Política

Abaixo o estereótipo de dondocas

Publicado em 28/02/2015, às 15h16   Fabya Reis


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Acho absolutamente desnecessário a aprovação pela mesa diretora da Câmara Federal no dia 25.02.2015, de cota de passagens para os cônjuges dos deputados e deputadas. Tenho certeza que decisões dessa natureza são em favorecimento de uma classe social que sempre se beneficiou do Estado de modo corporativo e predatório dos recursos públicos, contrariando frontalmente os interesses coletivos da maioria da população. A minha condição de ser esposa de deputado, e vendo corretamente o conjunto de manifestações contrárias a essa decisão, me somo a essa voz que denuncia ao que considero uma ofensa a moral coletiva desse país. Quero realmente pontuar que antes de ser esposa, sou mulher e me norteio por uma política de autonomia das mulheres e penso que antes de conter qualquer elemento emancipatório para as mulheres esposas dos deputados, essa decisão nos coloca sempre no lugar comum de dondocas que se beneficiam do bem público, estereotipando nosso lugar no mundo e aprofundando as amarras nas tramas machistas e sexistas. Tentam nos colocar em um lugar como se não fôssemos capazes de fazer nenhuma leitura política das consequências de decisões como essas para o povo brasileiro, para a política e especialmente para mulheres. Sinceramente essa é uma decisão que não tenho nenhum interesse em me beneficiar, porque ela se opõe nuclearmente com o tipo de política que quero ver no mundo.

Sigamos denunciando as decisões arbitrárias e falseadas como benefícios, e que são na verdade mais uma nuance de dominação de uma classe pela outra de um gênero pelo outro. Proponho ainda uma reflexão que embora a decisão beneficie cônjuges, portanto, homens e mulheres, ficou publicamente conhecida como a decisão que aprova “passagens para as esposas”! Isso evidencia o quanto temos ainda que avançar na construção de uma sociedade que supere o machismo. E ficou assim conhecida também porque o compromisso de campanha do deputado Eduardo Cunha foi com as esposas, maioria dos cônjuges dos representantes da casa (462 deputados e 51 deputadas). Um equívoco político do meu ponto de vista.

Duas questões se apresentam aqui, em que circunstâncias serão liberadas essas passagens? Para ir dar apoio aos mandatários em suas viagens de trabalho? E o que faríamos nós ”cônjuges ”nessas viagens para termos direitos as passagens com recursos públicos. Nada contra acompanhar nossos companheiros(as) em viagens, mas tenho certeza que essa é uma demanda de foro privado e pessoal, que cabe ao casal resolver sua logística.

Pode haver ainda uma narrativa que como a maioria dos cônjuges dos mandatários do congresso são mulheres, se posicionar contra seria se opor que as mulheres tivessem também alguns benefícios, mas acho que o debate de autonomia passa sinceramente por outras formas, na ampliação, por exemplo, da nossa participação na política para efetivamente ocuparmos paritariamente as cadeiras do Congresso, ter mais mulheres em espaços de poder, salários iguais entre homens e mulheres nas mesmas funções etc. só pra falar de alguns exemplos rapidamente. Por isso, nas vésperas do dia internacional das mulheres, acho um contrassenso uma decisão que confunde algumas de nós e aprofunda nosso estereótipo de dependentes, dondocas. Avançar sempre, retroceder jamais!!

*Fabya Reis é militante do MST e Cientista Social

Classificação Indicativa: Livre

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