Artigo

Das mentiras que aprendemos

Publicado em 13/02/2017, às 21h15   Guilherme Reis


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Nas primeiras versões das antigas histórias de fadas, não havia finais felizes. […] o lobo mau se atirou sobre a Chapeuzinho Vermelho e a comeu. Assim termina o conto escrito por Charles Perrault (1628-1703) na França século XVII. Sem caçador para salvar menina e avó. Sem deus ex machina.

Foi só no século XIX, com o surgimento do romantismo e a supervalorização de ideais cristãos, que os irmãos Grimm publicaram suas próprias interpretações dos contos oriundos da tradição oral. Permeadas por certa dose de violência, as narrativas consolidaram o maniqueísmo romântico e sentenciaram: os maus serão condenados e os bons vencerão as provações e serão “felizes para sempre”.

Tão populares se tornaram que nos fizeram pensar a felicidade nos contornos de um horizonte idílico, em nome do qual passamos a vida engajados em uma busca tortuosa. E é sempre um choque quando chega lucidez: subitamente paramos de falar, nos ajeitamos na cadeira, e, meio sem querer, começamos a viver a nova realidade. Mais palpável, porém muito mais… desalentadora?

Desejamos o emprego dos sonhos, que nos proporcione brilho pessoal e estabilidade financeira; deixamos de aproveitar instantes humanamente enriquecedores porque temos a certeza que, quando menos esperarmos, a alma-gêmea entrará pela porta, trazendo a segurança com a qual tanto sonhamos. Nos esforçamos para criar êxtase e excluir os dissabores — como se isso fosse possível.

Encarar a felicidade como ela de fato deve ser construída nos salva daquilo que justamente queremos evitar: as agruras do vazio existencial e a insatisfação de uma vida que nem sempre podemos controlar. E, no que concerne à nossa existência, deveríamos aprender que o epílogo da narrativa é sempre a morte — instante de angústia e medo, resignação ou desespero. E que o final feliz deve germinar mesmo na aridez das aflições cotidianas, e que podemos escrevê-lo a cada átimo de segundo.

*Guilherme Reis é repórter do Bocão News e escreve neste espaço às segundas-feiras.

Classificação Indicativa: Livre

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