Justiça

Estupro: Crime praticado contra a mulher

Publicado em 28/05/2016, às 19h57   Davi Gallo, promotor de Justiça do MPE-BA


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Nos últimos dias a sociedade brasileira foi tomada por um sentimento de revolta acentuada em razão do bárbaro crime cometido contra uma adolescente em uma comunidade da cidade do Rio de Janeiro.

Soube-se que traficantes, cerca de 30(trinta) homens, incluindo o próprio namorado dela, após tê-la sequestrado, a levaram para um barraco onde, revezaram-se na prática de estupro contra ela.

Um verdadeiro “estupro coletivo” que nós apenas tínhamos conhecimento de casos em países como India e Paquistão, locais onde este tipo de crime é amplamente tolerado pelo Estado.

Este fato por si só já nos assusta, pois assim como lá, nossas autoridades aqui no Brasil, são coniventes e lenientes com os criminosos.

O estupro em si mesmo é um crime bárbaro e monstruoso, pois além da violência física causada, ele ainda marca para sempre a dignidade de um ser humano, no caso as mulheres.

O que se viu no Rio de Janeiro foi um ato tão violento e atentatório contra as mulheres que a sua divulgação deixou estarrecida a comunidade internacional.

Nossa Lei Penal prevê esse crime, em duas modalidades, nos artigos 213 e 217-A (estupro de vulnerável), variando as penas entre 06(seis) a 15(quinze) anos de reclusão a depender da modalidade praticada.

O artigo 213 do CP prevê esse tipo de crime na modalidade genérica, isto é, quando praticado contra homens e mulheres com idade acima de 14(catorze) anos, prevendo causas de aumento de pena nos §§ 1º e 2º do mesmo artigo, caso haja lesão corporal de natureza grave e a vítima tenha entre 14(catorze) e 18(dezoito) anos; bem como se em decorrência do estupro vier resultar morta da vítima:

Art. 213. Constranger alguém, mediante grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso;

Pena – reclusão de seis a dez anos.

§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18(dezoito) ou maior de 14(catorze) anos;

Pena - reclusão, de 08(oito) a 12(doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte:

Pena de 12(doze) a 30(trinta) anos.

Já em outro artigo, 217-A, o legislador, recentemente, criou a figura típica do “Estupro de Vulnerável”, tipo este que prevê uma reprimenda maior para aqueles que cometem estupro contra crianças e pessoas que não detém capacidade para oferecer nenhuma resistência ao ato praticado pelo criminoso.

Ele assim se encontra previsto, in verbis, no Código Penal:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14(catorze) anos:

Pena – reclusão, de 08(oito) a 15(quinze) anos.

§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, porque qualquer outra causa, não pode oferecer resistência;

§ 2º (vetado)

§ 3º Se da conduta, resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 10(dez) a 20(vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12(doze) a 30(trinta) anos.

O Wikipédia define o crime de estupro como:

“Estuprocoito forçado ou violação é a prática não consensual do sexo, imposto por meio de violência ou grave ameaça de qualquer natureza por ambos os sexos. Ele consiste em qualquer forma de prática sexual sem consentimento de uma das partes, envolvendo ou não penetração. Ainda que o estupro vitime ambos os sexos, as mulheres são as vítimas historicamente mais atingidas. A maior parte do corpus jurídico mundial caracteriza o estupro como um crime sexual no qual há penetração.”

Penso até que as penas previstas para tão hediondo crime como é o estupro, é razoável, entretanto estas jamais são aplicadas na sua integralidade.

Há muito tempo venho combatendo essa “farra” que é o nosso sistema penal. Aqui a legislação não tem por escopo final a repressão ao crime em si mesmo.

O que se busca é apenas a recuperação do criminoso, algo que jamais acontece, pois, o nosso sistema penal não recupera ninguém.

O que se constata é que os valores são completamente invertidos. Algumas correntes doutrinárias, pasmem, atribuem a culpa do fenômeno criminoso ao comportamento da vítima.

Asseveram que, no caso do estupro, por exemplo, este só ocorre porque a vítima se vestiu com determinada roupa o que fez despertar a libido do criminoso, por via de consequência, levando-o a cometer o crime.

