenas dois ou três. Temos turnos de 10 horas e os servidores tem carga horária de seis. A situação é extremamente precária. Precisa de concurso público, de um sistema eficiente. Precisa voltar os olhos para os assistentes de juízes. Na Bahia, temos 586 juízes, um terço deles ainda não possuem assessores.

BNews – O problema aumenta quando se vai para o interior e municípios menores.

MB – Exatamente, em municípios menores os juízes fazem clínica geral. Embora se tenha processos, hipoteticamente, de menor complexidade, mas ele tem o volume de ações muito maior. Ele atua no cível, no criminal, na infância de juventude, e ele tem que ter uma gama de conhecimento que acaba atrasando o julgamento dos processos.

BNews - A senhora é favor do Conselho Nacional de Justiça? A senhora disse que o conselho extrapola ao interferir nas decisões de juízes.

MB – Ele tem os prós e os contras. O Conselho foi criado para fiscalizar a atuação dos tribunais no ponto de vista administrativo, disciplinar dos desembargadores e juízes. E muitas vezes ele extrapola essa função e interfere em decisões judiciais e quer punir o juiz por dar determinada decisão. O CNJ não pode interferir nas decisões. Tem recursos próprios para que aquela liminar considerada injusta, e não questionar administrativamente uma decisão judicial.

BNews – Mas essa interferência não é devido ao aumento da corrupção dentro do Judiciário?

MB – O conselho deve investigar se há corrupção do juiz ou se há algum outro tipo de falha funcional, mas não interferir nas decisões judiciais. Ele tem que interferir nas práticas que o juiz exerce, se teve algum tipo de prática que vá de encontro com a Lei Orgânica da Magistratura.  

BNews - O ex-ministro Joaquim Barbosa chegou a dizer que no TJ Bahia havia indícios gravíssimos de corrupção, e o tribunal baiano é visto como um dos piores do país neste sentido. Como a senhora avalia o caso de pagamento inflacionado de precatórios pela juíza Telma Britto e a conduta de Mário Hirs?

MB – Não conhece o processo. Até então sempre tínhamos uma visão dos dois desembargadores como pessoas honestas e que desenvolviam suas atividades com retidão. E queremos acreditar que eles são pessoas que tem esse perfil porque até agora, houve o afastamento preventivo para investigação, mas ainda não se tem nenhuma notícia de que essas denúncias sejam verdadeiras. A presunção de inocência é sempre direito do cidadão. E até o momento não se pode dizer que qualquer um deles tenha cometido desvio de função.

BNews - A candidata ao Senado, ex-ministra do STJ, Eliana Calmon, falou em entrevista ao Bocão News que a ‘corrupção generalizada instalada na política nacional reflete no Judiciário’ e que ‘o Judiciário sempre esteve de mãos dadas com o poder’. A senhora concorda com isso?

MB – Quando se fala em corrupção precisa ter muito cuidado. A presunção de inocência é um direito constitucional. Todas as pessoas investigadas não significa que sejam culpadas, significa que há uma denúncia e após a coleta de provas essas pessoas podem ser culpadas ou não. Obviamente que não podemos dizer que não existe corrupção na política ou no judiciário e nem na iniciativa privada. No meu discurso de posse, eu disse que existe bandido de toga, de jaleco branco, de farda, existe em todas as categorias. O que precisamos perceber é que existe mecanismo para evitar que haja corrupção. E a magistratura é uma das categorias que há mais controle. Porque os controles da atividade dos magistrados são muito rígidos. Primeiro, todos os atos praticados por magistrados são publicados. Quando publicados são sujeitos a recurso. Além disso, temos a Ouvidoria da Justiça, as Corregedorias e a Corregedoria Nacional. Há um controle muito grande. O magistrado está como se estivesse em um Big Brother. Ele está sendo vigiado no trabalho e na vida pessoal. E ainda são poucos. No Brasil há em torno de 18 mil.

BNews – Quantos magistrados há na Bahia?

MB – São 586 juízes e 49 desembargadores para analisarem só no primeiro grau mais de quatro milhões de processos e no segundo grau, 44 mil processos.

BNews – Qual o número ideal para cada magistrado?

MB – O CNJ estabelece em torno de três mil processos para cada magistrado. A média nacional está em torno de 5,6 mil e na Bahia temos mais de 7 mil processos por magistrado e em péssimas condições de trabalho. Então temos uma média está muito acima da nacional e com uma situação estrutural extremamente sucateada.

BNews – Voltando para a questão da política, Eliana Calmon representa a categoria nesse processo eleitoral? O magistrado fechou apoio com ela?

MB – Não. Existem magistrados que simpatizam com ela e existem outros que não. O voto é secreto, mas não é que diga que a magistratura está fechada com a ministra. Isso é uma coisa muito aberta. Não há um acordo para que a magistratura a apoie de uma forma global, mas também não há uma rejeição em relação ao nome dela.

BNews – Quais são seus próximos passos até o final da sua gestão?

MB – Lutar sempre para reestabelecer o diálogo com o tribunal.  Ainda aguardamos uma audiência com o presidente, ele ainda não abriu esse espaço. Mas temos tentado o diálogo porque acreditamos que só com o diálogo vamos construir um Poder Judiciário como desejamos e lutar pela democratização através de eleições diretas. Porque no momento em que o juiz puder escolher os seus dirigentes, tenho certeza que o relacionamento entre o primeiro e o segundo grau vai se tornar mais estreito.


Veja o vídeo da entrevista:

Classificação Indicativa: Livre

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