Artigo

O silêncio dos casais

Publicado em 10/04/2017, às 21h14   Guilherme Reis*


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A certa altura do namoro, você se dá conta que o seu parceiro é um completo desconhecido. O entendimento surge em uma espécie de súbita epifania, durante aquela DR séria que todos os casais protagonizam em algum momento. Ideologias quase opostas, objetivos de vida que não existem mais ou que mudaram de rumo; até o gosto musical de cada um não possui mais nada em comum. Quando vocês mudaram tanto? Onde você estava quando o seu companheiro morreu e foi subsituído?

No mesmo instante brotam outros questionamentos. Terei sido traído nesses últimos tempos? O afeto, quando se manifesta, é burocrático, e o sexo há tempos não é como no início. Aliás, quando foi a última vez mesmo? E a DR se torna um toma-lá-dá-cá de rancores, frustrações reprimidas e insatisfações nunca expressadas. Ao final da tempestade, o jeito é cada um recolher o que sobrou de si e tirar o time de campo.

Forçar os sentimentos ao silêncio é condenar nós mesmos à solidão e ao autoabandono. Boa comunicação entre companheiros não se restringe a falar amenidades, mas significa, antes de tudo, compartilhar sofrimento e fragilidade; expor o que dói e incomoda. A boa comunicação nem sempre se expressa em palavras; às vezes, um olhar ou um abraço que fogem ao lugar-comum dizem o que a linguagem oral nunca será capaz de expressar.

A boa comunicação também é uma maneira de conhecer o outro com mais profundidade, desbravar nuances até então escondidas na miríade da personalidade. E evita os efeitos nocivos do cotidiano, do tédio e da convivência (sim, a convivência pode destruir qualquer relação, alimenta mágoas, transforma paixão em desafeto).

Mas estar aberto aos problemas do outro não significa tomá-los para nós, perder noites de sono e tentar resolvê-los nós mesmos. Pensar que os nossos próprios problemas já são demais para a nossa sanidade está longe de ser uma atitude egoísta. As batalhas que nos são impostas são nossas e de mais ninguém, e a demasiada interferência alheia nos anula em vez de nos edificar. E deixar isso claro, demarcar as fronteiras, é outro exercício de comunicação que não podemos negligenciar.

*Guilherme Reis é repórter do Bocão News e escreve neste espaço às segundas-feiras.

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