Na verdade, as penas aplicadas aos crimes previstos no Código Penal, jamais são devidamente cumpridas integralmente pelos criminosos, pois na fase de execução, a lei a ser observada é a de “Execuções Penais”, um verdadeiro diploma de direitos para o criminoso. Quando iniciada a execução da pena, digamos de 10(dez) anos de reclusão, o criminoso já sabe que após o cumprimento de 1/6 (um sexto), ele já adquire a progressão para um regime mais brando que o possibilita a ficar em liberdade. Ou seja, como menos de 02(dois) anos ele já pode sair para cometer outros crimes. Neste caso a pergunta que se faz é: o condenado a uma pena de 10(dez) anos de reclusão, cumpre integralmente esta pena? A reposta que se impõe é negativa. Uma vergonha. 

O Brasil vive atualmente uma “Ditadura do Garantismo Penal”. Aqui alguns criminosos, a exemplo dos estupradores do Rio de Janeiro, são tratados como seres humanos normais, quando na verdade não o são.

Basta que se prenda algum deles para que apareça um batalhão de advogados exigindo que lhes seja conferido uma séria interminável de direitos. Estes mesmos direitos que, em relação à vítima, ele não respeitou em nenhum momento.

Hoje mesmo, assistindo aos noticiários nacionais, vi que alguns deles têm se apresentado perante a autoridade policial e, após prestarem depoimento, estão voltando para suas casas.

Pelo que percebi, a autoridade policial não representou pelas prisões cautelares de nenhum deles.

A bem da verdade, o que estou percebendo é que a autoridade policial está muito mais preocupada em ligar a vítima aos traficantes, que resolver o crime praticado contra ela.

Típico de uma sociedade machista que ainda tem que evoluir muito, isso começará a partir do momento em que se começar a respeitar as nossas mulheres. Algo que não vejo acontecer.

A população, de forma geral, desconhece como funciona a Justiça criminal neste País. Uma verdadeira “farra” para o criminoso, pois só quem têm direitos é ele.

O que prepondera, sempre e sempre, é a impunidade, pois diante das leis processuais penais que temos, torna-se quase que impossível se punir adequadamente um criminoso neste País

A vítima, ante o “Status quo ante” não passa de mero detalhe na casuística jurídico-penal. Quem importa é o criminoso. A ele todos os direitos, inclusive de responder o processo em liberdade, desde que seja primário.

Na verdade, é isso que vai acontecer com aqueles criminosos do Rio de Janeiro. Se se verificar que algum, ou mesmo todos eles, são primários, isto é, se nunca responderam a outro processo criminal, de certo aquele batalhão de advogados ou defensores públicos, movimentarão a máquina judiciária para que os coloque imediatamente em liberdade, pois sagrados são os direitos dos criminosos neste País. Dispensáveis e sem importância são os das vítimas.

Temos a certeza que isso acontece todos os dias. Talvez não aconteça em relação a esses “monstros”, porque a mídia mundial tem acompanhado de perto, e existe uma pressão muito grande para que eles sejam presos a assim permaneçam até que sejam condenados.

Muitos são os casos de estupros cometidos neste País. A sociedade não tem a mínima noção de quantos acontecem todos os dias.

O Brasil é uma nação de origem “Latina” de cunho eminentemente “Machista”, onde a mulher ainda é tratada como objeto de prazer e de propriedade do homem.

O estupro é crime cometido basicamente contra a mulher. É um crime brutal que fere mortalmente todos os sentimentos nobres que ela possui. Tira-lhe a dignidade de uma forma cruel, impondo-lhe uma humilhação sem precedentes.

Por ser um país “machista”, na maioria das vezes as vítimas de estupro, sequer procuram as autoridades para relatarem o crime por elas sofridos, pois já na delegacia passam constrangimentos de agentes públicos sem mínimo preparo para o atendimento de vítimas de estupro.

É bem verdade que com a implantação de Delegacias Especializadas este tipo de acontecimento diminuiu bastante, mas antigamente o agente policial ao receber a vítima de estupro, a tratava de forma ultrajante, muitas vezes até insinuando que ela é que era a responsável pelo estupro sofrido.

Absurdos como estes fazem com que as mulheres, vítimas de estupro, na maioria esmagadora das vezes, jamais procurem as autoridades para relatar o crime, deixando impune o criminoso que, sequer será processado criminalmente. E pior ainda, vai continuar cometendo mesmo crime, inclusive contra a mesma vítima.

Conto com mais de 20(vinte) anos de carreira e durante minha atividade profissional, notadamente no interior do Estado, presenciei e ainda continuo presenciando o quão é comum a ocorrência do crime de estupro em nosso Estado.

A sociedade não tem mínima noção de quantas mulheres são estupradas diariamente. Crianças são violentadas pelos próprios pais e muitas vezes isso só nos chega ao conhecimento quando não se pode mais dar jeito.

Por mais incrível que possa parecer, a grande maioria dos estupros são cometidos dentro do próprio lar da vítima.

Hoje no Brasil, fala-se muito em castração química para esses monstros, porém toda vez que este assunto é aventado, surge um exército de defensores dos direitos humanos verberando que isso atenta contra dignidade humana.

Para mim isso não passa de falácia, mesmo porque se tem uma coisa que o estuprador não tem é dignidade. Pior ainda, ele tira a dignidade das suas vítimas quando as estupra.

A castração química talvez seja a única solução viável para que este tipo de crime – estupro – diminua no nosso país.

Chega de dar ouvidos a essa “lenga-lenga” de que o criminoso é uma vítima da sociedade.

O estuprador é um criminoso perverso por natureza. Seu objetivo final é o de satisfazer seus instintos e a melhor maneira de coibir isso, penso eu, é controlar esse instinto.

Países como EUA, Coréia do Sul, Polônia, Israel e outros, já adotam, mesmo que em fase experimental o uso da “castração química” como alternativa de pena para criminosos sexuais e nem por isso foi-lhes atribuído o título de nações atrasadas.

Entendo que algo precisa ser feito com urgência. A legislação que temos em nada pune ou recupera o delinquente.

Sempre que surge uma alternativa, logo esta é afastada de plano pelos defensores dos “Direitos Humanos” que em sua maioria são pessoas que só escutam a versão dos criminosos e nunca pararam para ouvir e sentir a dor das vítimas.

O crime de estupro é um delito no qual o objeto jurídico tutelado a ser desrespeitado é justamente o da qualidade de gênero, uma vez que na sua maioria é praticado contra a mulher em razão dela ser mulher.

Quando condenados os estupradores, estes jamais cumprem uma pena adequada, mesmo porque a Lei de Execução Penal lhes dá tantas regalias que, no final, após o cumprimento de um pequeno percentual da pena, adquirem o direito de apenas passear na cadeia, ficando a maior parte do tempo em liberdade. Livres para voltarem a cometer novos estupros. Tudo isso sob o beneplácito estatal.

Há alguns anos, lembro-me, que um criminoso várias vezes condenado por crimes de estupro, adquiriu o direito a uma dessas “saídas”. Pois bem, foi ele até um shopping desta cidade, sequestrou uma médica que trazia seu filho bebezinho no banco traseiro do veículo tomado de assalto.

Uma vez reduzida qualquer chance de defesa da vítima, o criminoso a levou até um local ermo e a estuprou seguidas vezes.

Satisfeita sua sanha criminosa, ele a jogou na pista de rolamento e passou o carro por cima.

Após de ter feito tudo isso, ainda furtou o dinheiro que ela trazia consigo e foi jantar com a namorada em um restaurante desta cidade, deixando a vítima morta ao solo e o bebezinho abandonado dentro do veículo em um terreno de difícil acesso.

Os dados sobre cumprimento de penas no Brasil, acho que de forma propositada, nunca são colocados à disposição da sociedade. Não se sabe, por exemplo, que todos os dias criminosos como estes, adquirem o direito – eles têm direitos – de voltar ao convívio social sem que tomemos conhecimento disso.

Temos que repensar seriamente esse “tratamento legal maravilhoso” dispensado pelo Estado aos delinquentes acusados de crimes graves.

Entendo que eles continuam fazendo o fazem porque sabem que a impunidade sempre lhes alcançará.

Desta forma, estupradores continuarão a dar vazão aos seus instintos bestiais, destruindo as vidas de mulheres como esta adolescente do Rio de Janeiro.

Já que a reformulação legal não é possível neste momento, então que se viabilize a implantação da castração química. Esta surge esta como uma forma de, pelo menos, frear o aumento dos índices de crimes sexuais cometidos contra mulheres e crianças.

Este é o meu entendimento.

Ao tomar conhecimento do “estupro coletivo” praticado contra aquela jovem no Rio de Janeiro, como cidadão fiquei revoltado. Como Promotor de Justiça o meu sentimento foi o de vergonha, pois sei que estes criminosos jamais serão devidamente punidos pelo que fizeram. 

Classificação Indicativa: Livre

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